publicado dia 11 de maio de 2023
6 livros para discutir racismo no Brasil hoje
Reportagem: Ana Júlia Paiva
publicado dia 11 de maio de 2023
Reportagem: Ana Júlia Paiva
Nosso é país racista. Apesar do fato ser consenso para 81% dos brasileiros, de acordo com a pesquisa do PoderData, realizada em 2020, apenas 34% admitem terem atitudes racistas. Diante disso, como ampliar o letramento racial e combater o racismo no Brasil?
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A pauta racial tem crescido: em 2020, o assassinato violento de George Floyd nos Estados Unidos gerou uma onda de protestos no país que ultrapassou as barreiras nacionais. O episódio – e também os números da violência contra pessoas negras no Brasil – motivou atos e discussões sobre o caso do Brasil. Além do Movimento Negro Unificado, estudiosos e personalidades negras nacionais questionaram: e o racismo no Brasil?
A pergunta é válida, uma vez que o Anuário de Segurança Pública de 2020, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, demonstrou que as pessoas negras são a maioria entre as encarceradas, mortas em ações policiais e vítimas de feminicídio.
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O rombo da desigualdade racial não se limita apenas à segurança pública, mas envolve trabalho, distribuição de renda, moradia, educação e representação política. O relatório de Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil – 2ª edição, lançado em 2022 pelo IBGE, aponta que em 2021: pretos (19,7%) e pardos (20,8%) enfrentaram ao menos duas vezes mais insegurança de posse de moradia do que brancos (10,1%). Além disso, há um abismo racial entre os salários pagos às pessoas brancas e negras no Brasil: brancos recebem, em média, R$3 mil, acima do rendimento de pretos (R$1,7 mil) e pardos (R$1,8 mil).
Diante desse cenário, é imprescindível buscar conhecimento sobre a História do país – o último do mundo a abolir o regime escravocrata – e, assim, compreender como se estruturam as relações étnico-raciais, a fim de adotar uma postura antirracista.
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Para ajudar na ampliação do letramento racial e no entendimento sobre o racismo no Brasil, selecionamos seis livros recentes que conseguem abarcar em profundidade a questão racial de forma didática e de fácil compreensão.
Inspirada pela sua própria vivência no mercado de trabalho, a doutora em Psicologia Cida Bento denuncia os privilégios que pessoas brancas carregam justamente por serem brancas. Ela questiona a universalidade e neutralidade da branquitude – conceito que se refere aos privilégios culturais e sociais da identidade branca – apontando para a necessidade de se reconhecer a sua construção social e histórica, bem como as consequências de sua existência para uma sociedade sem hierarquia racial. Ao longo de dez capítulos, a autora traça um panorama de como o racismo se estrutura a partir do pacto narcísico da branquitude, do capitalismo racial e do racismo institucional, e finaliza com reflexões sobre o momento atual no Brasil e projetos de transformação deste cenário.
Leia um trecho do livro:
“Nem todos os privilegiados se reconhecem como parte de um grupo que traz em sua história a expropriação de outros grupos. A herança branca contém marcas da apropriação de bens materiais e imateriais, originárias da condição de descendente de escravocratas e colonizadores e é uma herança frequentemente tratada como mérito para legitimar a supremacia econômica, política e social. Essa herança fortalece a autoestima e o autoconceito da população branca tratada como “grupo vencedor, competente, bonito, escolhido para comandar”
Quem é Cida Bento? Cida Bento é paulistana da Zona Norte de São Paulo. Formou-se em psicologia e dedicou sua vida à área de Recursos Humanos. Em 1990, ao lado de Ivair Augusto dos Santos e Hédio Silva Júnior, fundou o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). Doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo, foi professora da Universidade do Texas, em Austin e, em 2015, foi eleita pela revista britânica The Economist, uma das cinquenta pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade.
O atual ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil se debruça a explicar o que é, de fato, racismo estrutural e como ele se aplica nas diversas áreas da sociedade brasileira. Dividido em cinco nichos de conceitos – Raça e Racismo, Racismo e Ideologia, Racismo e Política, Racismo e Direito, e Racismo e Economia – Almeida traz um trabalho sintético e extremamente didático neste pequeno livro, que parece uma edição de bolso.
Leia um trecho do livro:
“Tal como a escravidão, o racismo não é um fenômeno uniforme e que pode ser entendido de maneira puramente conceitual ou lógica. A compreensão material do racismo torna imperativo um olhar atento sobre as circunstâncias específicas da formação social de cada Estado.”
Quem é Silvio de Almeida?
Silvio Luiz de Almeida é paulistano, advogado, filósofo e pós-doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. É o atual ministro dos Direitos Humanos e Cidadania; diretor-presidente do Instituto Luiz Gama; e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.
Com um prólogo e quatro capítulos-premissas, o pensador baiano Muniz Sodré discorre sobre uma nova abordagem sobre o racismo pós-abolicionista que persiste no Brasil. Sem deixar de lado o pano de fundo da desigualdade socioeconômica sobre os afrodescendentes, o autor foca na dimensão interacional entre pessoas brancas e negras, alegando uma metamorfose das velhas formas de domínio escravocratas no que ele denomina como “senhorialidade democrática” – referência aos senhores de engenho –, que é garantida por status, jogos de aparência e ambiguidades de linguagem. Sodré utiliza o termo “fascismo da cor”, que nomeia o livro, para afirmar que o preconceito racial é uma forma de fascismo que opera de maneira mais subliminar e traiçoeira do que o fascismo político tradicional. Elaborado em quatro premissas, o livro traz uma leitura que amplia o entendimento elaborado por Silvio de Almeida e Cida Bento.
Leia um trecho do livro:
“Na forma social escravista do tipo brasileiro, o racismo institucional não se legitima por legislação (pelo contrário, existe uma lei penal que tipifica o racismo como crime); no entanto, é exercido na prática por perversões institucionais orientadas por representações derivadas de uma reflexividade social específica. (…) As representações são fundamentais para assegurar o poder reflexivo da sociedade; isto é, a conceitualização da realidade social a partir do espelho em que o socius hegemônico pretende se reconhecer.”
Quem é Muniz Sodré?
Nascido em São Gonçalo dos Campos (BA), Muniz Sodré é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do CNPq e escritor na área da mídia e comunicação, cultura nacional, técnicas de texto jornalístico e ficção — algumas das quais traduzidas para o italiano e espanhol.
Com o subtítulo de “A construção do outro como não ser, como fundamento do ser”, Sueli Carneiro escreve um livro sobre as dimensões filosóficas e epistemológicas do racismo, inspiradas nas noções foucaultianas de “dispositivo” e “biopoder”, colocadas, nesse caso, à luz das relações raciais no Brasil, criando uma nova arquitetura conceitual, que tem como centro o conceito de “dispositivo de racialidade”.
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Logo na introdução, a autora abre o texto em primeira pessoa, se dirigindo a um “eu hegemônico”: “FALAREI DO LUGAR DA ESCRAVA. Do lugar dos excluídos da res(pública)”. Dividido em três partes e com um fluxograma final que mostra as “articulações funcionais entre saber, resistência e raça”, o livro começou a ser gestado em 1984, há quase quarenta anos, quando Sueli se formou na graduação. Seu texto original foi a tese de doutorado defendida pela filósofa, em 2005, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. É um livro de filosofia política, complexo e ao mesmo tempo elucidativo, que busca enegrecer a própria filosofia a partir da perplexidade e fúria de Sueli diante da permanência de ideias, discursos e práticas racistas nos cinco séculos desde a colonização do Brasil, como aponta Yara Frateschi, quem escreve seu posfácio.
Quem é Sueli Carneiro?
Sueli Carneiro nasceu em 1950, na cidade de São Paulo. É escritora, ativista, filósofa e doutora em educação pela USP. Cofundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, tem vasta obra publicada, entre centenas de artigos, alguns deles reunidos nos livros Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (2011) e Escritos de uma vida (2019). Agraciada com diversos prêmios nacionais e internacionais, em 2022 recebeu o título de doutora honoris causa pela UnB.
Parte da coleção Feminismos Plurais, organizada pela filósofa Djamila Ribeiro, da qual “O que é racismo estrutural” (Silvio de Almeida) também faz parte, Colorismo tem como fundamento explicitar de forma didática e informativa esse conceito – que por vezes é debatido de forma rasa na internet e gera grandes equívocos.
Resumidamente, colorismo é um termo que se refere à discriminação racial com base nas tonalidades de pele. Porém, existem nuances importantes a serem consideradas que tornam o debate mais complexo, especialmente no Brasil. O país é marcado pela mestiçagem forçada a partir da diáspora africana – que tem na composição de sua população negra, 47% pardos e 9,1% pretos, de acordo com o Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, lançada em 2022.
O livro procura explicar como o racismo opera dentro dos diferentes tons de pele e “como existir sem ser branco e resistir para poder ser negro” – subtítulo do último capítulo. Dividido em quatro nichos conceituais, Alessandra, uma mulher negra de pele clara – ou parda – elabora sobre a perspectiva estrutural do colorismo, a construção identitária do ser negro no Brasil, o colorismo dentro dos arranjos do capital, a estratificação do colorismo no mundo do trabalho, a utilização estratégica do conceito pela branquitude a fim de segregar e minar a união de pessoas negras, e sobre uma abordagem feminista do colorismo. É um livro que dá conta de trazer um olhar intelectualmente honesto sobre um conceito basilar para compreensão do racismo no contexto brasileiro.
Leia um trecho do livro:
“O colorismo, portanto, tem como causa a maneira pela qual compreendemos a condição negra, inferiorizada e subjugada ao branco; mas também tem como solução a compreensão dessa mesma condição negra, desde que liberta de sua grade racista.”
Quem é Alessandra Devulsky?
Natural de Diamantino (MT), Alessandra Devulsky da Silva Tisescu é advogada e doutora em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP. É diretora jurídica do Instituto Luiz Gama.
O autor reúne 34 ensaístas da intelectualidade negra brasileira, 18 mulheres e 16 homens, para elaborar textos inéditos que se alinhem à visão de resistência e combate de toda violência racial que foi abordada nos cinco livros aqui listados.
Em homenagem a Luiza Bairros – um dos maiores nomes do Movimento Negro Unificado e da luta das Mulheres Negras no Brasil que faleceu em 2016 – e a Marielle Franco – socióloga, ativista e política brasileira pela luta do povo negro, assassinada em 2018 – o livro traz perspectivas de futuro pelas palavras de militantes da luta antirracista, com um panorama atualíssimo do que se vive hoje no Brasil. Assim, temos nomes como Anielle Franco (atual ministra da Igualdade Racial) e Bianca Santana, bem como de Conceição Evaristo e Valter Silvério, e também de Elisa Lucinda e Ronilso Pacheco.
São abordagens de diferentes gerações, estilos, visões e áreas do conhecimento. Hélio Santos consegue a proeza de reunir, em uma só obra, nomes de peso do pensamento negro brasileiro com o intuito de ir além da denúncia e elucidação de um Brasil racista, fechando, assim, seu livro com o ensaio de sua autoria chamado “Um novo acordo para a equidade racial no Brasil”. É uma leitura essencial para concluir um primeiro estudo e entendimento não apenas sobre como se estrutura e opera o racismo brasileiro, mas sobre o que de fato é o cerne do próprio Brasil.
Leia um trecho do livro:
“O quilombo é um avanço, é produzir ou reproduzir um momento de paz. Quilombo é um guerreiro quando precisa ser um guerreiro. E também é recuo se a luta não é necessária. É uma sapiência, uma sabedoria. A continuidade de vida, o ato de criar um momento feliz, mesmo quando o inimigo é poderoso, e mesmo quando ele quer matar você. A resistência. Uma possibilidade nos dias da destruição” – Beatriz Nascimento
Quem é Hélio Santos?
Mineiro de Belo Horizonte, Hélio Santos é escritor, pesquisador e doutor em Administração pela FEA-USP e hoje mora em Salvador, onde leciona no programa de mestrado em Desenvolvimento Humano da Fundação Visconde de Cairu. É também consultor de gestão da diversidade de várias organizações, entre elas Itaú-Unibanco, Abril, CPFL e Ford Foundation.
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