publicado dia 13 de julho de 2023
Aos 33 anos, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) convive com desafios históricos e novas adversidades
Reportagem: Ana Júlia Paiva
publicado dia 13 de julho de 2023
Reportagem: Ana Júlia Paiva
Resumo: Ponto de inflexão para os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado em 1990. Nos últimos 33 anos, obteve avanços importantes, mas ainda persistem desafios históricos (como altos níveis de violência) e novas adversidades, como a volta da fome, impactos da pandemia e os abusos contra crianças mediados pelas redes sociais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 33 anos no dia 13 de julho de 2023. Apresentada em 1990, a legislação brasileira (Lei 8.069) é considerada uma das mais avançadas do mundo na promoção, defesa e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
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Neste artigo, o advogado e ex-secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, definiu o ECA como “uma política avançada para um país atrasado e com tradição de desrespeito aos direitos humanos”.
Nas últimas três décadas em que esteve vigente, o ECA introduziu marcos importantes, como a universalização da escola pública e a redução na mortalidade infantil, além da criação dos Conselhos Tutelares e das Varas da Infância e Juventude e do estabelecimento de políticas públicas de enfrentamento ao trabalho infantil, abuso e exploração sexual.
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Ao mesmo tempo, os avanços concretos e também no campo legislativo ainda convivem tanto com desafios histórico-estruturais (como níveis altos de violência contra crianças e adolescentes) quanto com novos problemas que impactam as infâncias, como o abuso e exploração via redes sociais e a volta do Brasil ao Mapa da Fome.
No ano em que o ECA foi promulgado, o Brasil vivia seu processo de redemocratização, com efervescência de movimentos sociais que buscavam garantir direitos até então negados.
Naquele momento, o ponto de inflexão foi reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos, identifica Lílian dos Santos, secretária executiva do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) da prefeitura de Canaã dos Carajás (PA).
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Antes vistos como objetos passivos, as crianças passaram a ser consideradas, no âmbito legal, como sujeitos capazes de participar das decisões e processos relativos aos seus respectivos direitos.
A partir do ECA, o Brasil viu florescer algumas decisões legais essenciais para proteger crianças e adolescentes, como:
Nas últimas três décadas, o Brasil conviveu, ao mesmo tempo, com a existência de uma legislação avançada e a persistência de níveis epidêmicos de violência contra a juventude – em especial a negra e periférica -, e da violação cotidiana de direitos das crianças e dos adolescentes.
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Além dos desafios históricos, há novos, como os casos de abuso, exploração e violência contra crianças e adolescentes por meio da Internet e das redes sociais.
De acordo com Vanessa Saraiva, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, atualmente as maiores violações observadas no dia a dia envolvem abuso, exploração, violência sexual e física, incluindo aquelas concretizadas com a mediação das redes sociais e da Internet.
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Ela também cita como violações de direitos das crianças e dos adolescentes: a violência institucional dos espaços socioeducativos e das escolas, além daquelas que acontecem nos territórios.
“Devemos buscar alternativas concretas, pautadas no ECA, capazes de possibilitar o acesso aos direitos”, defende Vanessa Saraiva, apontando para a importância da sociedade civil e da população em geral como mecanismo de pressão neste processo. “A cobrança do protagonismo do poder público, neste momento, é fundamental.”
Criados a partir do ECA, os Conselhos Tutelares são órgãos dedicados a fiscalizar e impedir que violações de direitos continuem ocorrendo em cada caso. Os conselheiros atuam diretamente nos territórios com as famílias e em articulação com a rede pública local.
Em 1º de outubro de 2023 acontecerá a terceira eleição unificada para os Conselhos Tutelares e a primeira com apoio da Justiça Eleitoral. No pleito, serão escolhidos 30 mil conselheiros para 6 mil órgãos espalhados pelos municípios.
Nayara Alves, conselheira tutelar do 13º Conselho da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ), explica que o ECA é o grande norteador do trabalho dos agentes. “É Bíblia do conselheiro”, compara. “ Ele rege toda nossa atuação profissional e está presente diariamente no nosso trabalho como instrumento de legitimidade”.
Ainda assim, Lílian Dos Santos explica que é uma árdua luta para que a intersetorialidade, característica fundamental do ECA para impedir violações, seja consolidada:
“Ainda há muitos setores que não entenderam a importância de criação de sistemas interligados para viabilizarem as informações entre políticas setoriais, a efetivação da participação social no controle da formulação, execução e monitoramento das políticas públicas eficazes”, pontua.
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O desconhecimento, desconfiança e disputa política em torno da legislação entram nesse quesito. Último do tipo disponível, o levantamento de 2015 do DataSenado mostra que 98% sabiam da existência do ECA, mas 69% consideravam-se pouco informados sobre os direitos ali previstos.
O avanço da pandemia de Covid-19 no Brasil trouxe de volta à esfera pública o debate sobre insegurança alimentar entre os brasileiros.
Em 2022, o Brasil voltou ao Mapa da Fome da ONU, com 4,1% da sua população enfrentando falta crônica de alimentos. Os dados revelam que entre 2019 e 2021, 61,3 milhões de brasileiros enfrentaram algum grau de insegurança alimentar, afetando especialmente as crianças.
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Esse é um problema que repercute diretamente nas condições de vida de crianças e adolescentes, reverberando inclusive em outras questões, como na saúde mental. É o que afirma a professora Vanessa Saraiva, da UFRJ: “O empobrecimento da população, com a falta de empregos e a fome são, hoje, talvez o maior desafio conjuntural para garantir os cuidados que o ECA prevê”, explica a especialista.
O campo da saúde mental também inspira cuidados: os casos de suicídio aumentaram 43% no Brasil em uma década, sendo que entre adolescentes, o aumento foi de 81%.
Além disso, a professora também aponta para a questão dos órfãos da pandemia, que levou mais de 113 mil crianças e adolescentes a perderem seus pais, de acordo com dados do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
“A insegurança social atravessa nuances de violências e violações de direitos dessa juventude. Por isso, o acolhimento institucional e intersetorial que o ECA propõe se faz tão importante, já que prevê um olhar complexo e abrangente para questões que demandam essa atenção”, conclui.