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publicado dia 10 de julho de 2023

Sociedade precisa superar descaso com Conselhos Tutelares, afirma Miriam Krenzinger

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Resumo: Em entrevista, Miriam Krenzinger fala sobre a importância dos Conselhos Tutelares para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. A cofundadora do Observatório dos Conselhos da UFRJ também chama a atenção para a participação na eleição para o órgão colegiado, que acontecerá em outubro de 2023.

No próximo dia 1º de outubro, o Brasil escolherá 30 mil conselheiros para os cerca de 6 mil Conselhos Tutelares instalados em todo o território nacional. É a terceira vez que a eleição ocorre de forma unificada e a primeira que contará com o apoio da Justiça Eleitoral em todos os municípios.

Com voto facultativo à população, o processo seletivo busca preencher as vagas disponíveis para o órgão criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com o objetivo de proteger crianças e adolescentes de situações como abusos, violência sexual, física e psicológica, negligência ou exploração.

Leia + Glossário: Sistema de Garantia de Direitos

“Eles são a porta de entrada de recepção das violações dos direitos da criança e do adolescente e, por isso, podem salvar vidas. Mas, ao mesmo tempo, acabam tendo o poder de prejudicar vidas, caso não exista preparo e formação adequada.” Esta é a opinião da Professora Titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Miriam Krenzinger.

Em entrevista ao Educação e Território, Miriam defendeu o papel dos Conselhos Tutelares para a democracia brasileira e reforçou a necessidade de que a sociedade supere o descaso e participe ativamente do processo de escolha dos conselheiros. “As pessoas precisam conhecer os candidatos, o motivo de estarem ali, quais suas propostas e suas bandeiras. Precisamos incentivar a reflexão sobre a necessidade de votar e de participar do processo de escolha também nessas eleições.”

Leia abaixo a entrevista na íntegra: 

Conselho Tutelar
Com voto facultativo, novas eleições acontecerão em 1 de outubro de 2023. No pleito, serão escolhidos 30 mil conselheiros para os 6 mil órgãos espalhados pelos municípios.

Educação e Território: Em artigo assinado com Luiz Eduardo Soares e publicado no Outras Palavras, você escreveu que o Conselho Tutelar “pode ser a diferença entre a vida e a morte, entre o respeito aos direitos mais elementares e a barbárie”. O que isso informa sobre as vulnerabilidades vivenciadas por crianças e adolescentes no Brasil? E sobre o papel dos Conselheiros Tutelares na democracia brasileira?

Miriam: Essa é uma frase de efeito. Foi intencionalmente construída para sacudir a sociedade sobre a importância de escolher os representantes da sociedade que terão a responsabilidade de proteger os direitos das crianças e adolescentes que estão vivendo processos de vulnerabilização, como maus-tratos, fome, abandono, evasão escolar, entre outros tantos. 

Os Conselhos Tutelares são órgãos responsáveis pela proteção social desse grupo. Eles são a porta de entrada dos direitos, por isso podem salvar vidas. Mas, ao mesmo tempo, eles também acabam tendo o poder de prejudicar vidas, caso não exista preparo e formação adequada. 

Ser um conselheiro tutelar é uma posição de grande responsabilidade, pois envolve poder para entrar nas casas das famílias. Se uma criança está sofrendo violência sexual dentro da família e acaba engravidando, por exemplo, o órgão público de saúde é obrigado a notificar o Conselho Tutelar. A função do conselheiro nesse caso é acolher a criança e sua família, orientando-os sobre os direitos e legislações relacionados ao estupro de vulneráveis. Além disso, o conselheiro deve tomar medidas de proteção para a criança e acionar os órgãos de saúde, assistência social e acessar a justiça.

“Conselheiro tutelar é uma posição de muito poder, o poder de entrar nas casas das famílias”

No que tange a nossa democracia, o Conselho Tutelar é um órgão ligado aos direitos humanos considerado extremamente avançado, que não existe em nenhum outro país. 

A legislação brasileira cria essa figura, do conselheiro tutelar, que tem autonomia e não está vinculada ao poder Judiciário, ao Ministério Público e nem ao Executivo, ao mesmo tempo em que se relaciona diretamente com eles para existir. 

É uma função de enorme capital político, afinal, acontece por meio de uma escolha popular dentro de um processo eleitoral democrático, que pode catapultar atores políticos para outros cargos, como futuros vereadores e deputados – o que faz movimentar o processo democrático de escolha dos nossos representantes. 

Leia + Conselho Tutelar serve para proteger a criança, não para punir 

EdT: Brevemente, como você descreveria a trajetória de implementação desse órgão em território nacional? Que aspectos dessa história merecem destaque?

Miriam:  Historicamente, os Conselhos Tutelares não tiveram a atenção merecida dado tamanho potencial e importância que têm. Mas tivemos alguns pequenos avanços, como a exigência de ter o Ensino Médio completo para realizar o processo seletivo em todo território nacional. 

Antes, cada município tinha ainda mais abertura para estruturar seus processos, sem qualquer base comum. Também, a partir de 2014, por meio do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, tivemos resoluções que orientaram os municípios a criarem suas legislações. 

Mas é a partir deste ano que acontece a maior mudança: centralizar em um único dia as eleições para conselheiros tutelares em todo país. A expectativa é que, nas próximas eleições, daqui a quatro anos, tenhamos uma padronização dos termos do processo eleitoral, com uma prova padrão de acordo com que o ECA preconiza em termos de procedimento. 

De acordo com o ECA, cada cidade brasileira deve contar com, no mínimo, um Conselho Tutelar composto por cinco membros titulares e cinco suplentes eleitos em voto direto pela população local para um mandato de quatro anos. São requisitos para participar ter mais de 21 anos, residir no município e ter concluído o Ensino Médio.

EdT: Mais de 30 anos após a criação do ECA, quais são os principais desafios enfrentados pelos Conselhos Tutelares para estruturarem-se como ferramenta de promoção dos direitos de crianças e adolescentes nos territórios brasileiros?

Miriam: A forma como a sociedade olha para os Conselhos Tutelares é a mesma como olha para as crianças: com descaso. Por isso, os desafios são muitos. Começando pela necessidade de uma infraestrutura mínima para que os conselhos possam funcionar, incluindo salários e garantias de direitos trabalhistas para esses profissionais. Isso se deve ao fato de ser um trabalho desafiador, que exige disponibilidade de domingo a domingo.

A forma como a sociedade olha para os Conselhos Tutelares é a mesma como olha para as crianças: com descaso

É preciso também recursos para manter Conselhos Tutelares suficientes para atender a demanda populacional de cada território. Além disso, temos a urgência de oferecer uma formação básica para os conselheiros, para que essas pessoas estejam preparadas para lidar com temas delicados e saibam a quais dispositivos legais recorrer diante de cada situação de violência ou vulnerabilidade. 

Para isso, precisamos de um cadastro único de conselheiros, por meio de um portal do governo, para que saibamos quem são essas pessoas, como uma espécie de censo demográfico, e como melhor prepará-las. 

Hoje nós não temos uma dimensão real de quem são essas pessoas e tampouco quais são violências e vulnerabilidades que estão enfrentando, e também como estão enfrentando, com quais meios e métodos. 

Existe o Sistema de Informações para Infância e Adolescência (Sipia), que tem como função ser um registro, com abrangência nacional, para a adoção de decisões governamentais nas políticas voltadas às crianças e adolescentes. Seria como um raio-x do que está acontecendo com as nossas crianças. No entanto, a maioria dos conselheiros não utilizam o sistema e nossos dados estão defasados. 

EdT: Há dois aspectos acerca do trabalho dos Conselhos Tutelares que chamam a atenção: a territorialização da sua intervenção e o arranjo intersetorial que são capazes de promover entre as políticas públicas e  agentes. Na sua opinião, como essas dimensões poderiam ser potencializadas? 

Miriam: Eu acho essa uma questão fundamental, porque demonstra a seriedade do trabalho dos Conselhos Tutelares e a necessidade de uma formação continuada e qualificada para os conselheiros.  

Os conselheiros irão receber denúncias da Saúde, da Educação e da própria comunidade. Então, eles precisam fazer uma leitura da conjuntura territorial, das relações que estão estabelecidas e também ter domínio e conhecimento da máquina pública, dos desenhos das políticas em relação a promoção de direitos da criança e adolescente, que nós nomeamos como rede de proteção social. 

Um conselheiro, por exemplo, tem o poder de pedir uma medida de proteção e de atendimento à saúde mental – porém, para que essa dimensão seja potencializada, é preciso que eles saibam como fazê-lo. 

É preciso mais informação sobre qual é o papel, deveres e direitos de um conselheiro e como podem acessar toda potência que esse cargo proporciona para a garantia de direitos.

EdT: Apesar do aumento verificado nos últimos anos, o pleito previsto para outubro de 2023 provavelmente enfrentará ainda a baixa participação da sociedade na escolha dos novos Conselheiros Tutelares. Quais estratégias poderiam ajudar a reverter essa situação? 

Miriam: O movimento mais importante é a divulgação do que é um Conselho Tutelar e o impacto que pode ter na vida de crianças e adolescentes – do lado positivo ou negativo – e como a participação popular para eleger o colegiado é de altíssima relevância para o interesse público. 

Assim, é preciso matérias, seminários virtuais explicativos e utilizar as redes sociais para campanhas de divulgação. Também é preciso fazer campanhas pelos territórios, porque você vota onde mora.

As pessoas precisam conhecer os candidatos, o motivo de estarem ali, quais suas propostas e suas bandeiras.

As pessoas precisam conhecer os candidatos, o motivo de estarem ali, quais suas propostas e suas bandeiras. Precisamos incentivar a reflexão sobre a necessidade de votar e de participar do processo de escolha também nessas eleições.

EdT: Você é co-fundadora do Observatório dos Conselhos, programa que faz parte da Escola de Serviço Social da UFRJ. Como e quando ele foi criado? E como funciona a atuação desse programa? 

Miriam: O processo de escolha dos Conselhos Tutelares no Rio de Janeiro foi muito intenso em 2019. Isso acabou me mobilizando a pensar que deveríamos focar em fazer um trabalho de base, de formação, dentro do nosso lugar na universidade. 

Então, juntamente com outros três colegas, desenvolvemos o projeto Observatório dos Conselhos. Para estruturá-lo, contamos com o apoio de uma emenda parlamentar do ex-deputado Marcelo Freixo, com a verba disponibilizada em outubro de 2021.

O Observatório dos Conselhos é um programa de pesquisa e extensão da Escola de Serviço Social da UFRJ, que criou um Observatório dos Direitos da Criança e do Adolescente, como instância de fortalecimento dos Conselhos Tutelares, integrando atividade de assessoria técnica, ações de formação, promoção de seminários e encontros temáticos com Conselhos Tutelares do Rio de Janeiro.

Atualmente, estamos construindo junto com o governo federal um novo projeto, a Escola dos Conselhos. A ideia é criar uma base dentro de uma faculdade federal de cada região do país, inspirados pela Escola de Conselhos de Pernambuco, que está ativa desde 2008 como projeto de extensão da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

 Saiba Mais

Eleições para conselheiros tutelares 2023 | Site com informações oficiais do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) sobre o pleito de 2023.

 

 

 

 

Conselho Tutelar serve para proteger a criança, não para punir

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