publicado dia 22 de outubro de 2024
Crianças e adolescentes negros são maioria dos 1,6 milhão em situação de trabalho infantil
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 22 de outubro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: O trabalho infantil recuou no Brasil, mas segue afetando 1,6 milhão de crianças e adolescentes. Quase dois terços (65,2%) são negros, índice superior ao desse grupo na população de 5 a 17 anos no país (59,3%). Para Katerina Volcov, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), é preciso criar uma política nacional de enfrentamento, além de ações para combater o racismo estrutural.
Ao menos 1,6 milhão de crianças e adolescentes estavam em situação de trabalho infantil no Brasil em 2023. A informação é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sobre o Trabalho das Crianças e Adolescentes de 5 a 17 anos, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral.
Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos. Proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), as piores formas incluem escravidão, venda e tráfico de crianças, exploração sexual e realização de atividades ilícitas.
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Crianças negras (pretas e pardas) representam dois terços dos afetados (65,2%), índice superior à participação do grupo na população do país de 5 a 17 anos de idade, que é de 59,3%.
“O dado referente à maioria das crianças e adolescentes serem pretas e pardas chama bastante a atenção. É preciso que o Brasil reflita seriamente sobre o racismo estrutural presente em nossa sociedade. O Ministério da Igualdade Racial precisa participar do enfrentamento ao trabalho infantil”, avalia a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Katerina Volcov, em entrevista.
O número representa o menor contingente desde 2016, quando teve início o acompanhamento da Pnad Contínua para esse indicador. Segundo o IBGE, houve recuo de 14,6% no índice de trabalho infantil na comparação com 2022 e de 23,9% frente a 2016.
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“O panorama é ainda preocupante, ainda que tenhamos redução do número. Se pensarmos que a infância e a adolescência são prioridades absolutas em nossa Carta Magna, 1.6 milhão continuam não sendo prioridades”, diz Katerina Volcov.
Apesar da redução, 586 mil ainda são afetados pelas piores formas de trabalho infantil no Brasil. A definição inclui atividades que mais oferecem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes.
O contingente, porém, é o menor da série histórica, mostrando redução de 22,5% com relação a 2022, quando 756 mil crianças e adolescentes estavam nessa situação.
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), reconhece que há avanços nas iniciativas de assistência às populações mais vulneráveis. No entanto, o órgão destaca preocupação com um cenário longe do ideal.
“Ainda temos 586 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil nas piores formas, que precisamos erradicar até o próximo ano (2025)”, declarou em nota oficial.
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Para o FNPETI, a redução numérica observada na pesquisa “não reflete uma transformação estrutural profunda para a erradicação total dessa grave violação de direitos”.
“Panorama é preocupante, ainda que tenhamos redução do número”, avalia Katerina Volcov, da FNPETI.
Entre as lacunas, estão mudanças na legislação, participação mais efetiva e articulada entre Ministérios, investimentos nas políticas públicas e nas ações de fiscalização, além de capacitação para a identificação e atendimento de crianças e adolescentes vítimas.
“Além disso, é fundamental que esforços sejam enveredados com fins ao combate da subnotificação da ocorrência sistemática do trabalho informal e da cooptação de crianças e adolescentes para atividades laborais ilícitas, como o comércio de drogas ilícitas.”
O contingente de crianças em situação de trabalho infantil (1,607 milhão) em 2023 caiu 14,6% frente a 2022 (1,881 milhão). Dessa forma, a série histórica para a população em situação de trabalho infantil foi a seguinte: 2,112 milhões em 2016, 1,945 milhão em 2017, 1,905 milhão em 2018 e, finalmente, 1,758 milhão em 2019.
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Nos dois anos seguintes, por conta da pandemia de Covid-19, o IBGE não coletou informações sobre o trabalho de crianças e adolescentes, retomando a pesquisa apenas em 2022.
A proporção de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade em situação de trabalho infantil era de 5,2%, em 2016, e foi para 4,5%, em 2019. Em 2022, essa prevalência interrompeu a sequência de quedas observadas na série histórica e subiu para 4,9%. Já em 2023, esse indicador voltou a cair, chegando a 4,2%, o menor percentual da série histórica.
O maior contingente de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade em situação de trabalho infantil estava no Nordeste (506 mil). No entanto, a maior proporção estava na Região Norte, onde 6,9% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam nessa situação.
Em 2023, o Brasil tinha 586 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade exercendo as piores formas de trabalho, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde e estão descritas na Lista TIP. Esse contingente foi o menor da série histórica e teve uma redução de 22,5% frente a 2022, quando 756 mil crianças e adolescentes do país estavam nessa situação.
Embora o Brasil já tenha planos para a erradicação do trabalho infantil, Katerina Volcov destaca a necessidade de uma política nacional para enfrentar o problema.
“Ainda são necessárias mudanças na legislação, participação mais efetiva e articulada entre ministérios, investimentos nas políticas públicas e nas ações de fiscalização, além de capacitação para a identificação e atendimento de crianças e adolescentes vítimas”, analisa.
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