publicado dia 18 de outubro de 2024
Casos de maus-tratos contra crianças crescem e evidenciam persistência da violência nas famílias
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 18 de outubro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: A violência contra crianças e adolescentes se agravou no último ano: aumentou 30%, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Para especialistas, a situação expõe a cultura de violência dentro das famílias, bem como a necessidade de ampliar os esforços da sociedade como um todo na proteção das infâncias e adolescências.
O quadro de violência contra crianças e adolescentes se agravou no Brasil no último ano. O mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em julho de 2024, aponta “grave tendência geral” de aumento de 30% em todos os crimes não-letais contra crianças e adolescentes de 2022 para 2023.
Nessa conta, entram casos de maus-tratos, abandono, exploração sexual e estupro envolvendo a população com menos de 18 anos.
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Na esmagadora maioria dos casos, a violência é cometida por um familiar, em geral, dentro da própria residência da criança ou adolescente. De acordo com o Anuário, o Brasil registrou 29.469 mil vítimas de maus-tratos no período analisado – 60% delas tinham no máximo 9 anos no momento da violência.
Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância
Instituída pela Lei 11.523/2007, a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância é realizada todos os anos em outubro (12 a 18/10). O objetivo é conscientizar a sociedade sobre seu papel de proteger integralmente as crianças e adolescentes.
“É preocupante porque caracteriza uma cultura de violência muito arraigada nas famílias”, avalia Ana Nery Lima, especialista em Gênero e Inclusão na Plan International Brasil.
Uma hipótese para o crescimento pode estar ligada ao aumento do número de denúncias.
“Esse aumento no número de casos pode ser devido a um aumento no reporte. Isso evidencia que as pessoas estão identificando mais as violências contra crianças e adolescentes”, avalia Ana Nery.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Nos últimos anos, legislações específicas sobre o tema, como a Lei da Palmada (Lei 13.010/2014), também conhecida como Lei Menino Bernardo, e a Lei Henry Borel (Lei 14.344/2022), ampliaram a visibilidade do assunto e a proteção legal das crianças contra violências.
No entanto, a persistência do quadro revela desafios para transformar a legislação em realidade e desnaturalizar a violência contra crianças. No Brasil, metade (52%) da população admite já ter dado um tapa e 38% já ter batido com objetos em filhos ou crianças sob seus cuidados. Os dados são da pesquisa Atitudes e percepções sobre a infância e violência contra crianças e adolescentes no Brasil, publicada em 2023.
No caso da violência física, houve o registro de 29.469 casos de maus-tratos em 2023. Esse tipo de crime apresenta altas taxas em todas as faixas etárias, sendo particularmente mais grave entre crianças e pré-adolescentes.
Como denunciar violência contra criança e adolescentes
Os principais canais são o Disque 100 (Ministério dos Direitos Humanos), o número 190 (emergência policial) ou o 197 (Disque Denúncia). Também podem ser procuradas delegacias e Conselhos Tutelares.
Na faixa de 0 a 4 anos, a taxa é de 58,4, subindo para 76,6 entre as crianças de 5 a 9 anos. Entre as de 10 a 13 anos, o índice é de 67,1 e, entre os adolescentes de 14 a 17 anos, a taxa é de 37.
“É importante que crianças e adolescentes tenham a oportunidade de crescer em ambientes seguros, com acesso a políticas públicas básicas de qualidade que abarquem todas as pessoas em sua diversidade. Para isso, toda a sociedade precisa estar consciente e mobilizada a lutar pela garantia de direitos tratando crianças e adolescentes com prioridade absoluta como preconizado no Artigo 227 da Constituição Federal”, aponta Ana.
Estupro, no entanto, continua sendo o crime que mais vitima as crianças e os adolescentes brasileiros, especialmente para o grupo de 10 a 13 anos, que registrou taxa de 233,9 vítimas por 100 mil crianças e adolescentes nesta faixa etária.
Pais, padrastos, avôs, tios e amigos da família são os principais autores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes
Na comparação com a taxa de estupros para o total da população brasileira, que marcou 41,4, o Anuário infere que as crianças e adolescentes brasileiros de 10 a 13 anos são ao menos 5 vezes mais suscetíveis ao crime de estupro.
As taxas de estupros são especialmente altas nos grupos etários de 10 a 13 anos (233,9) e de 14 a 17 anos (111,5). Além disso, os estados com os maiores índices de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2023 foram Mato Grosso do Sul (297,1), Rondônia (250,4), Roraima (239,9), Paraná (225,0), Santa Catarina (209,5) e Mato Grosso (200,5).
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Ana Nery, especialista em Gênero e Inclusão na Plan International Brasil, alerta que os autores de crimes sexuais tendem a ser pessoas muito próximas do convívio dessa população, como pais, padrastos, avôs, irmãos, tios e amigos da família.
“Por isso, em boa parte dos casos é difícil identificar essa violência e também a possível gravidez em decorrência do estupro”, explica.
No Brasil, o Conselho Tutelar, uma das âncoras do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), é a porta de entrada para atuar em situações de violação de direitos de crianças e adolescentes. É dever dos mais de 30 mil conselheiros tutelares acompanhar os casos e tomar as medidas necessárias para a proteção das vítimas.
A escola também exerce um papel fundamental na identificação, combate e prevenção da violência contra crianças e adolescentes. É no ambiente escolar que essa população passa grande parte de seu tempo, por isso, é importante que as instituições de ensino sejam espaços de conscientização e de acolhimento.
“A escola precisa sair de dentro de seus muros e participar mais da rede de proteção social, tendo uma atitude mais colaborativa com os Conselhos Tutelares. Tem todo um papel ativo e político que a escola pode desenvolver junto ao território que está inserida e aos responsáveis a partir de atividades como oficinas, por exemplo”, analisa Miriam Krenzinger, professora Titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A lei 13.935, de 2019, estabeleceu que as redes públicas de educação básica são obrigadas a oferecer serviços de psicologia e serviço social. Apesar de considerar a medida uma conquista, Miriam Krenzinger ressalta que os municípios ainda não conseguiram implementar a política de forma efetiva.
A professora aponta ainda que as violações de direitos de crianças e adolescentes precisam ser analisadas de forma interseccional, para que a sociedade perceba a necessidade de desenvolvimento de políticas intersetoriais capazes de atender as necessidades dos grupos de diferentes faixas etárias. Isso significa que a situação precisa ser vista, sobretudo, a partir de marcadores sociais, como raça e gênero.
“Esses fatores interseccionais precisam ser levados em consideração para poder não só qualificar os diagnósticos, como também desenvolver políticas de prevenção e proteção, sejam elas inclusivas ou estruturantes, para podermos reconhecer as diferentes modalidades de violência enfrentadas por essas populações”, conclui Miriam.
Fonte: Ministério da Saúde