publicado dia 11 de abril de 2024
Como estão os direitos das juventudes no Brasil?
Reportagem: Carol Scorce
publicado dia 11 de abril de 2024
Reportagem: Carol Scorce
📄Resumo: Somando 50 milhões de pessoas, as juventudes no Brasil enfrentam cenário desafiador, violento e excludente, além de diversas violações de direitos. Confira um panorama dos direitos das juventudes e os desafios para a sua garantia, bem como dados sobre o perfil atual de adolescentes e jovens.
Insegurança alimentar, precarização do mercado de trabalho, impactos da pandemia e problemas de saúde mental são algumas das preocupações das juventudes no Brasil hoje.
São 50 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos – quase um quarto da população – experimentando uma fase decisiva da vida, mas atravessados por diferentes desafios, realidades e violações de direitos.
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“Quando somos capazes de proteger os direitos da população jovem em nossas cidades, estados e país, esse potencial pode se concretizar como crescimento e prosperidade para todas as pessoas”, destaca o último Atlas da Juventude (2021), considerado um dos estudos mais abrangentes sobre o tema.
Sancionado na esteira das Jornadas de Junho de 2013, o Estatuto da Juventude (Lei 12.825) já prevê a proteção dos direitos das juventudes e detalha diretrizes das políticas públicas destinadas a adolescentes e jovens de 15 a 29 anos. Entre os direitos, o Estatuto da Juventude destaca o Direito à Educação, à Cidadania, ao Território e Mobilidade, Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça.
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No entanto, mais de uma década depois, ainda faltam oportunidades e políticas públicas específicas para os 50 milhões de jovens brasileiros, que foram particularmente atingidos pelas consequências da pandemia.
De acordo com o Atlas da Juventude, as evidências apontam para um contexto excludente, violento e desafiador que acaba por impor barreiras para o desenvolvimento das juventudes.
O primeiro ponto é que, apesar de compartilharem o mesmo momento histórico enquanto geração, os jovens experimentam realidades diferentes dependendo da raça, residência e gênero. Ou seja, existem múltiplas juventudes no Brasil.
A maior parte concentra-se em áreas urbanas, com outros 6,8 milhões residindo na zona rural. Regionalmente, o maior percentual de juventude é observado no estado do Amapá (29,1%), seguido de outros estados das regiões Norte. No extremo oposto, os menores percentuais de jovens estão no Rio de Janeiro (22,1%), Rio Grande do Sul (22,1%) e São Paulo (22,2%).
De acordo com o Atlas da Juventude, há uma predominância de jovens negros no país: são 61%, contabilizando 51% de pardos e 10% de pretos. Este também é o grupo mais vulnerabilizado e vitimado pelo racismo estrutural do país.
Além disso, para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a face mais trágica das violações de direitos são os homicídios de adolescentes: a cada hora, alguém entre 10 e 19 anos de idade é assassinado no País — quase todos meninos, negros e moradores de favelas.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, mais de 50% das mortes violentas que ocorreram em território nacional no ano passado vitimaram pessoas com idades entre 12 e 29 anos.
De olho neste desafio urgente, o governo federal anunciou em 2024 o Plano Juventude Negra Viva. Com 217 ações e 43 metas específicas, trata-se de uma política pública intersetorial, executada por 18 ministérios e liderada pelo Ministério da Igualdade Racial. Seu principal objetivo é garantir o direito à vida para a juventude negra, bem como a redução das desigualdades e o combate ao racismo estrutural.
Indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2020, revelam uma pirâmide etária em transformação. Ainda que o Brasil seja nação majoritariamente jovem, o contingente está em declínio.
Segundo o Atlas da Juventude, após manter-se por quase duas décadas com pouco mais de 50 milhões de jovens de 15 a 29 anos de idade, agora o Brasil vê sua população nessa faixa etária voltar a cair a partir de 2021.
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Caso a tendência seja mantida, o contingente jovem pode chegar ao fim do século XXI reduzido quase à metade de sua magnitude atual. O fenômeno da redução das juventudes é mundial e não está restrito apenas à realidade brasileira.
Estima-se que, até 2060, o percentual de jovens vai diminuir em 95% em todo o mundo. Atualmente, o Japão tem o menor percentual de jovens do mundo (14,7%), seguido de perto por Itália (15%), Espanha (15,3%), Grécia (15,9%) e Portugal (15,9%), segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
No Brasil, nas últimas duas décadas, foi possível observar mudanças produzidas pelo declínio da fecundidade, que passou de 6,3 filhos por mulher, em 1960, para 1,61 filho em 2020, e com projeção de 1,5 filho em 2034.
Diante desse cenário, a população jovem de 15 a 29 anos representa uma fatia cada vez menor da população, passando de 28,2%, em 2000, para 25,44%, em 2015, e devendo alcançar 21,0% em 2030 e 16,24% em 2060.
Segundo o Atlas da Juventude, ao investir no grupo populacional jovem, a sociedade tem a oportunidade de colher o chamado bônus demográfico, o que ajuda a reduzir a pobreza e elevar os padrões de vida para todos.
Para o bônus demográfico se concretizar, porém, os governos e a sociedade precisam empreender esforços.
“Ele depende de ações para reduzir mortalidade infantil, empoderar meninas e mulheres, ampliando o acesso à contracepção, investir no capital humano de jovens e estimular o crescimento econômico e a inclusão produtiva das juventudes, melhorando o acesso ao mercado de trabalho e renda”, explica Nilson Florentino Júnior, coordenador de Políticas Transversais para Juventude da Secretaria Nacional de Juventude, pasta subordinada à Secretaria-Geral da Presidência da República.
O Atlas reforça que o bônus demográfico é concretizado quando os jovens são saudáveis, frequentam a escola e são preparados para aproveitar as oportunidades. Além disso, há recursos disponíveis para investimentos produtivos, a renda e o padrão de vida melhoram, diminuindo a pobreza relativa.
No entanto, a janela de oportunidade para aproveitar o bônus demográfico está se fechando. Análise dos dados do Atlas da Juventude indica que o bônus demográfico no Brasil durará até 2025. A partir daí, a tendência de crescimento da população será revertida e o envelhecimento da população será acelerado, atingindo seu auge em 2050.
Os dados também revelam que atualmente o país está longe de oferecer as melhores oportunidades e condições de vida para as juventudes.
Ao observar os locais de domicílio ocupados pela população entre 1992 e 2009, o Atlas da Juventude mostra que é mais fácil encontrar jovens em favelas do que fora delas. Além disso, há 10% mais chances de encontrar jovens na metade mais pobre da população do que na população em geral.
Desde a década de 1990 até 2022 houve uma diminuição da presença de jovens nas classes A, B e C, e um aumento nas classes D e E. Se por um lado houve um aumento geral da população nas classes mais privilegiadas financeiramente ao longo das décadas, por outro, os números de juventude não acompanharam essa tendência. Nas classes altas, predominam os domicílios sem jovens, enquanto há um crescimento de renda menor naqueles domicílios que contam com jovens.
O Brasil tem 11.403 favelas, onde vivem cerca de 16 milhões de pessoas, em um total de 6,6 milhões de domicílios, segundo uma prévia dos dados do Censo Demográfico 2022, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dentre essas pessoas, muitas são jovens, mas uma estimativa específica do número de jovens que vivem em favelas pode ser difícil de encontrar devido à natureza informal dessas áreas e à falta de dados precisos.
Segundo Florentino, a pobreza está levando à insegurança alimentar, uma das questões mais levadas pelos movimentos organizados de juventude à Secretaria-Geral da Presidência da República.
“Estamos elaborando o projeto de cozinhas solidárias para jovens, e o fortalecimento de programas de transferência de renda. O problema da fome ataca a todos hoje e compromete o futuro”, afirma.
O Brasil bateu a marca dos 70 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar entre 2020 e 2022, durante a pandemia de covid 19. Isso significa que um terço dos brasileiros não tinham garantia de alimentação adequada, em um cenário de isolamento social, agravada pelo fechamento das escolas e a falta de acesso de milhares de jovens à refeição fornecida nas unidades de ensino. Os dados são da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2021 revelou uma alta vulnerabilidade dos mais jovens em tempos de crise. Os choques podem deixar marcas permanentes sobre a trajetória de ascensão social de toda uma geração. Trata-se do chamado efeito cicatriz, quando o mercado de trabalho precário no início de carreira compromete a renda desse profissional por toda a vida.
Com a chegada da pandemia, a taxa de jovens que nem estudam nem trabalham acelera, passando de 23,66% para o recorde histórico de 29,33% no segundo trimestre de 2019, depois refluindo para 25,52% até o fim de 2020. Hoje, segundo dados do Ministério da Educação (MEC), cerca de 9 milhões de jovens estão sem trabalhar ou estudar.
Além disso, o estudo mostra que a pandemia para a juventude foi marcada por perdas trabalhistas, ampliando a magnitude do impacto dessas perdas na última década. Só na pandemia, a desocupação na faixa de 15 a 29 anos sobe de 49,37% para 56,34%, outro recorde histórico.
Por outro lado, a queda da taxa de evasão escolar durante a pandemia, presente em todos os grupos jovens, atingiu o nível mais baixo da série em 2020, com 57,95% de 15 a 29 anos; essa era 62,2% em 2019. A combinação entre falta de oportunidades de inserção trabalhista com menor cobrança escolar (presença e aprovação automáticas) podem explicar a menor evasão.
Florentino, da Secretaria Nacional de Juventude, explica que nas pesquisas feitas pelo governo através da escuta dos jovens, o índice de pessoas com depressão ou algum tipo de transtorno ou sofrimento é bastante alto, acompanhada da crescente taxa de suicídio.
A saúde mental, portanto, é uma preocupação do próprio jovem, agravada, segundo Florentino, pela pandemia de Covid-19 e pelo mercado de trabalho precário.
“Essa é uma questão que deixa todos em alerta. O jovem está com poucas oportunidades de emprego decente, de boa renda, então ele não vê oportunidade para melhorar de vida”, lamenta.
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