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publicado dia 8 de setembro de 2022

Violência contra crianças e adolescentes aumenta e expõe desafios às vésperas das eleições 

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Nos últimos dois anos, o Brasil testemunhou o retrocesso na garantia de direitos a crianças e adolescentes em uma conjuntura pautada por crises política, econômica, ambiental e social. As pesquisas mostram que as violências cometidas contra essa população são múltiplas e, muitas vezes, ainda invisibilizadas pela sociedade brasileira. Crianças de até 13 anos são 60% das vítimas de estupros registrados, outros 35 mil de até 19 anos foram mortos de maneira violenta entre 2016 e 2020, segundo dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 

Mas como tornar o futuro mais seguro para a infância e juventude no Brasil? Às vésperas de mais uma eleição, dialogar junto aos Três Poderes em busca da promoção de políticas públicas e ações voltadas ao público infantojuvenil acena para a construção de um Brasil mais igualitário e mantenedor de uma sociedade que entenda a criança como um sujeito de direitos. 

Brasil registra aumento vertiginoso de violência contra crianças e adolescentes após dois anos de pandemia – Marcello Casal/Agência Brasil

Neste contexto, entra em cena o movimento Agenda 227, formado por mais de 140 organizações da sociedade civil, que em junho divulgou um documento com 148 propostas de políticas públicas para a infância e adolescência endereçadas aos pré-candidatos ao Executivo federal. Com base nas diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Marco Legal da Primeira Infância e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as moções, divididas em 22 grupos de trabalho, levam em conta temas como Cultura, Esporte e Lazer, Educação e Inclusão, Saúde e Segurança Alimentar e Enfrentamento das violências e socioeducação.  

Agenda 227 tem inspiração no movimento de organizações responsáveis pela inclusão da “Emenda da Criança, Prioridade Nacional”, que garante uma série de direitos voltadas a crianças e adolescentes no texto final da Constituição Federal, por meio do artigo 227.

Em meio à temporada do pleito eleitoral, no qual projetos e programas políticos são postos à mesa, discutindo os rumos de um Brasil socialmente vulnerabilizado, a educação é vista como um dos pilares deste processo de reconstrução e tem na sala de aula o seu ponto de partida. 

Para isso, no entanto, precisará enfrentar uma realidade cada vez mais dura: os casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes que, segundo dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, cresceu 21% nos últimos dois anos. Além disso, quando se verifica quem são os mais vulneráveis às violações de direitos, os números revelam um contingente de meninas, em sua maioria negras e pobres.  

Escola é estratégica no enfrentamento à violência, mas ação encontra barreiras  

Em maio deste ano, um caso de violência sexual contra uma criança em Patos de Minas (MG) reforçou a relevância da escola neste contexto de violações. Na ocasião, um menino de 10 anos denunciou um estupro contra ele – ocorrido há mais de um ano- após assistir a uma palestra educativa cujo tema era violência sexual.  

Para o cientista social Lucas Lopes,ponto focal da Coalização Brasileira pelo Fim da Violência e membro da Agenda 227, as escolas têm papel protagonista no processo de prevenção a esse tipo de violência, embora enfrente um cenário muitas vezes desprotegido. 

Promulgada em 2017, a Lei 13.431 regulamenta o papel dos servidores públicos da educação na identificação dos casos de violência, da revelação espontânea. “Dispõe sobre sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, cria mecanismos para prevenir e coibir a violência, e dá outras providências”

 “O trabalho das escolas está dentro daquilo que a gente sempre defendeu e está previsto em legislação, inclusive por meio de leis mais recentes. Mas quando conversamos com os educadores, a queixa é sempre a mesma: eles sabem do papel deles e da responsabilidade, mas a pandemia acentuou essa responsabilidade e, por outro lado, não houve ampliação das condições objetivas do trabalho, e de segurança, para que haja a denúncia dessa violência, ainda continue sendo uma responsabilidade legal”, explica Lopes, que é mestre em direitos humanos e políticas públicas.  

A pandemia de covid-19 também impactou as escolas neste sentido: as denúncias, represadas durante o afastamento do convívio presencial, acumularam-se. Com isso, tem sido mais comum a revelação espontânea das violências sofridas pelos jovens. Com educadores mais atentos, a observação e identificação da criança por meio de comportamentos que podem caracterizar algum estágio do ciclo de violência também cresceu.  

Sob este aspecto, Lopes ressalta a importância da atuação do Estado na criação de comissões e comitês que assumam a responsabilidade na identificação e encaminhamento dos casos de violência. “Discutimos muito a importância das comissões de proteção nas escolas, dentro do âmbito da gestão democrática, que seria a criação desse núcleo com isonomia e proteção, porque deixa de ser um CPF, uma pessoa física que notifica e denúncia, passando a ser uma instância protegida dentro da escola e que ninguém sabe quem a compõe”, justifica.   

O especialista também chama a atenção para o fortalecimento das discussões sobre gênero, feminismo e direitos da mulher nas escolas, sobretudo pelo aspecto da educação sexual, autoproteção e autocuidado, o que contribuiria, segundo o especialista, para superar esse ciclo de violências e tirar o tema da invisibilidade, fazendo com que a sala de aula se torne um lugar estratégico e a educação agenda fundamental para enfrentar o atual cenário. 

Segundo dados do Anuário de Segurança Pública, além do acréscimo da violência contra crianças e adolescentes, há também aumento de 7% dos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes e 2% nos registros criminais de pornografia infantojuvenil. 

“É importante que haja pressão da sociedade civil em defesa dessa educação que coloque a discutir gênero, autocuidado e proteção de crianças e adolescentes. Além da pressão social dos movimentos, organizações, fóruns e coalizões pra gente conseguir fortalecer essa agenda dentro do sistema de Justiça.”

Para que tudo isso aconteça, é preciso combater o universo de desinformação sobre esses temas, muitos deles ainda encarados sob um viés machista/racista, e fortalecer a formação  dos servidores públicos vinculados aos equipamentos de assistência de Saúde e Educação, para que os profissionais se sintam mais preparados e evitem reproduzir condutas sexistas nos atendimentos.   

“É importante falar sobre formação continuada dos professores e profissionais de educação, porque isso é um processo de mudança de cultura, que passa pelo reconhecimento da criança como sujeito de direitos. Então tem muito para avançar. Não só a formação continuada, mas os mecanismos de identificação de condutas e padrões que possam ser discriminatórias, violentas”, destaca Lopes. 

Quem são as crianças e adolescentes que mais sofrem violência no Brasil?  

O perfil das vítimas das violações de direitos e violências contra crianças e adolescentes no Brasil tem cor, endereço e classe social. A violência atinge, sobretudo, meninas negras, de contexto geográfico periférico e pobres, de acordo com os números pronunciados pelas atuais pesquisas sobre o tema. 

Crianças adolescentes eleições
Aumento do trabalho infantil é um dos principais desafios a ser enfrentado no Brasil pós-pandemia – Foto: Ministério Público do Trabalho/Divulgação

Assim, aponta Lopes, pensar em programas que considerem as interseccionalidades de raça, gênero e território e a perspectiva de equidade é fundamental para que haja avanço no enfrentamento desse panorama. 

Entender por que corpos infantis e pretos estão mais expostos ao trabalho infantil e a sua pior forma, a exploração sexual, sem colocar acento ou priorização no enfrentamento ao racismo resultará apenas em ações que abordarão a questão no pós-violatório sem  trabalhá-la de forma estrutural, no caso aquilo que possibilita essa realidade. 

Por isso, Lopes ressalta a importância do combate ao racismo, por meio de uma racionalização que permita maior assertividade nos investimentos e orçamentos destinados a projetos de combate ao trabalho infantil. 

“Por que crianças e adolescentes negros estão mais expostos à experiencias de trabalho infantil e outras formas de exploração? Combater o racismo é fundamental para enfrentar o trabalho infantil porque as oportunidades de fato são menores para esses corpos, porque são corpos que, quando violados ou submetidos ao trabalho infantil, também são invisibilizados ou essa experiencia é naturalizada pela população”, defende Lopes, que complementa: “Uma criança negra trabalhando nas ruas é naturalizada, mas quando é uma criança branca a reação é diferente”. 

Políticas públicas para jovens no Brasil reduziram cerca de 50% nos últimos dois anos

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