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publicado dia 19 de maio de 2022

Após dois anos de pandemia, crianças e adolescentes são os mais impactados pela pobreza no Brasil

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Crianças e adolescentes foram os mais afetados pela pobreza monetária durante os últimos dois anos de pandemia, segundo levantamento divulgado pelo UNICEF em março deste ano. Utilizando o conceito definido pelo Banco Mundial,  o estudo mostra que a pobreza monetária e a pobreza monetária extrema impactam hoje o dobro de crianças e adolescentes, em comparação aos adultos.  

De acordo com a pesquisa, 39% da população infanto-juvenil encontra-se em estado de pobreza monetária (brasileiros que vivem com menos de U$5,50 por dia), enquanto 10% vive em situação de pobreza monetária infantil extrema (diária inferior a U$1,90). Um recorte racial revela que estas condições impactam duas vezes mais crianças não-brancas. 

Em um contexto de modesta recuperação econômica, sucateamento de políticas sociais e elevado desemprego, a vida e o pleno desenvolvimento de milhões de crianças e adolescentes encontra-se em risco, podendo agravar-se caso não sejam o foco de ações estruturantes e de políticas de proteção social de longo prazo. 

Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

Pobreza para além da renda  

Falar sobre as circunstâncias que impactam a rotina de milhões de meninas e meninos brasileiros sem considerar o conceito de privação de direitos é ignorar as múltiplas violações a que essa população está submetida. Por isso, desde 2015, temas como educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento são aspectos indissociáveis no debate sobre a pobreza infantil no país, segundo o UNICEF.  

À ausência de um ou mais desses direitos se aplica o conceito de privação múltipla, situação que hoje atinge quase 27 milhões de crianças e adolescentes (49,7% do total) no país. Os mais afetados são meninas e meninos negros, vivendo em famílias pobres monetariamente, moradores da zona rural e das regiões Norte e Nordeste.  

Para debater o tema em suas diversas perspectivas, a plataforma Educação e Território entrevistou Liliana Chopitea, chefe de Polícias Sociais, Monitoramento e Avaliação do UNICEF no Brasil, que avaliou os impactos da pandemia, o atual cenário de privações de direitos e as políticas com potencial de enfrentamento às vulnerabilidades que atingem hoje as crianças e adolescentes no país. 

Educação e Território: Em um mundo em situação de retomada pós-pandemia, o que é possível observar sobre os impactos sociais na vida das crianças e adolescentes brasileiros? Se antes da pandemia, notava-se as consequências das múltiplas privações que acometiam meninas e meninos, qual o cenário sobre essa perspectiva atualmente?  

Liliana Chopitea: A pobreza infantil é mais do que a falta de meios monetários. Embora medidas como a renda familiar sejam importantes, elas fornecem apenas uma visão parcial da situação das crianças que vivem na pobreza. Portanto, para entender toda a extensão da pobreza infantil, bem como o impacto da COVID-19 sobre ela, devemos observar quais são as privações que as crianças vivenciam.

Antes da pandemia, segundo estudo realizado pelo UNICEF em base a PNAD 2015[1], no Brasil 61% das meninas e dos meninos brasileiros viviam na pobreza multidimensional, isto é monetariamente pobres e/ou estando privados de um ou mais direitos considerando acesso a serviços de educação, água e saneamento, moradia, acesso à informação e proteção contra o trabalho infantil.

O Auxílio Emergencial foi muito importante para reduzir temporariamente a pobreza infantil monetária.Durante o 3º trimestre de 2020, quando o benefício de R$600 estava sendo distribuído, a pobreza monetária infantil caiu de cerca de 40% para 35%. Nos três meses seguintes, com a redução do benefício, o índice de pobreza infantil aumentou novamente para 39% – voltando a patamares semelhantes ao momento pré-pandemia. Em relação à pobreza monetária infantil extrema, o percentual caiu de 12% para 6%, voltando a 10% nos mesmos períodos.

Com inúmeros setores afetados pela crise, o Auxílio Emergencial foi um programa temporário de assistência social aprovado pelo Congresso para garantir  renda mínima aos brasileiros em situação mais vulnerável durante a pandemia da Covid-19. O suporte beneficiou cerca de 68 milhões de brasileiros, com pagamentos de 5 parcelas no valor de R$600 e quatro parcelas de R$300.

 

 

Meninas e meninos não brancos, que vivem nas regiões Norte e Nordeste também eram – e seguem sendo – mais afetados pela insuficiência de renda, em comparação com brancos e com as demais regiões do país. A pobreza monetária infantil é cerca de o dobro para não brancos e para moradores das regiões Norte/Nordeste em relação aos demais grupos.

O Auxílio Emergencial foi mais efetivo em reduzir temporariamente a pobreza monetária dos não brancos e também das pessoas das regiões Norte e Nordeste, ainda que as taxas de ambos os grupos tenham continuado superiores às de brancos e de pessoas das demais regiões.

Embora os dados mostrem um quadro preocupante, a situação das crianças e dos adolescentes que vivem na pobreza multidimensional provavelmente piorará, a menos que sejam adotadas medidas urgentes e isso passa pela priorização no orçamento público de programas e políticas sociais que permitam diminuir as privações das crianças e adolescentes.

Políticas de transferência de renda, se bem realizadas e focadas, podem ter impactos muito positivos na proteção social de crianças e adolescentes. É preciso investir em políticas de proteção social de longo prazo para efetivamente reduzir, de maneira sustentável, a pobreza infantil.

Assim, é necessário que o novo programa Auxílio Brasil tenha fontes sustentáveis e contínuas de financiamento. Igualmente, que preveja mecanismos de expansão temporária da sua cobertura para população não pobre, contudo mais sujeita a cair na pobreza em casos de choques, evitando que respostas de políticas públicas paralelas ocorram em situações emergenciais como a que foi vivida com a pandemia da Covid-19. Para tanto, é preciso garantir as fontes de financiamento seguras e claras para o programa, definidas em sua legislação, estabelecendo-o como prioridade de Estado.

Adicionalmente, é fundamental fortalecer o Sistema Único da Assistência Social (Suas), de modo a fortalecer a vigilância socioassistencial, os mecanismos de busca ativa e de cadastramento contínuo da população não atendida pelo Auxílio Brasil, porém mais sujeita a cair na pobreza em casos de choques

Estima-se que cerca de 20% dos domicílios antes beneficiados pelo Auxílio Emergencial ficaram descobertos por qualquer tipo de transferência de renda após o fim do programa, em outubro de 2021. Adiciona-se a isso o fato de que os domicílios com crianças se mantêm mais vulneráveis do que aqueles sem crianças, especialmente devido à retração do emprego.

Educação e Território: Qual o principal desafio vivido pelas crianças e adolescentes neste momento e como isso impacta o seu desenvolvimento?

Liliana: Como já foi mencionado, as crianças e adolescentes sofreram fortemente os impactos da pandemia, por isso é preciso priorizar políticas com orçamento suficientes para endereçar temas como a educação, saúde, segurança alimentar, violência e saúde mental

Em relação à segurança alimentar, pesquisas realizadas pelo UNICEF durante a pandemia mostram que houve alteração nos hábitos alimentares entre a população que reside com crianças e adolescentes (61%), quando comparados aos não residentes com esse público (52%).

Merece atenção especial a proporção de residentes com crianças ou adolescentes que relataram aumento de consumo tanto de alimentos industrializados (40%) quanto de refrigerantes (29%) durante a pandemia, maiores do que os percentuais observados entre não residentes com esse público, dos quais 22% relataram aumento do consumo de alimentos industrializados e 18% o aumento do consumo de refrigerantes ou bebidas açucaradas. 

Esses dados revelam um impacto maior e constante na redução da qualidade dos alimentos consumidos entre famílias com crianças ou adolescentes, reforçando a importância de políticas públicas direcionadas a esse tema. De acordo com dados de maio de 2021, 13% dos residentes com crianças ou adolescentes declararam que, desde o começo da pandemia, alguma criança ou adolescente do domicílio havia deixado de comer por falta de dinheiro, proporção que representa cerca de 8 milhões de pessoas que residem com esse público.

É extremamente preocupante o cenário de insegurança alimentar que a pandemia trouxe para crianças e adolescentes. Uma família que não consegue alimentar adequadamente suas crianças está vivendo na mais absoluta privação de direitos. É urgente o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à parcela mais pobre. Elas, muitas vezes, vivem em situações de tamanha exclusão que não conseguem ter acesso aos programas sociais de distribuição de renda.

Por outro lado, o longo período de fechamento de escolas e o isolamento social têm impactado profundamente a aprendizagem, a saúde mental e a proteção de crianças e adolescentes.

Um tema preocupante é a violência contra crianças e adolescentes. Dados recentes do disque 100 mostram que as denuncias de violência sexual contra crianças e adolescentes mais que dobraram comparado ao início da pandemia. Meninas sendo as principais vítimas. É importante que os serviços tenham recursos físicos e humanos para responder a esses casos. 

É fundamental que o orçamento público em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) seja alocado com prioridade para implementar políticas que permitam reforçar a segurança alimentar,  garantir o direito à educação, atender e proteger contra casos de violência, olhando especialmente para as crianças e os adolescentes mais vulneráveis.

Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

 

Educação e Território: Falando em privações múltiplas, no âmbito da educação, é possível analisar diferentes tipos de situação em sala de aula, considerando acesso e permanência. Levando em conta as vulnerabilidades nas regiões mais pobres do país, qual sua avaliação sobre o atual cenário educacional e que medidas podem ser tomadas no trabalho nos territórios?

Liliana: O longo período de fechamento das escolas no Brasil teve um impacto para crianças e adolescentes que aprofundou as desigualdades.

Em 2021, 1,4 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam, oficialmente, fora da escola (Pnad, 2021). Além disso,é necessário considerar os milhares que estão matriculados, mas que, sem acesso à tecnologia e condições para aprender em casa, perderam o vínculo com a escola e estão em risco de evadir.

É importante investir em medidas para recomposição e recuperação de aprendizagens. Ir atrás das crianças e adolescentes que não voltaram para as escolas, com políticas de Busca Ativa. Por outro lado, é importante a atuação intersetorial entre os serviços de assistência social, saúde e educação para não deixar nenhuma criança e adolescente para trás.

Também é importante dar atenção à adequação de infraestrutura das escolas públicas municipais, facilitando por exemplo a conectividade e o acesso dos professores à internet, formação dos profissionais e trabalhadores em educação, planejamento pedagógico, garantir o acesso à conectividade e internet para todos, principalmente os mais vulneráveis.

As políticas públicas de proteção integral às crianças e aos adolescentes precisam ser ativadas e amplificadas, tem que haver mobilização intersetorial, da sociedade civil e de cada família. As políticas de transferência de renda nos cenários da exclusão escolar são essenciais. E, por último, garantir a proteção contra a violência que atingiu crianças e adolescentes com mais intensidade durante o isolamento social, além de investir na divulgação de campanhas e fortalecimento das parcerias com a assistência social e saúde.

Um panorama da ampliação das desigualdades no Brasil e seus impactos para a educação

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