publicado dia 12 de abril de 2023
Quintais Brincantes: o que são e como criar espaços de brincar em sua comunidade
por Ana Júlia Paiva
publicado dia 12 de abril de 2023
por Ana Júlia Paiva
Você já ouviu falar em Quintal Brincante? Com o apoio institucional do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, o Movimento dos Quintais Brincantes, que reúne uma pluralidade de educadoras nos diferentes estados brasileiros, lançou, em 2022, o livro “Quintais brincantes: sobrevoos por vivências educativas brasileiras”.
A publicação é resultado de uma pesquisa de onze educadoras e um educador do Movimento, realizada em setembro de 2020, durante a pandemia de Covid-19, que mapeou 52 Quintais Brincantes em diferentes regiões do Brasil. A publicação, disponível em pdf, apresenta dados, inspirações, valores e princípios desse movimento, além de dicas para construir um Quintal Brincante.
Taís Fróes, pedagoga, pesquisadora, fundadora do Projeto Oca Infância Viva, e co-articuladora representante de Salvador do Movimento Quintais Brincantes, explica que, “como Movimento, queremos comunicar, ampliar os diálogos, as pesquisas, as parcerias, para que mais e mais pessoas saibam que no Brasil há uma prática educativa potente, biodiversa e transformadora e, quem sabe, inspirar a viver essa vida de quintal e ganhar esse céu conosco.”
A pesquisadora também ressalta e demarca a importância simbólica de que a escrita do livro tenha sido feita inteiramente no gênero feminino, por ser um movimento majoritário de mulheres.
O livro contém entrevistas de Quintais Brincantes de dez estados brasileiros, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país – resultado de uma limitação que as autoras afirmam ter sido imposta pela pandemia. Foram eles: Bahia, Sergipe, Pernambuco, Tocantins, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Inspirados em experiências educacionais desenvolvidas no Brasil, bem como na cultura das matrizes ancestrais indígenas e africanas do Brasil, os quintais brincantes são espaços nos quais crianças têm a possiblidade de brincar ao ar livre e em contato com a natureza unidos a práticas educacionais libertadoras. São definidos como espaços vivos, em constante transformação, que priorizam a presença, o cultivo do afeto e a valorização da infância junto à natureza.
Portanto, o Movimento dos Quintais Brincantes é realizado por pessoas, em sua maioria mulheres, que buscam unir práticas, olhares, escutas e conhecimentos em uma rede de apoio que deseja transformar seu entorno por meio de práticas educativas brasileiras amparadas pelo brincar livre em conexão com a natureza e com a cultura das infâncias.
Leia + Websérie aborda direito da criança à cidade e ao meio ambiente
Atualmente o Movimento conta com um conselho deliberativo com sete mulheres e um homem, que acolhe educadoras-quintaleiras e articula ações para alcançar mais pessoas em todo Brasil.
Taís compartilha que “o intuito do Movimento é ampliar os diálogos, as pesquisas e as parcerias para que mais pessoas saibam que, no Brasil, há uma prática educativa potente, biodiversa e transformadora”. O maior desejo, de acordo com ela, era de que o livro pudesse chegar às secretarias de educação, para amplo acesso na rede pública de ensino.
Com a parceria com o Instituto Alana, em 2023, isso se tornou possível. Mil livros foram impressos e serão distribuídos gratuitamente, ao longo do ano, em 66 escolas públicas periféricas de cinco regiões brasileiras – uma ação acompanhada por uma roda de conversa e uma vivência facilitada por educadoras do Movimento.
O livro responde a essa pergunta com “vida em movimento”. Mas a lista engloba uma série de itens importantes a esses Quintais:
A maior parte das gestoras dos Quintais são mulheres, motivadas por mobilizar transformações em seus próprios papéis sociais e repensar modelos educativos.
Os Quintais Brincantes, em sua maioria, foram criados a partir de 2016, ora motivados pela possibilidade de oferecer um espaço/tempo inspirado nas próprias vivências de infância de suas gestoras, ora pelo contrário, empenhados em oferecer às crianças aquilo que as gestoras não tiveram a oportunidade de experimentar.
O livro pontua que, ainda que construídos de forma autoral e única, os valores e princípios que estruturam os Quintais Brincantes convergem em:
Leia + Comunidades rurais criam Centros de Excelência em Educação no Campo
O livro demarca a importância de reconhecer e enfatizar a valorização das formas de compartilhar e aprender que estão presentes nas brincadeiras, cantigas e histórias da cultura popular brasileira que são vivenciadas nos Quintais Brincantes.
Por isso, existe um cuidado em dividir o conhecimento sobre as mestres e os mestres da cultura popular, bem como sobre grandes figuras negras e indígenas que construíram e ainda constroem saberes e referências para o entendimento do que é o Brasil.
Assim, as inspirações que sustentam os Quintais Brincantes se dão a partir de:
Gerir um Quintal Brincante é sobretudo ajudar a construir uma comunidade de aprendizagem, uma rede com crianças e pessoas adultas conectadas por valores e objetivos comuns.
“A gestão quintaleira é um processo de aprender, de se autoeducar e de se educar em comunidade”, explica um trecho do livro.
Existem inúmeras formas de constituir um Quintal, a publicação aponta que é comum histórias de espaços que se iniciam compartilhando cuidados parentais e que, a partir daí, se transformam.
Assim sendo, parte do processo de gerenciar um Quintal Brincante organizar:
Conforme a pesquisa, os Quintais Brincantes atendem, principalmente, crianças na primeira infância, entre 2 a 6 anos, apesar de existirem espaços que se dedicam a crianças a partir de 7 anos. Alguns Quintais recebem essas crianças no contraturno escolar, outros refletem e estruturam práticas transformadoras para o ensino fundamental e médio, e outros têm foco na educação ambiental e nas vivências com a natureza.
Nesse sentido, existem também diferentes modelos de Quintais: quintais-ninhos, que atendem uma pequena comunidade, e quintais-florestais, que podem receber muitas crianças em visitas agendadas.
As pesquisadoras comprovaram que os desafios de gerir um Quintal Brincante extrapolam a relação com o dinheiro – 58% dos Quintais têm estratégias de captação de recursos para além das mensalidades, como festas e eventos, rifas, colônias de férias, oferta de cursos e formações, venda e aluguel de artigos infantis e alimentos, além de doações e apoio de consultoras.
Assim, os desafios, no geral, são ligados a problematizações sistêmicas do processo de gestão, temas que estavam, à época, inclusive relacionados à questão pandêmica — este, em específico, citado como principal desafio por 15 Quintais Brincantes.
No geral, o livro lista que as principais dificuldades identificadas pela pesquisa foram:
Os Quintais Brincantes contam, em sua maioria, com políticas focadas na diversidade socioeconômica, cultural e étnico-racial.
Além disso, os Quintais Brincantes também se tornam ninhos acolhedores de crianças que não encontram escuta em outros espaços educativos. Em 46% dos Quintais pesquisados, há crianças com deficiência e, para esse trabalho, educadoras mobilizam a adaptação de brinquedos, criam núcleo de acessibilidade, promovem cursos e rodas de conversa com profissionais, que acompanham essas crianças e suas famílias para afinar o olhar e ampliar o diálogo sobre inclusão.
Confira as informações completas no pdf do livro, disponível neste link.