publicado dia 7 de março de 2024
Qual o impacto de conteúdos violentos nas redes sociais para as juventudes?
Reportagem: Tory Helena
publicado dia 7 de março de 2024
Reportagem: Tory Helena
🗒️Resumo: O acesso a conteúdos violentos nas redes sociais está presente e impacta a vida online e offline das juventudes (adolescentes e jovens) do Brasil. É o que revela a pesquisa “Algoritmos, violência e juventude no Brasil: rumo a um modelo educacional para a paz e os direitos humanos“, do Instituto Think Twice Brasil.
Ao acessar redes sociais, 8 em cada 10 jovens já visualizaram conteúdos violentos, discriminatórios, humilhantes ou perturbadores. Cenas de racismo, misoginia e cyberbullying convivem ao lado de vídeos de dancinhas, opiniões e tutoriais.
Os dados são da pesquisa Algoritmos, violência e juventude no Brasil: rumo a um modelo educacional para a paz e os direitos humanos, realizada anonimamente com 216 indivíduos em diferentes regiões do país.
Além de captar a onipresença de imagens, mensagens e vídeos no cotidiano, o levantamento investigou como conteúdos violentos nas redes sociais podem normalizar situações extremas e dessensibilizar os adolescentes e jovens.
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Cerca de um quarto dos entrevistados (26%) admite que assistir vídeos violentos motivou, de alguma forma, ataques físicos ou verbais a outras pessoas.
Já 15% responderam que cometeram ataques verbais e/ou físicos após entrarem em contato com conteúdo violento nas redes.
“Cresci consumindo conteúdo de violência extrema através da internet (tudo na surface web). Embora eu nunca tenha feito mal às pessoas, essa experiência afetou a forma como as vejo e acredito que me dessensibilizou em relação a tudo de grotesco e perturbador”, descreveu um dos participantes da pesquisa.
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A pesquisa detectou vasta recomendação de vídeos reforçando estereótipos de gênero e raça, assim como discriminação contra imigrantes e pessoas com deficiência.
“Neste estudo, somos confrontados com evidências preocupantes de como os algoritmos das redes sociais podem inadvertidamente servir como catalisadores para a exposição de adolescentes e jovens a conteúdos violentos, alimentando ciclos de violência e potencializando processos de radicalização”, afirma o prefácio da pesquisa.
Realizado pelo Instituto Think Twice Brasil, o estudo coletou, ao longo de dois meses de 2023, respostas anônimas de indivíduos entre 13 e 24 anos sobre o envolvimento com as redes sociais mais populares no país.
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Entre os dados sobre o perfil dos respondentes, a pesquisa mostra que 69% estavam localizados na região Sudeste, 63% se autodeclararam brancos e mulheres e 41% tinham entre 13 e 16 anos.
Com base nas respostas, os pesquisadores criaram uma conta e interagiram no aplicativo TikTok. Conhecido por apresentar vídeos curtos, a rede social é consumida no Brasil principalmente por jovens da Geração Z, 41% deles com idades entre 16 e 24 anos.
Para simular a experiência vivida pela juventude usuária de Internet, a pesquisa acompanhou durante 30 dias os conteúdos apresentados pela rede social e concluiu que sistemas de recomendação do algoritmo têm promovido conteúdos violentos de diferentes maneiras.
Apesar de selecionar inicialmente interesse em categorias como “vídeos engraçados”, “entretenimento” e “notícias”, a dinâmica do algoritmo do TikTok mostrou conteúdo vexatório, discriminatório e explicitamente violento.
De um total de 1.200 vídeos recomendados pelo TikTok ao longo do mês, 220 (18,3%) incitaram violência.
Dentre esses, 33 (15%) configuraram casos de cyberbullying contra mulheres, 30 (13,7%) apresentaram conteúdo discriminatório e 157 (71,3%) fizeram apelos
explícitos à violência, em alguns casos incitando abertamente a violência em escolas.
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“Começaram a aparecer [para a pesquisadora] filmagens de cenas de violência doméstica, verbal, de ataques às escolas e suicídios”, relatou Gabriele Garcia, do Instituto Think Twice Brasil, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.
Para a advogada e mestra em Direitos Humanos pela London School of Economics and Political Science (LSE), esse tipo de conteúdo tem o poder de dessensibilizar os jovens, além de ferir Direitos Humanos e gerar vício específico na temática.
De acordo com Gabriele, os jovens descreveram sensação de dessensibilização diante de cenas extremas, além da promoção de “hierarquia” (em termos de conseguir ou não assistir vídeos) e “desafios” entre a juventude.
“Precisamos ampliar a consciência crítica e afetiva dos jovens e educadores para identificar, nomear as violências e entenderem que há alternativas a isso e ferramentas para enfrentá-las”, afirmou Gabriele Garcia.
Além de mergulhar nos efeitos do consumo de conteúdos violentos pelos jovens, a pesquisa apresenta análises sobre os conteúdos encontrados, depoimentos de participantes do estudo e recomendações para o poder público, famílias e redes sociais.
“Investir na promoção da educação para paz e Direitos Humanos pode ser uma ferramenta eficaz para o enfrentamento da violência, com ênfase para a violência digital, proporcionando aos jovens e educadores a oportunidade de desenvolverem suas habilidades críticas e afetivas para reconhecer e enfrentar as violências”, diz o texto da pesquisa.
Além disso, as descobertas reforçam a urgência de revisitar e reforçar estratégias de moderação de conteúdo nas redes, bem como ampliar o grau de institucionalização da política de Educação para a paz e os Direitos Humanos no país e engajar as plataformas digitais na prevenção e mitigação dos danos causados.
*Colaborou Ingrid Matuoka