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publicado dia 25 de fevereiro de 2021

No museu, na escola e na rua: entenda a importância do investimento nas coleções biológicas

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Em junho de 2020, um incêndio comprometeu parte das coleções biológicas e arqueológicas do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (MHNJB), em Belo Horizonte (MG). Entre os itens perdidos, estavam coleções entomológicas e vestígios humanos e botânicos com datação de até 10 mil anos atrás. 

Durante o processo de recuperação e entendimento do que era possível ou não salvar, a equipe também compreendeu que estes objetos e outros milhares de não afetados pelo incêndio podiam ser catalogados e divulgados de uma outra forma, mais próxima do público. 

Nasceu então o projeto Renasce Museu, campanha de financiamento coletivo feita em parceria com edital do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Nela, cada real arrecadado é triplicado pelo BNDS. O dinheiro da campanha, que encerrou-se na última semana de fevereiro, possibilitará a criação de uma plataforma digital para o acervo do museu, a ser lançada entre novembro e dezembro deste ano.  

“Cada objeto da coleção estará acessível para qualquer pessoa que entrar na plataforma, divididos por temas e palavras-chave. Ao mesmo tempo, a plataforma servirá como gerenciamento de acervo para quem trabalha no museu, melhorando a circulação interna de informações sobre as peças”, detalha André Legos, museólogo e um dos responsáveis pela campanha. 

São chamadas de “Coleções” os são conjuntos de exemplares biológicos, arqueológicos e de produção artísticas recentes ou antigas que servem como espaços de pesquisa em diversas áreas de conhecimento, resguardando descobertas já feitas e algumas ainda por vir. Elas estão em universidades, museus, bibliotecas e também em espaços particulares. 

O projeto almeja a aproximação entre acervo e pessoas em um período em que não só a visitação de espaços culturais diminuiu por conta da pandemia, mas que as ciências como um todo enfrentam um momento temerário no país. Prevê-se para 2021 diminuição histórica no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com 34% menos recursos do que em 2020, ano no qual também já houve diminuição.  

A relação entre brasileiros e ciências não sofre só um desgaste financeiro, como também de confiabilidade. De acordo com pesquisa realizada pelo Pew Research Center e publicada na revista Piauí, 36% dos brasileiros disseram confiar pouco ou nada nas ciências; e apenas 23% confia muito. Este discurso encontra respaldo público com um governo federal declaradamente negacionista, corroborando para um sentimento de pouca valoração nas ciências e por consequência, na pouca visitação ou incentivo aos espaços que as resguardam, como museus, institutos e coleções. 

“Quando você fala que o shopping vai fechar por conta da pandemia, é uma comoção social. Quando você fala que houve incêndio no museu, uma perda drástica, isso não comove do mesmo jeito”, aponta Alessandra Abrão, bióloga do Jardim Botânico do MHNJB. “A sociedade brasileira ainda não valoriza essas instituições. É um desafio atrair mais pessoas em um governo não favorável às ciências.”

algumas das peças recuperadas no incêndio do MHNJB em acervo provisório
Algumas das peças recuperadas depois do incêndio / Crédito: Facebook do Museu

Tecnologia como ferramenta de democratizar o acesso às coleções

“As coleções falam do passado, mas também delineiam a história do futuro. Quando penso em uma coleção botânica, por exemplo, elas representam a biodiversidade de determinado local, o que está sendo perdido e o que está sendo preservado; ou um objeto de uma cultura indígena, que conta a história de como foi criada certa tecnologia. O que as instituições fazem é guardar as coleções, porque elas não são delas, são do povo, são de todo mundo”, explica Alessandra. 

A tecnologia também foi a forma encontrada para resguardar e democratizar as coleções biológicas da Rede Paranaense de Coleções Biológicas (Rede Taxonline), que disponibiliza online acervos e pesquisas de várias instituições. Ela só foi possível por um esforço conjunto dos cientistas paranaenses para a criação da Política Estadual para Coleções Biológicas, única no país a estabelecer diretrizes para proteção e investimentos em coleções. 

Em matéria do jornal O Eco, a jornalista Cristiane Prizibisczki apura que nos últimos 10 anos, 30 incêndios atingiram diferentes instituições e acervos biológicos no Brasil, demonstrando um descaso com esses lugares de resguardo e conhecimento científico. São casos como o do Museu de História Nacional, no Rio de Janeiro, e do Instituto Butantan, em 2010. 

Para a bióloga Lívia Pires, doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Zoologia da Universidade Federal do  Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi (PA), a questão é menos a sobre a acessibilidade das coleções e maIs sobre o investimento maciço que é necessário, não só nos prédios, mas em toda cadeia científica, que incluia universidade, mas também as bolsas de pesquisa.: 

“As coleções são antigas, e elas vão crescendo, o que significa que é sempre preciso mais verba e investimento. O que está acontecendo no Brasil é o movimento contrário: temos um negacionismo da ciência, que impacta diretamente na pesquisa dos cientistas. Faz 11 anos que não temos reajuste de pesquisa nas agências de pesquisas federais” , complementa Lívia.

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A escola e a rua como aliadas na aproximação entre coleções biológicas e público  

O biólogo e professor do Departamento de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) Silvio Nihei anualmente trabalha com a criação de insetário com seus alunos de graduação de biologia. A ideia é que ao longo dos meses, eles façam práticas de ida a campo, coleta e montagem de um mostruário da fauna artrópode, que pode ser usado para fins de pesquisa e consulta. Em 2018, diante de um acúmulo dessa produção, o biólogo lançou o projeto “Insetos na Escola”, convidando escolas de todos os diretórios de São Paulo a utilizar os insetários em sala de aula. 

“Utilizar coleções zoológicas como recurso didático ou material aproxima crianças e adolescentes da natureza. Você vê o olhar da criança pegando o inseto alfinetando com a mão, e é um olhar de vislumbre e curiosidade. Um inseto preservado em uma coleção é exatamente do mesmo tamanho do inseto vivo, e assim, você desmistifica um monte de coisa, cria múltiplos aprendizados”, explica Silvio. 

O biólogo nota que a montagem do insetário com as crianças, mesmo os que não podem ser tocados, convertem os espaços escolares em verdadeiros laboratórios: elas podem criar formas de classificação diferentes a partir de sua imaginação, comparar semelhanças e despertar um senso de pesquisa só possível a partir dessa prática.

Essas pontes entre coleções, território e comunidades se potencializam quando as feiras de ciências atingem espaços não formais de educação, como a rua. É o caso do Bio na Rua, evento onde biólogos levam seu conhecimento para espaços públicos de diversas cidades do Brasil. 

Para que o trabalho de Silvio com as escolas ou de eventos como o Bio na Rua aconteçam, é preciso criar uma cultura de financiamento e valorização dessas coleções. “Meu trabalho depende fundamentalmente de coleções zoológicas disponíveis, coletadas não só agora, mas ao longo de muito tempo. Elas são representativas espacialmente e temporalmente, de vários locais do Brasil, e para isso precisam contar com políticas públicas que olhem para elas”, finaliza. 

crianças ao redor de um insetário
Crianças ao redor de uma das gavetas cedidas pelo projeto Insetos na Escola / Crédito: Divulgação do projeto

Como um museu pode se aproximar do território?

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