publicado dia 29 de novembro de 2024
Manu Halfeld: “Plataformas acessadas por crianças e adolescentes devem ter controle parental acessível”
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 29 de novembro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Em discussão no Congresso, o PL 2628/2022, aprovado na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado nesta semana, busca garantir a proteção integral de crianças e adolescentes nas plataformas digitais. Em entrevista, a analista de relações governamentais do Instituto Alana, Manu Halfeld, detalha as principais medidas e o que deve mudar caso a proposta se torne lei.
Os direitos digitais de crianças e adolescentes estão no centro das discussões provocadas pelo Projeto de Lei (PL) 2628/2022, que busca garantir a proteção integral dessa população no Brasil. A proposta foi aprovada pela Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado na quarta-feira (27/11) e segue para análise da Câmara dos Deputados.
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De autoria de Alessandro Vieira (MDB-SE) e atualmente relatado pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), o PL traz entre suas principais diretrizes o reforço do dever das plataformas digitais em prevenir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos inadequados, mitigar exploração e abuso sexual e coibir o uso de informações comportamentais para fins publicitários.
O PL também visa impor o dever de remoção de conteúdos que violem os direitos do grupo, além de garantir o compromisso de todos com o desenho de um ambiente digital seguro e apropriado para diferentes idades.
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“O projeto tem esse comprometimento com o Direito à Saúde e com o desenho de uma arquitetura de tecnologias que não são feitas para viciar e, sim, para o bem desse público, além de exigir a prestação de contas sobre isso, dando transparência para as famílias e toda a sociedade sobre os riscos dessas plataformas e de como foram implementadas todas as medidas”, afirma Manu Halfeld, analista de relações governamentais do Instituto Alana.
O PL é apoiado por organizações da sociedade civil, especialistas e defensores dos direitos das infâncias e adolescências.
O projeto de lei é apoiado por organizações da sociedade civil, especialistas e defensores dos direitos das infâncias e adolescências.
Em carta de apoio, as organizações destacam que o Brasil é o segundo país com mais tempo de tela no mundo e que 93% dos brasileiros entre 9 e 17 anos já acessam a Internet.
Em entrevista ao Educação e Território, Manu Halfeld detalha as principais medidas propostas no Projeto de Lei 2628/2022 para garantir a proteção integral de crianças e adolescentes no ambiente digital.
Educação e Território: O PL 2628/2022, aprovado na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado na quarta-feira (27/11), recebeu amplo apoio da sociedade civil e de especialistas. Como o projeto atua na proteção integral de crianças e adolescentes em plataformas ou redes sociais?
Manu Halfeld: Uma das primeiras questões é o estabelecimento do dever de cuidado e reconhecimento de todos os fornecedores de produtos e serviços digitais com a proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes e isso se dá em diversas disposições legais do projeto. Entre elas, a questão do controle parental.
As plataformas, que são acessadas por crianças e adolescentes, devem ter um controle parental acessível
As plataformas, que são acessadas por crianças e adolescentes, devem ter um controle parental acessível e fácil de usar, além de ser em português. Hoje nos deparamos com muitas regras em inglês e uma dificuldade das famílias em fazer uma supervisão online e o projeto estabelece uma série de questões que as plataformas terão que obedecer. Um exemplo é garantir o gerenciamento do tempo com limite de tempo para uso, maior controle sob a Inteligência Artificial (IA) de recomendação, inclusive com a possibilidade de desligar qualquer sistema de IA que não seja essencial para a finalidade de uso de um produto ou serviço.
Outra questão muito importante que o projeto traz é a proibição do perfilamento comercial de crianças e adolescentes, usando dados comportamentais ou ainda análise emocional para fins de direcionamento de publicidade. Na prática, isso significa que você não pode criar um perfil comportamental de uma criança ou de um adolescente e analisar as emoções deles para direcionar publicidade, coibindo assim violações de publicidades muito evasivas e que realmente lê as atitudes e hábitos da pessoa. A União Europeia (UE), por exemplo, já tem essa regra de restrição.
O projeto também estabelece que todos os jogos eletrônicos que tenham mecanismos de interação precisam garantir que haja um sistema de denúncia que seja eficaz e que a interação possa ser desligada desse sistema a fim de proteger a criança e o adolescente de qualquer tipo de dano. Por fim, eu também destaco a proteção por padrão, ou seja, em vez de ter que configurar a conta do indivíduo, o projeto exige que as configurações sejam por padrão mais protetivas para as crianças e adolescentes na internet.
“É muito importante a coibição de mecanismos que estimulem uso nocivo e que compra a atenção das crianças para usarem excessivamente as redes”
É muito importante também a coibição de mecanismos que estimulem uso nocivo para a saúde, viciante e que compra a atenção das crianças e dos adolescentes para usarem excessivamente as redes. O projeto tem esse comprometimento com o direito à saúde e o desenho de uma arquitetura de tecnologias que não são feitas para viciar e sim para o bem desse público, além de exigir a prestação de contas sobre isso, dando transparência para as famílias e toda a sociedade sobre os riscos dessas plataformas e de como foram implementadas todas as medidas.
O PL também exige que seja restrito o acesso a plataformas que não estejam adequadas a defesa de seus direitos e uma avaliação dos conteúdos para garantir que toda criança e adolescente possa ter uma experiência de conteúdos adequados a sua faixa etária e que não tenha contato com conteúdos extremamente violentos, pornográficos, entre outros tipos de conteúdos que podem ser nocivos.
Consta também a exigência de proatividade contra conteúdos ilegais como abuso e exploração sexual e sobre direcionamento de apostas. Essas são algumas das inovações do projeto de lei, que é bem abrangente e trata de diversas obrigações para os fornecedores de serviços digitais, visando a proteção integral para dar mais empoderamento para as famílias, as crianças, os adolescentes e garantir maior responsabilidade das empresas com o desenvolvimento seguro e a prestação de contas do que é feito nos ambientes digitais.
EdT: O projeto determina que empresas retirem do ar conteúdo que violem os direitos de crianças e adolescentes de forma imediata, sem a necessidade de aguardar ordem judicial. Como você avalia essa questão e por que a urgência é importante nesses casos?
Manu: Algo muito bom do projeto é que ele determina de antemão o escopo dessa obrigação. O artigo que pede a remoção do conteúdo está vinculado a outro artigo que fala o que deve ser removido prioritariamente, desde conteúdos de abuso e de exploração sexual – que já tinha a remoção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e agora ganham um reforço –, conteúdos de apostas, conteúdos que estimulem comportamentos perigosos, de automutilação e suicídio, de cyberbullying, entre outros conteúdos violentos que devem ser removidos.
“Agora temos a responsabilização desse dever de prevenção e de garantia de um ambiente digital seguro”
Isso tudo é muito importante porque exige uma atitude muito proativa das empresas. Sabemos que esse tipo de conteúdo circula e que mesmo quando denunciado às vezes não é removido e agora temos a responsabilização desse dever de prevenção e de garantia de um ambiente seguro.
EdT: O PL também coíbe a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica a crianças. Quão comuns são essas práticas e como elas afetam as crianças e adolescentes no ambiente digital?
Manu: O projeto coíbe o perfilamento comportamental, ou seja, estudar todos os comportamentos da criança ou do adolescente, monitorar a atividade online, entender com quem se relaciona, por onde navega e direcionar a publicidade a partir desse perfil comportamental criado. Isso já foi proibido na Europa, então o Brasil avança nessa proteção. O projeto também coíbe a análise emocional, ou seja, o estudo das emoções da criança e do adolescente para direcionar a publicidade para ela ou para ele. A ONU orienta uma diretriz para que haja uma legislação com essa proibição porque isso é muito comum.
A ONG Human Rights Watch denunciou o caso de uma empresa que avaliou plataformas educacionais usadas durante a pandemia em diversos estados e percebeu que elas estavam monitorando as ações dos estudantes e compartilhando com anunciantes, ou seja, usaram plataformas contratadas pelas escolas para vigiar os estudantes e compartilhar o que eles faziam na internet com anunciantes. O projeto vem para coibir essa prática que é discriminatória e ilegal e deixar muito explicito esse comprometimento do Brasil com o bem estar de crianças e adolescentes.
EdT: A proposta fala ainda sobre a garantia de um desenho de um ambiente digital seguro e apropriado para diferentes idades. Na prática, como isso mudaria a experiência de uma criança que utiliza redes sociais ou plataformas digitais?
Manu: Essa é uma questão que está sendo discutida em todo o mundo, como criar uma experiência positiva no ambiente digital, onde a criança e o adolescente possam ter acesso a conteúdos apropriados para suas idades e onde os recursos e a arquitetura das plataformas não são feitos somente para capturar a atenção, o tempo e manter o indivíduo engajado, mas sim para fornecer materiais educacionais que vão ajudar no desenvolvimento.
O projeto exige gerenciamento de risco à saúde por parte dos fornecedores, o que vai implicar em desenhar as plataformas pensando nas necessidades das crianças
Na prática, o que muda é a construção dessa experiência de conteúdos norteados pela classificação indicativa, como o projeto estabelece, e a coibição das notificações abusivas que tentam voltar à atenção para o uso das plataformas de forma constante. O projeto ainda exige gerenciamento de riscos à saúde por parte dos fornecedores, o que vai implicar em desenhar as plataformas pensando nas necessidades das crianças e dos adolescentes.
EdT: Agora, o tema avança para a Câmara dos Deputados. Qual é a expectativa a respeito da tramitação?
Manu: Esperamos que não haja nenhum processo de obstrução do projeto de lei, afinal é muito importante e urgente, além de ter sido aprovado quase de forma unânime na Comissão do Senado. Na Câmara, esperamos que seja dada a devida urgência para a matéria e também convidamos todos a fazer pressão ao Congresso Nacional para mostrar a importância dessa pauta. Nós temos uma carta de apoio, no site Criança e Consumo, que pode ser assinada e traz mais informações sobre a proposta. Todos podem se unir nesta luta.