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publicado dia 24 de abril de 2024

Helena Abramo: “O jovem é considerado trabalhador de segunda categoria pelo mercado”

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🗒️Resumo: Em entrevista, a socióloga Helena Wendel Abramo analisa como está a relação entre juventudes e trabalho. Em especial, a pressão e precarização a que os trabalhadores entre 18 e 29 estão expostos nessa fase inicial da vida.  

As condições precárias de trabalho, ao lado da atenção à Saúde Mental, estão no topo da lista de preocupações das juventudes brasileiras. É o que sinaliza a escuta dos jovens feita pelo governo federal durante a formulação de novas políticas públicas para o segmento.

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Além das políticas de trabalho específicas para a população jovem serem escassas, as juventudes vivem uma realidade de muita precarização, pressão e assédio, sem proteção social. Tudo isso acaba provocando muito sofrimento.

É o que explica a socióloga Helena Wendel Abramo, que desde a década de 1990 se debruça sobre o tema juventudes e trabalho.

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“O mercado de trabalho tem uma relação histórica com o jovem que é precarizante. Tratam os jovens como uma força de trabalho de segunda categoria”, explica a mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Confira a entrevista na íntegra:  

Entrevista com Helena Abramo sobre trabalho e juventudes
De acordo com a especialista em juventude e trabalho, quanto mais precário o vínculo trabalhista, mais jovens são encontrados na posição.

Educação e Território: Há um perfil do jovem trabalhador no Brasil? 

Helena Wendel Abramo: A primeira coisa é que a maior parte dos jovens no Brasil trabalha. Estou tomando como base aqui o Estatuto da Juventude, ou seja, os jovens com idade entre 18 a 29 anos. Não estou falando do adolescente. 

É importante marcar as faixas de idade porque há muitas diferenças nessas fases da vida. Essa, do jovem adulto, é  quando completa-se o período de formação, eles se especializam, fazem qualificação profissional. É quando se inicia a trajetória no mercado de trabalho e o período que se sai da casa da família. É a fase de formação identitária, cultural e a construção das relações mais amplas de sociabilidade. É quando eles saem do mundo da casa, do bairro, da escola, e vão para um mundo mais amplo, onde passam a exercer outras formas de cidadania, de poder votar e ser votado. 

São muitos processos que ocorrem nessa fase da vida em percursos paralelos, e que não necessariamente são ordenados. Por isso, no Brasil nós entendemos que esses processos todos que falei ocorrem nessa faixa de idade, dos 18 aos 29 anos. E é muito importante entender se esse jovem está no começo desse processo ou no final dele. E o tema do trabalho é um dos que mais produz diferença. 

EdT: De que forma a economia, o mercado de trabalho e o Estado encaram essa força de trabalho? 

Helena: No Brasil, o trabalho só pode ser exercido a partir dos 16 anos. Antes disso apenas como aprendiz, uma categoria bem diferente. 

O trabalho infantil, que no Brasil sempre foi alto, dos anos 2000 para cá caiu bastante. Na época, nós tínhamos algo em torno de 40% de adolescentes no mercado de trabalho. Hoje são menos de 20%. 

A diminuição não aconteceu entre os jovens adultos nessas últimas duas décadas. A partir dos 18 anos os jovens estão ou trabalhando ou procurando emprego. Entre 18 e 24 anos, a taxa de participação é de 70%. Esse número varia um pouco de ano para ano, mas pouco. E de 25 anos a 29 anos a taxa de participação é de 82%. Ou seja, a grande maioria. Ao mesmo tempo, nós praticamente não temos políticas públicas de trabalho para esses jovens. 

EdT: Aqui estamos falando do trabalho formal e informal? 

Helena: Isso, formal e informal. Temos que pensar nos jovens que não estão no mercado de trabalho porque estão nos chamados trabalhos invisíveis, que são atividades domésticos e de cuidados. Principalmente as jovens mulheres.  

Temos que lembrar que é nessa fase da vida que a maior parte das mulheres têm os seus primeiros filhos. O mercado de trabalho rejeita essas mulheres. É comum elas contarem que nas entrevistas de emprego é perguntado se elas pretendem ter filhos num futuro próximo, e isso é um impeditivo para a contratação delas. 

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A mulher jovem é considerada uma força de trabalho menos produtiva porque os empregadores supõem que elas vão chegar atrasadas, que elas vão faltar, e por aí vai. 

Socióloga Helena Abramo analisa a relação das juventudes com o trabalho
Além de se ocuparem dos trabalhos domésticos e de cuidados, as mulheres jovens são consideradas menos produtivas pelo mercado de trabalho.

EdT: Podemos dizer que há uma sobrecarga na juventude? 

Helena: Apesar de não estarmos na situação ideal, todas as políticas de acesso e inclusão no Ensino Superior fizeram com que, de fato, uma parcela importante esteja frequentando o Ensino Superior. Ainda estamos longe do ideal, mas é uma parcela grande. 

Isso vai implicar que os jovens tenham de lidar com essa tripla dimensão da vida: os estudos, o trabalho remunerado e o trabalho não remunerado, das responsabilidades familiares, que crescem muito nessa fase da vida. Seja com uma nova família, na própria família ou indo morar com amigos ou sozinhos. 

EdT: O grupo de trabalho responsável pela Política Nacional de Cuidados no governo federal soltou uma nota técnica para falar sobre as meninas muito jovens que não estão conseguindo prosseguir com os estudos e também trabalhar porque têm que assumir cuidados em casa para que outras pessoas possam trabalhar. Você vê esse sintoma na juventude?  

Helena: Precisamos, mais uma vez, pensar nas diferentes situações conforme a idade dos jovens. As adolescentes fazem muitas vezes a partilha desses cuidados de pessoas idosas, crianças, o que impacta nas possibilidades delas se dedicarem aos estudos, e  muitas vezes atrasa a entrada delas no mundo do trabalho. 

Mas eu acho que essa é uma parcela menor. A parcela dos jovens chamados Nem-Nem (que estão sem acesso a estudos e a empregos) entre os adolescentes é pequena. Esse fenômeno é mais significativo a partir dos 18 anos de idade, e porque ele está muito mais relacionado a essa dificuldade de conciliação quando as responsabilidades familiares aumentam. 

Ocorre quando as mulheres jovens, mais do que as meninas, acabam assumindo as responsabilidades da casa, principalmente quando estão com filhos pequenos, que é quem demanda a maior carga de trabalho. 

Existe uma rejeição de contratação dessas mulheres. Muitas vezes elas já foram para o mercado de trabalho e se retiraram dele porque assumem essa posição. É nesse momento da vida que conciliar essas várias dimensões da vida é mais difícil. 

Há uma falta grande de estruturas do Estado, como creches, e há uma rejeição dos empregadores de contratarem mulheres nessas condições. A Política Nacional de Cuidados percebeu que é preciso contemplar esse público juvenil como pessoas que demandam cuidados e que também são cuidadores. 

EdT: Quais são as condições de trabalho que a juventude hoje encontra hoje? 

Helena: A busca por trabalho sempre existiu. Sempre foi mais difícil encontrar trabalho para os jovens do que para o restante da população. Mas a outra face é que os jovens encontram piores condições de trabalho do que o restante da população, apesar de mais escolarizados. 

Essa geração de jovens é muito mais escolarizada do que as anteriores. Não estou dizendo que a formação não aumenta as possibilidades de encontrar um emprego mais qualificado. Mas estou dizendo que ela não é o único critério dentro da qualidade do trabalho. 

“O mercado de trabalho tem uma relação histórica com o jovem que é precarizante

O mercado de trabalho tem uma relação histórica com o jovem que é precarizante. Ele enxerga o jovem como alguém em formação, com pouca experiência, e por isso destina vagas menos qualificadas a eles. Mesmo quando há vagas mais qualificadas, destina uma remuneração mais baixa com a desculpa de que eles ainda não estão bem treinados. Tratam os jovens como uma força de trabalho de segunda categoria. 

EdT: O mercado de trabalho estigmatiza os jovens, portanto, para mantê-lo em vagas mais baratas, é isso? 

Helena: Sim, há análises do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrando que a taxa de rotatividade dos jovens, mesmo nos empregos formais, é por pouco tempo. E há uma polêmica: a justificativa é a de que os jovens não se engajam. Ou que essa rotatividade tem a ver com a postura do jovem, que eles não tem adesão, não vestem a camisa. 

Na verdade, as análises dizem que há setores produtivos que enxergam os jovens dessa maneira, como alguém que eles contratam e depois demitem. Principalmente no setor de serviços, como lojas, supermercados, que é o que mais emprega. Eles contratam, mandam embora, e no dia seguinte contratam jovens iguaizinhos. 

Aos jovens são destinadas as piores vagas, e isso é precariedade. É uma dimensão da precariedade estrutural do mercado de trabalho. 

Assim como a ideia de que a mulher é uma força de trabalho mais cara, existe uma cultura sobre o que é o trabalho dos jovens, considerados como um eterno trainee, mesmo que muitas vezes ele já tenha muitas experiências de trabalho, ou esteja naquela empresa há bastante tempo, ele é visto como uma pessoa em treinamento. 

EdT: Isso se reflete nos salários e nas possibilidades de prosperidade da juventude? 

Helena: A média salarial do jovem é mais baixa. São dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2021: a remuneração média do trabalho principal para a população ocupada era de R$ 2.406. Para os jovens, essa média era de R$ 1.555. Essa é uma dimensão da precarização. E não é assim porque os jovens trabalham menos, já que as jornadas são bastante extensas: 73% trabalham mais de 40 horas semanais. 

A outra dimensão da precarização tem a ver com as relações de trabalho. São os tipos de trabalho informal, ou tipos de trabalho que não têm direitos, dos trabalhadores por aplicativos, por exemplo. Alguns deles têm nos jovens o seu principal segmento. Os motoristas de carro são poucos os jovens, mas entre os entregadores e motoboys os jovens são muito numerosos. Quanto mais precarizado o tipo de vínculo, mais jovens vamos encontrar lá. 

Em entrevista, a socióloga Helena Abramo analisa a relação das juventudes com o trabalho
Para a especialista, faltam políticas públicas específicas para as juventudes na questão do trabalho.

EdT: Nos processos de escuta com os jovens, como foi feito para o Plano Juventude Negra Viva, a preocupação com o adoecimento mental é muito forte. É possível dizer que esse adoecimento é causado por essa dimensões precarizantes da vida? Esses relatos chegam até você? 

Helena: Sim, em todas as pesquisas qualitativas que fazemos isso aparece. Participei de um dossiê da Fiocruz que fala sobre o que adoece os jovens no Brasil, no qual examinamos os dados dos jovens nos sistemas de Saúde. Lá apareceu que a principal demanda do jovem hoje em políticas públicas é a Saúde, em especial, espaços de atendimento e acolhimento para a Saúde Mental. 

Nesse tema também há muito estigma sobre o jovem, de que ele não adoece porque está no auge do seu vigor físico, e que se adoece é porque se colocou em uma situação de risco. 

Há também a ideia de que o isolamento, em especial o provocado pela pandemia (de Covid-19), a relação com as redes sociais, com tecnologia, é o que está adoecendo os jovens. Isso existe, mas o que está adoecendo a juventude é o contrário disso. 

“Eles vivem uma realidade de muito assédio, muita pressão, trabalhos exploradores, sem proteção social,
e isso provoca
sofrimento mental.”

O adoecimento está sendo provocado pelas atividades que os jovens exercem, e muitas vezes pelo acúmulo delas. Os jovens estão fazendo muita coisa ao mesmo tempo. Quando pegamos os dados de acidente no trabalho, a juventude é o segmento que mais fica exposto.

Eles vivem uma realidade de muito assédio, muita pressão, trabalhos exploradores, sem proteção social, e isso provoca sofrimento mental. Mas o senso comum tende a estigmatizar, dizer que é desalento, ou que é geração Nem-Nem. 

Como estão os direitos das juventudes no Brasil?

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