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publicado dia 8 de março de 2024

Como a Política Nacional de Cuidados pode reduzir a desigualdade de gênero

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📄Resumo: Na maioria dos lares, o trabalho de cuidados recai desigualmente sobre as mulheres. Para buscar soluções coletivas no âmbito das políticas públicas e reduzir a desigualdade de gênero, 20 ministérios do governo federal e três entidades (IBGE, IPEA e Fiocruz) estão elaborando diagnóstico sobre o contexto e diretrizes para a nova Política Nacional de Cuidados. 

Cuidar da casa, cuidar de um idoso com diferentes graus de dependência, cuidar das finanças, cuidar das consultas médicas, cuidar das crianças. Essas atividades são fundamentais, mas desvalorizadas pela sociedade e marcadas por desigualdades de gênero, de raça, sociais e territoriais dentro das famílias brasileiras. 

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Na sociedade atual, o cuidado é distribuído de forma injusta e desigual entre homens e mulheres. Ao mesmo tempo, há disparidades raciais, com as mulheres negras exercendo mais essa função no dia a dia do que as brancas (veja no box). 

Em média, elas gastam 21 horas por semana com atividades domésticas e de cuidados. É o dobro dos homens, que passam 11 horas nas mesmas funções. As mulheres negras são ainda mais oneradas: ficam 22 horas semanais em tais ocupações. Os dados são da PNAD 2022.

O quadro se agrava diante da insuficiência de políticas públicas específicas para lidar com o problema estrutural, bem como da falta de equipamentos públicos (como creches, asilos ou cozinhas e lavanderias públicas) capazes de oferecer suporte às famílias.

A ausência desses serviços públicos, associada ao desinteresse das empresas na vida e necessidades daquelas que cuidam, que fez com que Karolyne Fortes, de 25 anos, mãe do Téo, de quase dois anos, não consiga estudar ou exercer atividade remunerada. 

A jovem é moradora da Vila Sahy, em São Sebastião (SP), a região mais atingida pela tragédia que atingiu o Litoral Norte de São Paulo, quando um temporal tirou a vida de 64 pessoas e deixou milhares desabrigadas. 

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Quando engravidou de Téo, Karolyne  trabalhava como babá. Mesmo depois de ter o bebê, tentou seguir com os trabalhos, mas na roda vida dos cuidados do filho e da casa, teve de parar. Ela também abandonou o curso de Pedagogia. 

Em 2023 ela conseguiu um emprego fixo como caixa em um supermercado. Nesse período, outra mulher (a mãe de Karolyne) cuidou do pequeno Téo. “Foi muito difícil porque ele mamava, então eu não dormia, porque de noite ele queria o peito, fiquei muito cansada. Passou um tempo e a empresa me dispensou”, conta. 

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Como na Vila do Sahy não tem berçário, a mãe ficou de mãos atadas. Um caminho seria levar o bebê de ônibus para um berçário em outro bairro, mas a distância tornaria o plano inviável. A solução foi arregimentar outras mães do bairro e contratar uma van para levar os bebês. Essas mulheres se apoiaram, compraram as cadeirinhas para acomodar os filhos e ratearam o valor da van.

“O plano aqui em casa é que no meio do ano eu volto para a faculdade. Vai ser difícil porque vou perder as noites com o Téo, mas é o jeito”, diz Karolyne. 

O que é Economia de Cuidados 

Todas essas atividades do cotidiano de Karolyne – e da maioria das mulheres – estão dentro do que se chama hoje de Economia de Cuidados

Essa é a economia que abarca o que é necessário para a sustentação da vida no dia a dia. Gerenciar e cuidar do cotidiano de todos não é (ou não deveria ser) função apenas das mulheres em uma família ou comunidade. 

É papel do Estado atender às necessidades da população, garantindo a reprodução humana e o bem-estar. E cuidar desse bem-estar terá impacto na força de trabalho, na economia e no desenvolvimento de toda a sociedade. 

Em alguns contextos, isso tem significado vagas disponíveis em creches, atendimento à saúde, lavanderias públicas e cozinhas comunitárias, por exemplo. Também implica na gestão do trabalho remunerado dos cuidados, dando condições dignas para esses trabalhadores. 

Política Nacional de Cuidados 

Como a Política Nacional de Cuidados pode reduzir a desigualdade de gênero no Brasil
Nova política federal quer efetivar o direito ao cuidado e tornar divisão de trabalhos mais justa e igualitária.

Para garantir que o direito ao cuidado seja efetivado, o governo federal está elaborando a Política Nacional de Cuidados. A proposta é buscar soluções no âmbito das políticas públicas para que o direito ao cuidado seja efetivado. Ao mesmo tempo, o objetivo é tornar o trabalho de cuidados mais igualitário e justo, retirando o peso que hoje recai quase que totalmente sobre as mulheres e endereçando a demanda por profissionais e equipamentos públicos qualificados.

Em outubro de 2023 o governo lançou o Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados e instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI). Atualmente, 20 ministérios e mais três entidades públicas – IBGE, IPEA e Fiocruz – trabalham para elaborar a política. 

Esse GTI é coordenado pela Secretaria Nacional de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, chefiada pela socióloga Laís Abramo, em conjunto a Secretaria Nacional de Autonomia Econômica, do Ministério das Mulheres, liderada por Rosane da Silva. 

O grupo tem três grandes tarefas: elaborar diagnóstico sobre o contexto dos cuidados no Brasil, propor a Política Nacional de Cuidados (definindo regras, leis e diretrizes organizadoras) e montar o Plano Nacional de Cuidados, cuja função é definir como as políticas públicas serão executadas na prática pelos ministérios. 

A meta é que esses trabalhos sejam entregues a partir de junho de 2024. 

Laís Abramo explica que a criação da Política Nacional de Cuidados parte do princípio de que todas as pessoas, ao longo da vida, ofertam e demandam cuidados, sobretudo crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. “A gente considera que o cuidado deve ser entendido como um direito de todas as pessoas ao longo do seu ciclo de vida e também como um bem público”, afirma. 

A crise dos cuidados no Brasil, um país que envelhece

Como a Política Nacional de Cuidados pode reduzir a desigualdade de gênero
Levantamento de dados sobre cenário do trabalho doméstico e de cuidados no Brasil é o primeiro passo para construção da política pública.

O diagnóstico sobre a realidade brasileira é fundamental para que o governo possa incidir.A coordenação do GTI do governo federal que se debruça sobre a Política Nacional de Cuidados já sabe, por exemplo, que são as mulheres as grandes encarregadas (e sobrecarregadas) por esse trabalho. 

Reconhece também que são as mulheres negras em maioria, e que há diferenças importantes de suporte a elas a depender do lugar onde vivem em uma cidade ou da região que habitam no país. Por esse motivo, Laís ressalta que o governo está em contato permanente com estados e municípios para a construção da política a partir da diversidade brasileira.  

Outro ponto é o envelhecimento populacional no Brasil. De acordo com o Censo 2022, o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% em 12 anos e chegou a 10% da população. No entanto, o avanço da idade não foi acompanhado por políticas públicas à altura do desafio.

Na França, onde os idosos representam de 14% a 20% do total da população, políticas públicas desempenham um papel central no cuidado. Um exemplo é o “abono personalizado de economia”, um valor em dinheiro a que todos os idosos têm direito, independente do nível de renda. 

O abono deve ser usado para pagar as despesas que o idoso precisa para ficar em casa e contar com cuidadores profissionais, ou para ser acolhido em uma instituição. Os familiares desse idoso também podem receber o benefício. 

No Brasil, não há políticas públicas exclusivas para os cuidados de idosos, como no exemplo francês. Na cidade de São Paulo (SP), por exemplo, a oferta de instituições públicas de acolhimento aos idosos está abaixo da demanda. Em 2018, o número de idosos na capital paulista era de 1.733.664 (14% da população da cidade), enquanto o número de vagas nessas instituições era de 19.660. Embora nem todos precisem de acolhimento, a defasagem é muito grande. Os dados são do Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). 

Além da transformação etária, a taxa de fecundidade, isto é, a quantidade de filhos por mulher, está caindo no Brasil. A redução no tamanho das famílias acaba por aumentar a pressão sobre os responsáveis pelos cuidados, que acumulam mais funções e tarefas. 

Sociedade do Cuidado 

Como a Política Nacional de Cuidados pode reduzir a desigualdade de gênero
Trabalho domésticos e de cuidados ainda é socialmente visto como vocação natural da mulher.

O cenário do Brasil torna-se mais complexo diante de outra mudança estrutural na sociedade. Atualmente, mais da metade (53%) delas estão inseridas no mercado de trabalho e a figura daquela mulher que sempre trabalhou em casa e cuidou de todos na família está em falta.

“Isso é um avanço no que diz respeito à autonomia e à independência financeira das mulheres. Em paralelo, enquanto Estado, além de promover a quebra de barreiras para a inserção qualificada das mulheres no mercado de trabalho, precisamos agir para garantir que as demandas por cuidado sejam supridas em um cenário de transformação cultural e demográfica”, afirma Letícia Péret, Coordenadora Geral de Políticas de Cuidado da Secretaria de Autonomia Econômica, do Ministério das Mulheres.

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Para a socióloga Helena Hirata, estudiosa do tema na França, no Japão e no Brasil, qualquer pessoa pode precisar de cuidado em qualquer fase da vida, e não apenas quem tem a autonomia limitada, como crianças, parte dos idosos e pessoas com deficiência.

O problema é que na atual organização social brasileira, esse trabalho de cuidado ainda é visto como se fosse uma vocação natural das mulheres. Por isso, pensadoras falam na construção de uma “Sociedade do Cuidado”. Nela, famílias – com homens e mulheres em divisão equânime do trabalho – governos, empresas, comunidades e territórios engajam-se na questão dos cuidados. 

“O mais urgente é construir políticas considerando o sujeito que cuida. É preciso transformar essa realidade e a percepção da sociedade sobre os cuidados, de modo a promover a corresponsabilização, tanto de gênero como social. O mais urgente é firmarmos essa perspectiva transformadora do cuidado”, defende Letícia. 

A disparidade de gênero nas tarefas domésticas e de cuidados acaba criando barreiras para a inserção profissional das mulheres, além de impactar na conclusão das suas trajetórias educacionais, no lazer e na vida pública.

Por isso, a garantia do direito ao cuidado, explica Laís, está “relacionada também com a garantia do direito à igualdade de gênero, que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens.”

No Brasil, 16% de todas as mulheres que estão no mercado de trabalho são trabalhadoras domésticas. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, profissionais do setor dos cuidados – trabalhadoras domésticas, cuidadores de idosos e de pessoas com deficiência, auxiliares de enfermagem e as trabalhadoras domésticas – somam 25%.

“Cuidar de um idoso é muito diferente do que cuidar de uma criança, por exemplo. E muitas vezes esses trabalhadores estão dentro das casas, então é preciso organizar e valorizar essa atividade”, complementa Laís. 

*Atualizado em 12/03/2024 às 18h22. 

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