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publicado dia 12 de fevereiro de 2021

A memória operária como patrimônio: Conheça o trabalho do CPDOC Guaianás

Reportagem:

Os muros que circundam a antiga estação de trem de Guaianazes, na zona leste de São Paulo, estão cobertos com lambe-lambes sobre personagens e memórias do território. Fotografias agigantadas contam a história de Passagem Funda, nome antigo da região que foi importante econômica e socialmente para o desenvolvimento da cidade. 

A intervenção, que já dura três meses, é parte do projeto Passagem Funda, uma das pesquisas territorializadas desenvolvidas pelo Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás (CPDOC). Formado por historiadores, cientistas sociais, mas fundamentalmente pessoas que pertencem e moram no lugar que pesquisam, o grupo mapeia o patrimônio material e imaterial de bairros da região leste da cidade. 

“Os patrimônios que temos aqui podem até não ser vistos como patrimônios oficialmente, mas para nós, moradores, eles são lembrados, são queridos, estão fazendo história”, descreve Renata Eleutério, cientista social e moradora do bairro Lajeado. “Nós levantamos o patrimônio material e imaterial desses territórios que têm luta operária, jongo e congada.”

As frentes de trabalho do CPDOC se dividem em presença e produção de mídia. O grupo realiza diversas trilhas de aprendizagem por lugares de relevância social e cultural na zona leste e também documenta estes patrimônios em conteúdo de texto e vídeo, a sua maioria disponíveis no site e nas redes sociais do projeto

integrantes do CPDOC Guaianás colando os lambes no muro
Colagem da exposição Passagem Funda, na estação de trem de Guaianazes / Crédito: Allan Cunha

Uma outra história da zona leste 

Nos séculos 18 e 19, a zona leste era um território de passagem comercial e migrações. Nela funcionavam pedrarias e olarias responsáveis por materiais de construção que edificaram toda São Paulo. A Passagem Funda é um dos trechos mais emblemáticos deste passado, como relata o cientista social Fernando Filho:

“É uma via histórica, caminho de tropeiros para quem vinha de Ribeirão Pires (SP), e também uma estrada antiga de passagens indígenas. Ficou só um trecho dela, imperceptível, mas ele ainda nomeia uma rua em Guaianazes.” 

Um dos trabalhos do CPDOC antes da pandemia era levar os moradores e visitantes a percorrerem trilhas de aprendizagem por esses espaços educativos, contando a história deles por perspectivas outras que não as oficiais. Projetos como Passagem Funda e Memórias do Lajeado são experiências de imersão em uma historiografia que é geralmente narrada por meio dos edifícios ou do registro histórico de famílias de elite da região. 

“A história oficial do bairro conta que essa elite ajudou a construir o bairro, trazendo fazendas, benfeitorias como igreja, escola, asfalto. Mas a gente sabe que tinha histórias aqui antes, histórias que foram apagadas. Sabemos também que embora essa elite tenha trazido benefícios, havia uma luta de mulheres por escola, uma luta de movimentos culturais por espaços para celebrar o jongo e a capoeira”, complementa Fernando. 

Todo o levantamento de patrimônio imaterial e material foi construído a partir da vivência de movimentos de cultura, negros e operários. A própria manutenção da iniciativa se dá a partir de projetos conquistados por lutas sociais, como o Programa de Valorização a Iniciativas Culturais (VAI) e o Programa de Ação Cultural (PROAC).

pessoas andando em cima de ponte na zona leste
Parte do trabalho do CPDOC Guainás é levar moradores e visitantes a conhecer os pontos relevantes da zona leste / Crédito: Facebook

Memória operária na produção de patrimônio 

Com a pandemia, muitas das atividades presenciais tiveram que ser transportadas para o mundo on-line e para lives. O CPDOC Guaianás criou a TV Memórias e Periferia, onde sazonalmente publica vídeos e convida pessoas do bairro para entrevistas. Um dos entrevistados é  Jorge do Jardim Aurora, um dos líderes comunitários da região:

“Chegando aqui no Jardim Aurora em 1984 comprei um lote e o sonho de construir uma casa e viver com a família em paz. Aí teve pedido de reintegração de posse. E aí começou minha luta, e vendo a luta de todos os moradores, resolvemos nos organizar, primeiramente por saneamento básico. Fizemos nossa associação de moradores.”

O patrimônio imaterial coletado pelo centro de pesquisa se faz a partir da escuta da memória operária desses trabalhadores, que não só ajudaram a erguer conquistas sociais importantes do território, mas cuja força de trabalho construiu o resto da cidade. “Conversamos com a dona de casa, com o terreiro, com a igreja, a barraquinha de artesanato dentro do mercado, o jovem. São eles que estão fazendo história”, define Fernando. 

As ações buscam também criar pertencimento entre as pessoas do bairro e seus territórios, cujas narrativas são muitas vezes ignoradas ou contadas a partir de uma perspectiva predial e não pessoal. “Não estamos contestando a narrativa do outro, e sim que ela não é única, que existem contradições. Quando entrevistamos uma pessoa que trabalhou a vida inteira no bairro, e ela se vê reconhecida, contando sua própria história, cria um sentimento de pertencimento grande”, finaliza Renata. 

dona lourdes sendo entrevistada
Entrevista realizada pelo CPDOC Guaianás antes da pandemia com Dona Lourdes, líder comunitária da região / Crédito: Facebook

 

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