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publicado dia 21 de julho de 2023

Constituição em Nheengatu: pela primeira vez, Carta Magna ganha tradução para língua indígena 

Reportagem:

Resumo: Pela primeira vez, Constituição de 1988 ganha tradução para língua indígena Nheengatu, realizada coletivamente por grupo de 15 indígenas bilíngues. O lançamento, com presença de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e da ministra dos Povos Indígenas, ocorreu no dia 19/07 em São Gabriel da Cachoeira (AM).

Pela primeira vez, a Constituição de 1988 foi traduzida para uma língua indígena: o Nheengatu, falado por 30 mil indígenas na região da Amazônia. Já disponível em Inglês e Espanhol, a Carta Magna brasileira levou 35 anos para receber tradução de uma língua indígena. Acesse aqui o documento. 

O documento foi apresentado no último dia 19/07 pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, ao lado de autoridades como a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, Carmen Lúcia (STF) e Joenia Wapichana (FUNAI). 

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“Estamos aqui para vivenciar um momento de restauração, de promover escuta e debate intercultural, porque a Constituição não é meramente um texto escrito, mas, sim, um sentimento, enquanto alicerce da nossa democracia constitucional”, afirmou Rosa Weber, em discurso. Leia na íntegra o discurso aqui. 

A cerimônia aconteceu no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), considerada a cidade mais indígena do Brasil. Também chamada de Língua Geral Amazônica e pertencente à família do Tupi-Guarani, o Nheengatu é um dos quatro idiomas co-oficiais do município. Além do Português e Nheengatu, a população também fala Tukano e Baniwa.

Tradução coletiva para o Nheengatu foi liderada por 15 indígenas 

Constituição em Nheengatu pela primeira vez, Carta Magna ganha tradução para língua indígena
Já disponível em Inglês e Espanhol, a Carta Magna brasileira levou 35 anos para receber tradução de uma língua indígena

A tradução foi realizada coletivamente por um grupo de 15 indígenas bilíngues, pertencentes a diferentes etnias da região do Alto Rio Negro e Médio Tajapós. São eles: Dadá Baniwa, Edson Baré, Edilson Martins Baniwa, Melvino Fontes Olímpio, Sidinha Gonçalves Tomas, Dime Pompilho Liberato, Gedeão Arapyú, Frank Bitencourt Fontes, Francisco Cirineu Martins Melgueiro, George Borari e Cauã Borari. 

No lançamento da tradução da Constituição para o Nheengatu, Edson Baré destacou que o gesto significa a escuta do Judiciário aos gritos dos povos indígenas. “Vocês vieram comprovar: o Rio Negro está aqui, estamos vivos, hoje não lutamos com flecha, mas lutamos com dignidade pelo nosso território”, afirmou. 

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Já Lucas Marubo, do povo Marubo, destacou que a tradução em Nheengatu abre precedente para que outros povos tenham os direitos traduzidos em suas línguas. “Momento histórico para os povos indígenas.” O tradutor George Borari também ressaltou que o trabalho garante a dignidade dos povos originários.

Do povo Kanamari, Inory Kanamari também foi uma das tradutoras. Destacou que foi a primeira indígena de sua etnia na advocacia. “Estamos num país com diversidade imensa e não escuto nossas línguas nos espaços . A gente precisa fazer parte. Antes de sermos indígenas, somos pessoas com direito ao respeito.” Para ela, o texto traduzido reduz o preconceito contra os povos indígenas.

A iniciativa faz parte das atividades da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), marco criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para preservar e promover as línguas indígenas. Atualmente, vivem no Brasil cerca de 305 povos indígenas, principais responsáveis pela preservação de 274 idiomas. 

A história e a importância do Nheengatu 

Durante a cerimônia de lançamento da nova tradução da Constituição, a ministra Rosa Weber explicou que a escolha do Nheengatu se deu pela importância histórica da língua, que já foi a mais falada na região Amazônica até meados do século 19. 

De acordo com a ministra, a escolha do Nheengatu para a tradução da Constituição “partiu da percepção de que essa língua historicamente permitiu a comunicação entre comunidades de distintos povos espalhados em toda a região amazônica, até a fronteira com o Peru, Colômbia e Venezuela, e chegou, segundo historiadores, a ser prevalente no Brasil, até ser perseguida e proibida”, justificou Rosa Weber na cerimônia. 

Originada do Tupi, o Nheengatu se transformou na Língua Geral (dividida em Amazônica e Meridional) no final do século 17. A Língua Geral Amazônica transformou-se no Nheengatu no século 19, falada por colonizadores, indígenas tupinambás e de outras etnias aldeados nos territórios do Maranhão e Pará.  

No artigo “O último refúgio da língua geral no Brasil”, de Eduardo de Almeida Carvalho, são localizados três principais motivos para o declínio do Nheengatu: ciclos de perseguição oficial, morte da população local e fluxos de imigração de falantes do Português para a região no fim do século 19. 

O primeiro ponto foi marcado pelas decisões do português Marquês de Pombal, que em 1758 proibiu o ensino e uso do Nheengatu, tupi e outras línguas indígenas da região em favor da Língua Portuguesa. Na época, o objetivo era enfraquecer a ação de ordens religiosas como os jesuítas, que utilizavam a linguagem para comunicação e conversão dos povos indígenas brasileiros. 

Outro ponto de inflexão para o Nheengatu foi uma das maiores revoltas populares ocorridas no Brasil, a Cabanagem (1835-1840) no Pará. Em geral analisada no contexto das “revoltas regenciais”, foi uma das mais violentas e significativas do período. 

“Era uma explosão de sentimentos das massas pobres, exploradas durante séculos, porém não canalizados para a consecução de transformações econômicas e sociais que pudessem melhorar a vida dos mais desfavorecidos.(…) A repressão duraria três anos, com forte resistência dos rebeldes em vários lugares. (…) Trinta mil caboclos e índios destribalizados morreram durante aquela insurreição, um quinto da população da província”, descreve Navarro no artigo. O fim do conflito contribuiu para desidratar a base de falantes da língua. 

Apesar de golpeado, o Nheengatu permaneceu como língua dominante na região Amazônica até o final do século 19, durante o chamado Ciclo da Borracha (1880 a 1910). Foi quando a exploração econômica do látex extraído da seringueira – ao lado da Grande Seca de 1877 – atraiu centenas de milhares de imigrantes nordestinos, falantes do Português, para a região. 

*Com informações da Agência Brasil e do portal de notícias do STF 

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