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publicado dia 20 de outubro de 2022

Passe livre pela democracia: gratuidade do transporte chega ao STF e volta ao centro do debate sobre cidadania  

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Quase uma década após as mobilizações de junho de 2013, a questão da mobilidade urbana e do direito ao transporte gratuito – o passe livre ou tarifa zero – volta ao centro do debate sobre cidadania nas cidades brasileiras. Agora, associada à questão do direito ao voto. 

No último dia 19 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria no acompanhamento do relator, o ministro Luís Roberto Barroso, e decidiu permitir que as prefeituras e concessionárias liberassem voluntariamente a gratuidade para os eleitores no segundo turno das eleições. A ação ocorreu após prefeituras que historicamente ofereciam passe livre no dia das eleições suspenderem a gratuitidade no primeiro turno.

O parecer reforça a proposta do Passe Livre pela Democracia, movimento da sociedade civil que busca pressionar gestores municipais pela liberação das catracas para os eleitores. O movimento reúne mais de 50 entidades, incluindo Ação Educativa, Oxfam Brasil e Uneafro, além de centrais sindicais. A proposta é pressionar, por meio de e-mails e petições coletivas, gestores municipais a oferecerem o transporte público gratuito no dia das eleições – evitando assim que as pessoas deixem de votar por não terem condições de arcar com os custos do deslocamento. É possível acessar e conhecer mais sobre a iniciativa neste link

Passe Livre pela democracia
Em meio à discussão sobre abstenção eleitoral, Supremo decide apoiar a liberação voluntária de passe livre nas cidades. Organizações pressionam para ampliar direito. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Com a mobilização da sociedade civil, ao menos 22 capitais anunciaram a tarifa zero no segundo turno: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, São Paulo e Vitória. 

Para Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), instituição que integra a campanha Passe Livre pela Democracia, a gratuidade no transporte representa, sobretudo, uma política de inclusão social. “Ele [o ministro Barroso] defendeu e mostrou como essa pauta é importante para o funcionamento da sociedade, por se tratar de uma questão inclusiva e justa”, afirmou o geógrafo. 

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Pesquisa do Idec revela uma amostra dos impactos do aumento da passagem de ônibus para as populações mais pobres: 30% da população já deixou de ir ao médico por causa do custo do deslocamento, 37% deixaram de procurar emprego e 50% abriram mão de atividades de lazer. O mesmo estudo indica que, entre todos os entrevistados, 60% já deixaram de fazer alguma viagem em razão do preço da tarifa. “Isso prova que há uma barreira de acesso a outro direito que é gratuito, extremamente acessível, mas que, por conta do transporte, torna-se um direito limitado”, explica Rafael Calabria. 

Para o especialista, o engajamento acena para a possibilidade de projetos mais robustos e abrangentes para a questão da mobilidade no país, para além da questão eleitoral. “É interessante ver o quanto a pauta vingou nesse período. Como o setor de transporte vive uma crise, esperamos que essa experiência ajude a gerar legados positivos para debater o financiamento e a redução da tarifa do transporte no futuro”, observa.

Ele destaca ainda que a crise no setor de transporte, acentuada há décadas pelo modelo baseado no preço da tarifa, tem como resultado a perda significativa de passageiros, déficit agravado pela crise econômica ampliada na pandemia. “A diminuição de passageiros gera aumento da tarifa e isso se torna um círculo vicioso, que desencadeia no processo de esgotamento do setor e sua relação com o encarecimento social e econômico”, aponta.

O especialista também avalia que, para ser disponibilizado e garantido como direito, o transporte público necessita de mais fontes de financiamento para garantir o pleno acesso à mobilidade. “É um tema menosprezado pela sociedade de forma geral e pelos técnicos do setor, mas é necessária essa mudança de visão, porque se trata de uma questão gravíssima”, critica Rafael Calabria.  

Em meio à mobilização do movimento Passe Livre pela Democracia, o especialista destaca a importância da iniciativa não apenas para o exercício da cidadania, mas também para uma amplificação do debate sobre direito ao transporte. “Esperamos que esse piloto de transporte totalmente gratuito, acessível, contribua para melhorar a discussão sobre transporte coletivo no país, além de auxiliar o debate sobre democracia, direito ao voto e a necessidade das pessoas votarem.”

Entenda a discussão do passe livre eleitoral no STF

O ministro do STF, Luís Roberto Barroso
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Setembro | O ministro do STF e relator do caso, Luís Roberto Barroso, respondeu inicialmente a um pedido da Rede Sustentabilidade, feito em setembro, em prol da concessão do passe livre eleitoral em todo o Brasil. A ação movida pelo partido foi motivada pela notícia de que Porto Alegre (RS), que historicamente oferecia passe livre nos dias das eleições, decidiu pela não gratuidade no final de 2021. A decisão foi contestada posteriormente e foi possível deslocar-se gratuitamente para votar na capital gaúcha no dia 02 de outubro. 

Por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1013, a Rede argumentou que o Estado deveria garantir a todos os cidadãos, em especial os mais pobres, o direito ao voto, que é obrigatório, e estimular o exercício da democracia. O partido associou o índice de abstenção registrado no primeiro turno eleitoral à pobreza e falta de condições econômicas para arcar com o deslocamento para votar, o que impactaria desproporcionalmente o voto de grupos mais vulneráveis. 

No primeiro turno, o pedido foi negado: apesar de considerar a proposta positiva e coerente com a Constituição, o ministro ponderou que a gratuidade universal só poderia ser concedida mediante lei e previsão orçamentária específicas. No entanto, as cidades que já promoviam a política poderiam continuar a fazê-la. Com isso, ao menos 346 cidades brasileiras promoveram o passe livre eleitoral no primeiro turno, incluindo as capitais Boa Vista, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Luís. 

“A medida postulada é uma boa ideia de política pública e guarda plena coerência com o texto constitucional. O empobrecimento da população, como decorrência do grave quadro da pandemia de Covid-19 no país, bem como do aumento da inflação, torna ainda mais acentuadas as dificuldades enfrentadas por eleitores pobres para custear o seu deslocamento até as seções eleitorais. Idealmente, caberia ao Poder Público arcar com essas despesas. No entanto, sem lei e sem prévia previsão orçamentária, não é possível impor universalmente a obrigação almejada, especialmente a poucos dias do pleito eleitoral. O dispêndio necessário ao cumprimento, em todos os municípios do país, da política de gratuidade do transporte público no dia das eleições é de valor desconhecido e não foi considerado pelos municípios ou pela Justiça Eleitoral. Seria irrazoável determinar esse ônus inesperado ao Poder Público às vésperas do dia das eleições”, diz a decisão.  

Outubro | Em 18 de outubro, o ministro manifestou-se novamente, atendendo ao pedido de esclarecimento da Rede Sustentabilidade. Na nova decisão, ficou autorizado que as prefeituras e companhias de trem, metrô e ônibus podem garantir voluntariamente transporte de graça para os eleitores, sem correr o risco de serem acusadas de crime eleitoral ou improbidade administrativa. O ministro completou que se trata da garantia constitucional do direito de voto e, por isso, não pode haver qualquer discriminação de posição política. 

“Fica reconhecido que os municípios podem, sem incorrer em qualquer forma de ilícito administrativo, civil, penal ou eleitoral, promover política pública de transporte gratuito no dia das eleições, em caráter geral e sem qualquer discriminação, como forma de garantir as condições materiais necessárias para o pleno exercício do sufrágio ativo por parte de todos os cidadãos“, escreveu Barroso. 

A decisão do STF, no entanto, não obriga as cidades a oferecer o passe livre, argumentando que “não seria razoável impor a execução obrigatória e universal da oferta de transporte público gratuito no dia das eleições, por todos os municípios do país, sem lei e sem prévia previsão orçamentária”. 

No entanto, considerou “altamente recomendável que todos os municípios que tivessem condições de adotar tal medida o fizessem prontamente” e frisou que as cidades “que já ofereciam o serviço de transporte público urbano coletivo de passageiros gratuitamente, seja pelo domingo, seja pelo dia das eleições” não podem interromper os serviços ou a gratuidade no próximo dia 30 de outubro. Leia, aqui, a íntegra da decisão do STF sobre o passe livre nas eleições de 2022.

No dia 19 de outubro, o Supremo formou maioria no apoio à decisão do relator. Concordaram os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, que também é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Kassio Nunes Marques divergiu e votou contra a decisão. 

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