publicado dia 22 de novembro de 2021
Maré de Sabores: empoderamento feminino, impacto social e cultura das favelas
Reportagem: gabryellagarcia
publicado dia 22 de novembro de 2021
Reportagem: gabryellagarcia
Uma iniciativa surgida em 2010, a Maré de Sabores, atua nas 16 comunidades do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, encorajando o protagonismo feminino como uma ferramenta de transformação social naquele território. A chef de cozinha Mariana Aleixo é a criadora e coordenadora do projeto que trabalha pela inserção das mulheres no mercado de trabalho.
Nascida e criada na Maré, Mariana afirma que o projeto está diretamente ligado à organização de ações, que acabam emergindo dentro das comunidades, e também a uma valorização dos saberes locais e seus atores. De família nordestina, ela estava cursando a faculdade de gastronomia quando se questionou sobre a relação da cozinha com a experiência do território.
“Essa trajetória acadêmica não colocava a cultura nordestina em um lugar de destaque e também não valorizava a experiência de território da favela. Isso me incomodava; também sentia uma inquietação pelo fato de que a refeição de um casal em um restaurante caro era o salário que eu recebia (pelo trabalho de um mês). Esses questionamentos vieram de dentro da cozinha e os caminhos começaram a ser organizar. Sou filha de empreendedores da Maré e levo muito em conta a condição territorial”.
O projeto surgiu em 2010 também com a intenção de melhorar a alimentação das crianças da comunidade a partir da formação de mulheres em gastronomia. Dessa forma, Mariana imaginou um impacto direto no território, a partir da qualificação profissional. Mas não foi só: uma formação em ‘gênero e sociedade’ também passou a ser ofertada para que se pensasse nas condições das mulheres dentro de um contexto social, incluindo mercado de trabalho. Então, foram olhares e ações que se somaram.
“Formar mulheres é pensar na sua condição de vida e fazer pensarem e se organizarem para serem melhor remuneradas. Há também uma formação política para discutir questões de raça e gênero que dizem muito das questões da sociedade. O projeto foi o embrião da Casa de Mulheres, que temos na Maré, e é um reconhecimento à luta e conquista de direitos de territórios da Maré, que são liderados por mulheres”.
Com o passar do tempo e crescimento do projeto Maré de Sabores, foi criado também um buffet que pudesse ser um espaço coletivo de geração de renda para essas mulheres da comunidade. Assim, elas passaram a se ver e ocupar um espaço também como empreendedoras.
“O buffet pode representar o território na cidade, falando da Maré e rompendo estereótipos da favela. Podemos pautar isso na cidade e fazer as pessoas experimentarem e repensarem a cidade. Romper com esse lugar e imaginário, que é determinado pela mídia de pensar que os territórios de favela não produzem culturas, quando na verdade criam alternativas e contribuem para um imaginário mais inclusivo”.
Atualmente, além do curso de gastronomia, do buffet que empregas mulheres da própria comunidade e da formação de gênero e sociedade, o projeto também acolhe as mulheres com atendimentos sociais, jurídicos e psicológicos.
O projeto, assim como todo o setor de serviços, foi muito impactado pela pandemia e por um longo período sem a realização de eventos. Então, para que as mulheres não ficassem desamparadas, a Maré de Sabores se reinventou para continuar gerando trabalho e renda. Com o apoio e investimento de empresas parceiras e com um olhar voltado para a população mais vulnerável que estava nas ruas, foram distribuídas 120 mil quentinhas de março de 2020 a outubro de 2021.
Além disso, desde o início do projeto, cerca de 800 mulheres já foram formadas pelo programa. Desse total, foram gerados trabalhos diretos para, pelo menos, 200 mulheres dentro do buffet. Nesse espaço, já foram realizados mais de 2 mil eventos desde o seu nascimento.
Mariana, com toda sua bagagem da formação em gastronomia e passagem por grandes restaurantes cariocas, ainda enxerga uma gastronomia bastante elitizada no Brasil. “Está dentro de um repertório elitista, não temos, por exemplo, um repertório no Brasil de uma gastronomia africana. Isso sempre me incomodou porque é uma formatação de gastronomia muito limitadora”.
A chef também destaca que a gastronomia é a representação da cultura e da identidade dos territórios, em uma conexão com a ancestralidade, mas que essas memórias acabam sendo apagadas para darem lugar ao jeito hegemônico de se pensar a alimentação, seus pratos e temperos.
“Na faculdade não tive formação de gastronomia africana e nordestina, fica muito específica e limitada. Aprendemos muito mais referências internacionais do que sobre nós mesmos. É um lugar que repete tradições européias e não faz sentido no Brasil porque não traz uma cultura inclusiva e popular, que valorize pessoas que não são hegemônicas. A gastronomia pode repartir seus saberes a partir de uma lógica coletiva que não deveria ser elitizada. A gastronomia é o que se come, produz cultura e a favela faz isso o tempo todo. Espaços periféricos representam a memória a partir da música, comida e cultura”, finaliza.
Leia também