publicado dia 29 de agosto de 2025
“Adultização é uma forma de supressão da infância”
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 29 de agosto de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Ariel de Castro Alves, membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, analisa a aprovação do PL 2628/22 (PL contra a Adultização) pelo Congresso, a adultização das infâncias e quais ações são necessárias para protegê-las no ambiente digital.
A proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital ganhou atenção nacional em agosto de 2025, após a viralização de vídeo do influenciador Felca sobre a adultização e a falta de segurança das infâncias na Internet.
Leia Mais
A denúncia extrapolou as redes e impulsionou a aprovação do Projeto de Lei 2628/22 (apelidado de PL contra a Adultização ou ECA Digital) no Congresso Nacional.
Com 16 capítulos e 41 artigos, o projeto reforça a proteção integral promovida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e busca enfrentar os novos desafios colocados pelo ambiente digital. Entre eles, a exposição e indução de comportamentos sexualizados por menores de idade, risco de exploração sexual, violência, bullying e publicidade predatória.
Na esteira das discussões sobre o PL 2628/22 na Câmara dos Deputados e no Senado, outras iniciativas semelhantes ganharam projeção.
É o caso de uma liminar provisória concedida pela 7ª Vara do Trabalho de São Paulo na quarta-feira (27/08), que determinou que o Facebook e o Instagram — ambas redes sociais administradas pela Meta — estão proibidas de permitir conteúdos de exploração de trabalho infantil artístico sem autorização judicial prévia. A medida da Justiça do Trabalho prevê multa diária de R$ 50 mil por cada criança e adolescente que se enquadre na situação.
A exploração de crianças e adolescentes na Internet, assim como a exploração sexual denunciada por Felca, está relacionada com o conceito de “adultização”, explica o advogado Ariel de Castro Alves, membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Leia Mais
“A adultização é essa exposição a conteúdos e a situações que são inadequadas para as idades, para a maturidade, para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. É uma forma de supressão da infância que resulta em consequências para a vida das crianças e dos adolescentes como traumas e sequelas pelo processo de violação de direitos fundamentais”, explica o ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
“Quando não se respeita o direito de brincar, por exemplo, se está adultizando as crianças. No passado, as crianças brincavam de ser adultos, de casinha com amigos, e isso era saudável. Agora, as crianças estão diante de conteúdos de violência e pornografia infantil e até sendo submetidas à exploração do trabalho infantil”, considera.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Ariel de Castro Alves: O PL 2628/22 é muito importante, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surgiu em 1990. Há 35 anos não imaginávamos que teríamos todo esse potencial da Internet, da inteligência artificial e do uso de celulares, tablets e computadores. Ocorreram muitas mudanças na sociedade e esse projeto de lei, que está sendo chamado de ECA Digital, é uma atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente para a era digital que nós vivemos.
O PL tem importantes previsões e novidades, principalmente a remoção imediata de conteúdos de exploração sexual, de pornografia, de assédio, de incentivo à automutilação, de instigação ao suicídio e situações que configuram crime de estelionato e cyberbullying.
“Não é mais possível que as Big Techs continuem lucrando com a violação dos direitos de crianças e adolescentes”
A proposta não interfere nas opiniões, nas reportagens jornalísticas, no direito de crítica ou liberdade de expressão, pois trata da proteção integral da criança e do adolescente, conforme prevê a Constituição e o próprio ECA, inclusive no respeito ao direito à imagem, à dignidade e também de que toda criança ou adolescente deve estar a salvo de qualquer forma de exploração, violência, opressão, constrangimento e situação vexatória. Tudo o que já temos de forma genérica na legislação brasileira, mas que é esmiuçado através desse projeto de lei.
Outro ponto é que o controle parental passa a ser obrigatório. Os pais e mães, então, deverão estar muito atentos e sempre controlar quais aplicativos e conteúdos os filhos e filhas estão acessando. O PL também traz o combate à publicidade abusiva que nós temos hoje, entre outras situações. Não é mais possível que as Big Techs continuem lucrando com a violação dos direitos de crianças e adolescentes.
Ariel: Sim, o ECA está defasado por ter surgido quando toda essa expressão da informatização mundial, a própria Internet, redes sociais, celulares, não existiam. Então, ele precisa ser atualizado.
Ele já sofreu uma atualização, por exemplo, em 2008, que prevê como crime qualquer produção, direção ou criação de conteúdos considerados pornográficos, de sexo explícito, com penas que podem chegar a oito anos de prisão.
Também valem punições da mesma forma para quem intermedia assédio, facilitando que crianças e adolescentes participem da criação desse tipo de conteúdo, de vídeo, de foto, entre outras situações. E, inclusive, pais e mães que estejam lucrando com isso.
Os crimes decorrentes da exploração sexual infantil já estavam previstos no ECA, principalmente a partir das mudanças de 2008. Já tínhamos previsto no ECA também o crime de submeter crianças e adolescentes ao vexame e ao constrangimento, com penas que podem chegar a dois anos de prisão, situações que ocorrem, frequentemente, na Internet.
Ariel: Sempre falamos para os nossos filhos não se aproximarem de pessoas estranhas, de preferência não andarem sozinhos e sempre estarem acompanhados de pessoas de confiança. A questão é que, na Internet, eles estão sozinhos, vulneráveis e conversando o tempo todo com estranhos. [Com] pessoas que não se identificam, que não se sabe se criaram perfil falso, que se passam por crianças e adolescentes e são adultos ou se são criminosos como pedófilos. É um ambiente de completo risco.
Da mesma forma que não abandonamos e não podemos abandonar nossos filhos em locais perigosos, também não podemos abandoná-los na Internet.
“Na Internet, as crianças estão sozinhas, vulneráveis e conversando o tempo todo com estranhos”
Há também um trabalho que cabe às próprias empresas, que devem ter equipes para realizar monitoramentos. Temos que ter avisos que mostrem claramente os riscos para crianças e adolescentes e todo aplicativo ou jogo deve ter a indicação de idade adequada.
Junto ao PL 2628/22, no processo de regulamentação, precisamos que seja instituída classificação indicativa na internet, assim como nas TVs, cinemas, teatros e shows, além da obrigação de identificação.
O principal investimento deve ser educar as crianças e adolescentes para os riscos da Internet e como elas podem prevenir esses riscos. Como denunciar situações em que são assediadas, constrangidas, aliciadas, entre outras.
Também é necessário que, no dia a dia, pais e mães evitem a exposição excessiva e abusiva dos filhos em situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras, para que também não estejam colaborando com a violação dos direitos.
Ariel: A adultização é a exposição a conteúdos e situações inadequadas para as idades, para a maturidade, para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. A própria Constituição Federal e o ECA tratam da condição peculiar de desenvolvimento. Nós temos vários direitos e garantias fundamentais como a vida, a integridade física e psicológica, a necessidade de garantir o direito ao respeito, à dignidade, à proteção da própria imagem, além da alimentação, da Educação, da saúde, da habitação, e de outros direitos fundamentais.
“Adultização é uma forma de supressão da infância que resulta em consequências para a vida das crianças e dos adolescentes”
Essa adultização é uma forma de supressão da infância que resulta em consequências para a vida das crianças e dos adolescentes como traumas e sequelas pelo processo de violação de direitos fundamentais.
Quando não se respeita o direito de brincar, por exemplo, se está adultizando as crianças. No passado, as crianças brincavam de ser adultos, brincavam de casinha com amigos, e isso era saudável. Agora, as crianças se comportam, muitas vezes, como adultos, estão diante de conteúdos de violência e pornografia infantil e até sendo submetidas à exploração do trabalho infantil.
Além do trabalho infantil que ocorre nas ruas, com crianças vendendo doces e na agricultura, nas marcenarias e carvoarias, existem também os casos das famílias que obrigam as crianças ou as induzem a gravar conteúdos para serem monetizados. Há casos de pais e mães que deixam seus trabalhos formais para o tempo todo gravar vídeos com os filhos e lucrar com essas situações.
Ariel: A Internet não pode continuar sendo uma terra sem lei. A liberdade de expressão é um dos Direitos Humanos fundamentais, mas não pode desrespeitar os demais direitos, como a vida e a integridade física e psicológica.
Lembro aqui do caso de uma mulher de Guarujá (SP), que anos atrás foi exposta na Internet como se fosse sequestradora de crianças e foi linchada e morta por uma população movida pelo ódio gerado por informações falsas publicadas na Internet. Não podemos aceitar que a Internet gere mais casos graves como esse e tantos outros.
“No ano em que o ECA completa 35 anos,
é oportuno estabelecermos novas formas de proteção
da infância”
Esse debate partiu de entidades defensoras dos Direitos Humanos e das crianças e adolescentes, mas foi preciso que alguém que conhece os meandros da Internet e do mundo dos influenciadores digitais fizesse um verdadeiro dossiê em formato de vídeo para mostrar como essas violações ocorrem e como as plataformas colaboram e participam ativamente, lucrando com a exploração de crianças e adolescentes.
Então, é muito importante que esse debate seja feito no país neste momento. No ano em que o ECA completa 35 anos de existência é oportuno estabelecermos novas formas de proteção da infância e da juventude no Brasil.
Em caso de notificação ou denúncia de violação dos direitos das crianças e adolescentes, entre em contato com o Conselho Tutelar da sua região. É possível também acessar Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e denunciar por meio dos canais:
Disque 125 – Coordenação de Denúncias de Violação de Direitos da Criança e do Adolescente (Cisdeca), da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) do Distrito Federal.
Disque 100 – Disque Direitos Humanos, serviço nacional de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos.