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publicado dia 26 de setembro de 2025

Trabalho infantil no Brasil cresce e expõe desigualdade provocada pelo racismo estrutural

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒️Resumo: O trabalho infantil voltou a crescer no Brasil no último ano, com 34 mil novos casos em 2024. Os dados revelam a persistência e a face racial do trabalho infantil, que atinge sobretudo crianças e adolescentes negros.

O Brasil voltou a registrar aumento do trabalho infantil. São 1,650 milhão de crianças e adolescentes nessa situação, com 34 mil novos casos registrados em 2024. O crescimento (2,1%) acende o alerta sobre os fatores que levam meninos e meninas, em especial adolescentes negros, a esse cenário de vulnerabilidade. 

As informações são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – Trabalho de Crianças e Adolescentes 2024, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 19 de setembro. Apesar do aumento captado pela última pesquisa, o trabalho infantil no país acumulou queda de 21,4% entre 2016 e 2024. 

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Ainda segundo o levantamento, 88,8% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil estavam matriculados na escola, percentual inferior ao total da população nessa faixa etária que frequentava a escola (97,5%).

Trabalho infantil e desigualdades territoriais 

O que é trabalho infantil

Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral. Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos. Proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), as piores formas incluem escravidão, venda e tráfico de crianças, exploração sexual e realização de atividades ilícitas.

De saída, os números mostram discrepâncias entre os contextos regionais do país. As regiões Nordeste e Sul foram as que mais concentraram aumento de casos, 7,3% e 13,6%, respectivamente. 

“No Sul, os efeitos das mudanças climáticas se fizeram presentes. Muitas crianças e adolescentes não tiveram como frequentar a escola e ficaram em situação de pobreza e vulnerabilidade. Já no Nordeste, as raízes são mais profundas e remetem à desigualdade socioeconômica histórica da região, que leva à evasão escolar e à necessidade de complementar a renda familiar”, interpreta Katerina Volcov, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

A face racial do trabalho infantil

Os dados mostram ainda que a maioria das crianças e adolescentes afetados são negros e pobres.

Dentro deste recorte, os meninos negros são os mais prejudicados. Eles correspondem a 66% da população de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil em 2024. 

Trabalho infantil no Brasil cresce e expõe desigualdade provocada pelo racismo estrutural
Persistência do trabalho infantil no Brasil expõe herança colonial e escravocrata.

Para Katerina, esse índice não pode ser ignorado, pois expõe a herança colonial e escravocrata que constituiu o país. 

“Temos que levar em consideração que a população preta brasileira é a que está em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica. Esses dados revelam que o histórico da escravidão no país reverbera até os dias de hoje”, resume.

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Aumento da incidência do trabalho infantil revela falha de políticas públicas 

Para Marcele Frossard, coordenadora de programa e políticas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o aumento da incidência do trabalho infantil, bem como seu recorte racial, mostra como esses sujeitos permanecem à margem das políticas públicas, o que se relaciona diretamente com o acesso à Educação. 

“O estudo ‘Infâncias e Adolescências Invisibilizadas’ evidencia que eles são ‘visíveis de fato, mas invisíveis de direito’, uma vez que o Estado reconhece-os nos dados, mas falha em garantir condições adequadas de acesso, permanência e aprendizagem na escola”, diz.

Lançado em 2021 e elaborado pela Campanha em parceria com organizações da sociedade civil, o estudo reúne oito pesquisas que, atravessadas pelo viés da raça e gênero, evidenciam como diferentes grupos de crianças e adolescentes — em situação de rua, trabalho infantil, migrantes, em áreas rurais, assentamentos e territórios urbanos vulneráveis — são diretamente afetados pela não realização do direito à educação e, portanto, ficam sujeitos à reprodução de vulnerabilizações históricas. 

Segundo Marcele, a pesquisa mostra que o racismo estrutural compromete não só o acesso, mas a permanência desses indivíduos na escola ao se manifestar nas desigualdades socioeconômicas que ampliam o risco de evasão e na violência institucional e simbólica que deslegitima suas identidades e culturas. 

“Somado à maior exposição ao trabalho infantil, esse contexto faz com que estudantes negros enfrentem barreiras adicionais para permanecer e se desenvolver plenamente no ambiente escolar. Por isso, a importância da Educação em uma perspectiva antirracista”, diz.

Educação Antirracista e outros caminhos

Práticas pedagógicas que valorizam as identidades, culturas e histórias de estudantes negros, indígenas, quilombolas e com deficiência, buscando combater as desigualdades educacionais que afetam essas populações são caminhos para reverter esse cenário de exclusão. 

É o que prescreve a publicação “Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil”.

🔎Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental

Desenvolvida com o apoio estratégico da Porticus pela Cidade Escola Aprendiz, a Roda Educativa e a Ação Educativa, em parceria com 25 organizações e movimentos sociais, a publicação gratuita reforça a indissociabilidade da Educação Integral e da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), reconhecendo que ambas caminham lado a lado no compromisso de construir Educação democrática, emancipatória, contextualizada e significativa.

Produzido pela Cidade Escola Aprendiz em parceria com a Roda Educativa e a Ação Educativa, o material é gratuito.

Dirigida para Secretarias de Educação, escolas e educadores, a publicação traz reflexões e práticas para combater as desigualdades educacionais, especialmente as que afetam as populações negras e indígenas.

Ao mesmo tempo que aponta esse prognóstico, no entanto, a publicação reconhece as lacunas quando o tema é Educação para as Relações Étnico-Raciais. 

Segundo o material, apenas sete estados têm mais de 30% de suas cidades com políticas de Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) nas redes municipais.

Educação Integral Antirracista e formação docente 

As Diretrizes enfatizam a importância de uma abordagem que considere as diversidades socioculturais dos alunos, promovendo um ambiente escolar inclusivo e representativo. Além disso, destaca a necessidade de formação docente para lidar com questões de racismo e diversidade. 

A ausência desse compromisso, diz Marcele, abre caminho para o aumento da evasão. 

O racismo assume diferentes formas no cotidiano e, quando não reconhecido, faz com que os alunos não se sintam acolhidos ou parte da comunidade escolar. Há uma demanda urgente por formação de professores, de modo que o racismo seja nomeado como tal — e não reduzido a situações de bullying, por exemplo —, e que as diversidades da população brasileira sejam efetivamente consideradas tanto no planejamento pedagógico quanto na mediação de conflitos”, diz.

Educação, infraestrutura e condições para o aprendizado

Outro caminho fundamental é o investimento na educação pública de qualidade. Segundo o Fórum Nacional de Educação no Campo (FNEC), mais de 100 mil escolas rurais foram fechadas no Brasil desde 2000. Isso representa 59% do total de escolas fechadas nesse período. 

“Isso implica diretamente no acesso à Educação dessa população. Mesmo considerando as que estão em funcionamento, há escolas em péssimas condições de infraestrutura”, lamenta Katerina. 

Quando o assunto são as emergências climáticas, o aumento médio da temperatura global coloca em xeque um número enorme de escolas brasileiras em situação precária. 

“Há excesso de alunos por sala, com sensação térmica de 50 graus, sem ar condicionado. No Norte, as secas que afetaram a região impossibilitaram crianças e adolescentes de ir à escola, pois os rios secavam e não havia como fazer o transporte por água até elas. Não basta garantir acesso à Educação, é preciso considerar quais as condições dessas escolas para que haja aprendizado”, defende a gestora.

Trabalho infantil: atividades perigosas e degradantes 

Outro dado alarmante do relatório do IBGE é que 560 mil crianças e adolescentes estão em atividades de trabalho infantil consideradas que fazem parte da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), instituída pelo decreto Nº 6.481/2008. São atividades que colocam em risco a saúde, a segurança, a moral ou a dignidade.

Entre os principais, estão atividades insalubres ou perigosas, trabalho em transporte e vias públicas, exploração sexual e atividades ilícitas, trabalho doméstico degradante, atividades que afetam a moral, dignidade ou integridade psicológica e setores específicos de alto risco. 

“Há os casos, por exemplo, de adolescentes que usam aplicativos para entregar comida, um tipo de trabalho degradante, pois, mesmo de bicicleta, eles estão colocando suas vidas em perigo”, explica Katerina. 

Trabalho infantil, adultização e plataformas digitais 

O que é adultização
Aplicação do ECA Digital (Lei contra Adultização) é passo importante para prevenir o trabalho infantil no ambiente digital.

O trabalho infantil em plataformas digitais é outra preocupação. “De influenciadores mirins a empreendedores infantis digitais – que vendem trufas, cadernos, artesanatos e outros produtos pela Internet -, cada um desses contextos têm impactos e exigem atenção específica. A aplicação do ECA Digital será um passo importante para prevenir o trabalho infantil e erradicar algumas formas de exploração nesse ambiente”, diz Katerina.

Sancionada em setembro de 2025, a lei aproxima o Estatuto da Criança e do Adolescente do contexto digital estabelece regras para proteger crianças e adolescentes na internet. 

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Segundo Marcele, garantir o acesso e a permanência escolar continua sendo a forma mais eficaz de prevenir o trabalho e outras formas de exploração infantil. 

“A escola garante esse ambiente seguro, alimentação adequada, acompanhamento por profissionais capazes de identificar mudanças nessas crianças e jovens e acionar, se necessário, a rede de assistência social e de saúde. Quando a criança está fora da escola, ela também está fora dessa rede de proteção”. 

Trabalho infantil negro é maior por herança da escravidão

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