publicado dia 3 de abril de 2024
Plano Juventude Negra Viva mira redução da letalidade e garantia de direitos
Reportagem: Carol Scorce
publicado dia 3 de abril de 2024
Reportagem: Carol Scorce
📄Resumo: Liderado pelo Ministério da Igualdade Racial, o Plano Juventude Negra Viva (PJNV) tem como foco a redução da letalidade contra as juventudes negras do país, além do enfrentamento ao racismo estrutural. As propostas, que deverão ser executadas intersetorialmente por 18 ministérios, foram elaboradas a partir da escuta de 6 mil jovens em todo o Brasil. O investimento será de R$ 665 milhões.
“Me ver pobre, preso ou morto já é cultural”. O verso, extraído do clássico rap dos Racionais MC’s Negro Drama, expressa de forma poética as graves desigualdades e o alto índice de letalidade que atinge, em especial, a população jovem e negra no Brasil.
Pela sua importância e simbologia, o verso foi escolhido para o prefácio do Plano Juventude Negra Viva (PJNV), anunciado no Dia Internacional da Luta contra a Discriminação Racial (21/03) pelo governo federal.
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Com 217 ações e 43 metas específicas, trata-se de uma política pública intersetorial, executada por 18 ministérios e liderada pelo Ministério da Igualdade Racial. Seu principal objetivo é garantir o direito à vida para a juventude negra, bem como a redução das desigualdades e o combate ao racismo estrutural.
Mas, afinal, por que o Brasil precisa de uma política pública específica para manter a juventude negra viva?
🔗Acesse e leia o Plano Juventude Negra Viva na íntegra
Alguns dados ajudam a contextualizar: adolescentes negros são 87,8% das vítimas de homicídio no Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022). Entre 2012 e 2022, 400 mil pessoas negras foram assassinadas, o que representa 72% dos homicídios registrados na década.
De acordo com o Plano Juventude Negra Viva, os números apontam para uma “necropolítica que vitimiza jovens negros em larga escala”.
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Na prática, apesar de a legislação brasileira vedar qualquer forma de discriminação e criminalizar o racismo, o Brasil perpetua arranjos institucionais que têm garantido a sobrevivência da desigualdade racial.
Em 2017, o risco relativo de morte (ou seja, a chance de um jovem negro ser morto no Brasil) era 2,9 vezes superior à de um branco. Apesar da redução da violência nos anos seguintes, em 2021 a chance de um jovem negro ser assassinado era, em média, 3,2 vezes superior à de um jovem branco, um aumento de 10%.
Assim, segundo o Ministério da Igualdade Racial, o objetivo do plano é diminuir a incidência de violência fatal, mitigar as vulnerabilidades sociais enfrentadas por jovens negros e combater o racismo estrutural.
Com orçamento de R$665 milhões, as ações e metas específicas estão divididas em 11 eixos, cobrindo aspectos que vão de Saúde, Educação, Cultura e Segurança Pública até geração de Trabalho e Renda, Esportes, Ciência e Tecnologia. Outros pontos contemplados pelo Plano Juventude Negra Viva são o fortalecimento da democracia, Meio Ambiente, Direito à Cidade e valorização dos territórios.
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Entre as ações previstas, estão um projeto nacional de uso de câmeras corporais (além de treinamento e capacitação) para policiais com o objetivo de aumentar a fiscalização e reduzir a letalidade, bolsas para jovens negros inscritos em cursos profissionalizantes dos institutos federais e uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens.
Articulado pelo Ministério da Igualdade Racial e pela Secretaria-Geral da Presidência da República, o Plano Juventude Negra Viva foi desenvolvido com base nas demandas dos próprios jovens negros, grupo que corresponde a 23% da população brasileira.
Em 2023, as pastas realizaram caravanas participativas em todos os estados e no Distrito Federal. Ao todo, cerca de 6 mil jovens participaram ativamente da elaboração do plano.
A principal demanda da juventude negra identificada no processo de escuta foi “viver em um país que respeita e investe na vida dos jovens negros”.
Para o coordenador do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) responsável por elaborar o plano, Luiz Paulo Bastos, as caravanas “foram um importante momento de fortalecimento democrático, reabrindo o diálogo com jovens que nos últimos anos ficaram sem espaço de fala”, contextualiza ele, que também é coordenador-geral de Políticas para a Juventude Negra no Ministério da Igualdade Racial.
O levantamento também possibilitou fazer o diagnóstico do plano ao longo de 2023, mapeando problemas e soluções em diferentes regiões e territórios brasileiros.
Segundo Luiz Paulo Bastos, as questões mais recorrentes trazidas pelos jovens dizem respeito à Saúde, em especial à atenção à Saúde Mental, bem como o acesso à Educação.
No caso da Saúde Mental, uma das iniciativas idealizadas é o atendimento psicossocial especializado para as famílias de jovens assassinados.
“As famílias desses jovens assassinados ficam dilaceradas, sem a possibilidade de reconstruir suas vidas”, justifica o coordenador. “Junto com Ministério da Saúde, queremos dar atenção a este aspecto, para depois aumentar a política de saúde mental para a própria juventude, afetadas também de forma subjetiva pelas muitas faces do racismo na sociedade”, afirma.
No campo da Segurança Pública, a política de combate às drogas foi a mais citada, uma vez que impacta diretamente nos altos índices de jovens negros presos e mortos por agentes do Estado.
Segurança pública como cidadania e acesso à justiça
No âmbito da Segurança Pública, uma contribuição importante do Plano Nacional Juventude Negra Viva é a formulação de uma política pública orientada para a Cidadania.
Assessora especial do Ministério da Justiça, Tamires Sampaio explica que para atacar as causas da mortalidade dos jovens negros é preciso pensar, sobretudo, na garantia dos direitos essenciais, como a inserção produtiva a partir da Educação, além da promoção de oficinas e políticas de Esportes, Saúde e Moradia.
Tamires Sampaio também é coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), principal iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública dentro do Plano Juventude Negra Viva. A especialista explica que o programa é focalizado em jovens de extrema vulnerabilidade, que irão receber uma bolsa de R$ 500.
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“Tem uma parcela da juventude na rota da violência que não tem nenhum caminho para sair dela. Nós queremos ir atrás desses, que estão totalmente desassistidos pelo Estado, família e comunidade”, detalha
Além da raça e cor, outra variável apontada pelo próprio Plano como determinante na questão da mortalidade é a escolaridade. Quanto mais anos de estudo, menor a mortalidade por homicídios.
Estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, para cada 1% a mais de adolescentes entre 15 e 17 anos nas escolas, a taxa de homicídios nas cidades cai em até 2%. O dado aponta para a escolaridade como um fator protetivo na vida de jovens, em uma relação direta entre completar os estudos e reduzir as condições de vulnerabilidade.
Segundo dados do Juventude Negra Viva, o peso da escolaridade se manifesta de forma distinta em cada região do país. Enquanto na região Sul um jovem com Ensino Fundamental incompleto tem 76,7 vezes mais chance de ser vítima de homicídio do que um jovem que ingressou no Superior, no Norte essa proporção cai para 21 vezes.
Uma das ações do plano para combater a evasão escolar são bolsas de pesquisa entre países do Sul Global, em especial africanos, para troca de experiências exitosas no campo da Igualdade Racial e na promoção de uma Educação Antirracista.
“Os jovens negros precisam trabalhar, e muito, para manter suas famílias. Não podemos mais achar que os jovens negros têm as mesmas possibilidades dos brancos de se manterem estudando”, afirmou Luiz Paulo, coordenador do Grupo de Trabalho Interministerial responsável pela elaboração do Plano.
O Plano Juventude Negra Viva tem projeção de 12 anos, com a previsão de ser avaliado e renovado a cada quatro anos. Governadores estaduais poderão aderir ao documento, firmando o compromisso com a juventude negra e apontando suas localidades prioritárias para o governo brasileiro executar as políticas nacionais.
Segundo o Ministério da Igualdade Racial, Amazonas, Distrito Federal, Goiás e Piauí já formalizaram as adesões.
Segundo Luiz Paulo, a adesão não deve ser encarada pelos entes federados apenas como um documento, “mas como um compromisso que compreende a divisão de responsabilidades.”
O coordenador lembra que a execução de políticas públicas em pastas como Saúde e Educação são de competências das gestões estaduais e municipais, e que por isso a articulação com lideranças políticas e comunitárias será imprescindível para o sucesso das ações previstas.