publicado dia 9 de maio de 2023
Como incluir a população negra no planejamento urbano?
Reportagem: Ana Júlia Paiva
publicado dia 9 de maio de 2023
Reportagem: Ana Júlia Paiva
Como incluir a população negra na discussão sobre os rumos das nossas cidades? No caso do planejamento urbano de São Paulo (SP), cujo Plano Diretor Estratégico (PDE) está em revisão, aspectos como segurança pública, direito à moradia e direito à memória devem ser considerados para construir uma cidade com mais equidade e respeito aos direitos da população negra.
No entanto, pensar o planejamento urbano de forma interseccional não é algo intuitivo. O conceito refere-se a uma ferramenta analítica importante para entender as sobreposições de desigualdades e opressões existentes na sociedade, bem como analisar as relações de raça, classe e gênero, por exemplo.
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Ao adotar uma perspectiva interseccional, é possível pensar nos impactos para diferentes segmentos da sociedade, ao invés de uma visão universal. E o universal, muitas vezes, significa branco, masculino e rico.
Como explica a arquiteta, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Ana Barone, o urbanismo moderno tem um caráter universal. Ou seja, defende a ideia da universalidade de direitos e das suas conquistas.
No entanto, quando se olha para os territórios e para a realidade, “o caráter universalista do urbanismo é voltado, na verdade, ao segmento da população que ele enxerga como o representante do todo: que é branco, heterossexual e rico.” Com isso, quase sempre é este segmento da sociedade que é privilegiado em discussões e definições sobre políticas públicas, como o Plano Diretor.
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Isso acaba sendo uma contradição numa cidade que reúne um quinto de toda população feminina do Brasil, como mostra a pesquisa publicada em 2023 pela Fundação Seade do Governo de São Paulo.
Da mesma forma, São Paulo é a cidade numericamente mais negra do Brasil, com cerca de 37% de sua população autodeclarada como preta e parda, num total de aproximadamente 4 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022.
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E a maioria desta população negra vive nas periferias da cidade, segundo o Mapa da Desigualdade 2022, organizado pela Rede Nossa São Paulo. Assim, a população negra no Grajaú, extremo sul de São Paulo, é de 60%, enquanto em Moema, região rica da zona sul, esse número cai para apenas 6% da população total.
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“A importância da pauta interseccional reside em mostrar que o urbanismo precisa ser mais abrangente, muito mais flexível, e abarcar outras populações, com as culturas pertinentes a cada uma delas, que acabaram ficando negligenciadas”, explica Ana Barone.
Em entrevista ao Educação & Território, Ana Barone sintetizou o artigo “Tópicos em política urbana para a população negra”, com co-autoria de Maria Gabriela Feitosa, com sugestões para o desenvolvimento de políticas públicas para o planejamento urbano, apresentado no âmbito do Fórum SP 23, realizado em São Paulo no final de abril. A especialista também participou da mesa-redonda “Interseccionalidade: gênero, raça e diversidade” no evento. Assista na íntegra abaixo:
Em primeiro lugar, explica Ana Barone, é preciso uma política de segurança pública que guarde a vida da juventude negra na cidade. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, pessoas negras são a maioria das vítimas de crimes violentos (77%) e em mortes por intervenção policial (84%).
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A política de habitação é o segundo ponto levantado. Para Ana, é preciso ir além da aquisição da casa própria, foco da atual política nacional de habitação. “Defendemos outras modalidades e que ela também seja mais abrangente, pensando nos espaços e questões culturais”, explica ela, destacando também políticas como saúde, lazer, cultura e educação. As chamadas políticas da vida, fundamentais para a sobrevivência, também expressam grande desigualdade de acesso entre as populações brancas e negras.
“Questionamos como é a assistência à população negra nessas áreas. São campos de atuação que deveriam favorecer as dinâmicas da vida, sociabilidade, desenvolvimento cultural e da formação, além dos cuidados com a saúde, o que, num todo, formalizariam um combate à desigualdade racial”, explica.
As especialistas também destacam a questão do direito à memória no espaço público e questionam quais são as datas e personagens homenageados na cidade.
“Temos pouquíssimas pessoas negras celebradas no espaço público, e a nossa história é repleta de negros e negras dignos de orgulho e reconhecimento, que precisariam ser celebrados e expostos para que a população negra se veja representada no espaço público”, diz Ana.
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Além do direito à memória e representatividade na cidade, a autora também destaca o direito à espiritualidade, com uma política capaz de combater o racismo religioso e proteger as religiões de matriz africana e afrobrasileira.