Resgate de identidade cultural caiçara transforma vila de pescadores em território educativo em SC
Publicado dia 16 de novembro de 2022
Publicado dia 16 de novembro de 2022
O resgate de tradições da comunidade de pescadores em Taquaras, em Balneário Camboriú (SC), é o ponto de partida para o trabalho pedagógico realizado pelo Núcleo de Educação Infantil Taquaras, escola localizada em uma área de proteção ambiental, a 12 quilômetros do centro turístico do litoral catarinense.
Iniciado em 2021, o trabalho com as crianças considera principalmente os fazeres e saberes locais que já desapareceram ou que se encontram ameaçados, como a pesca artesanal, a produção de farinha de mandioca ou a música da folia do Terno de Reis.
“A escola começou a considerar esses conhecimentos quando percebeu o compromisso social envolvido, que é o de salvaguardar esses saberes e fazeres centenários, que corriam sérios riscos de desaparecer se não fosse o trabalho realizado pela escola e por grupos culturais para que sejam relembrados”, explica a professora Jaqueline Weiler, uma das envolvidas no projeto realizado pela escola.
Ao incorporar manifestações culturais transmitidas oralmente pela comunidade e os conhecimentos acerca da produção artesanal de farinha às aprendizagens das crianças, a escola valoriza e atua contra o apagamento das tradições, apoiando a transformação do vilarejo em território educativo.
O trabalho de reconhecimento da herança cultural caiçara se tornou uma das dez experiências vencedoras da 6ª edição do Prêmio Territórios, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake, realizada em parceria técnica com a Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.
Na trilha do engenho da mandioca
Envolvendo 50 crianças pequenas de até 4 anos, o projeto tem como centro a produção artesanal da farinha de mandioca, atividade tradicionalmente praticada há mais de 100 anos na região. A proposta é, a partir da escuta ativa das crianças, promover um exercício de fortalecimento e pertencimento da identidade cultural caiçara.
“Elas aprendem sobre os elementos e instrumentos usados nessa prática”, conta a professora. De acordo com Jaqueline, a experiência contribui para que as famílias da comunidade vejam a escola como parceira no trabalho de compartilhar os saberes ancestrais nas salas de aula.
“Levar os saberes da produção de farinha de mandioca para a escola faz com que as pessoas envolvidas neste trabalho se sintam relevantes e valorizadas socialmente, resgatando a identidade da cultura local”, reflete a educadora.
O resgate dos conhecimentos locais, aliado a pesquisas e ao mapeamento dos saberes infantis, resultou na criação do jogo educativo “Na trilha do engenho da mandioca”.
Para a arquiteta, urbanista e diretora do Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Ohtake, Carol Tonetti, o protagonismo das crianças e a manutenção das tradições do território são os destaques da experiência.
“As crianças estavam interessadas em entender a produção da farinha de mandioca porque viam seus pais e principalmente avós trabalhando com a farinha”, lembra. Além disso, chama a atenção o papel do projeto para a preservação dos conhecimentos tradicionais da comunidade. “A escola valorizar esse conhecimento tradicional é uma maneira de resistência do território, porque se essa população não reconhecer esse modo de vida como uma condição muito única e integrada a esse ambiente da pesca, da farinha, do folclore local, eles podem desaparecer.”
Um currículo cheio de vida
Em meio aos desafios vividos pela educação no Brasil, a experiência realizada na comunidade de Taquaras se propõe a estreitar a lacuna histórica entre a escola e os territórios onde elas estão inseridas. Para a professora Jaqueline, os saberes comunitários dão vida ao currículo pedagógico da Educação Infantil.
“Quando olhamos para os documentos norteadores da educação, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), temos uma parte comum e outra diversificada, que é colocar no currículo aquilo que é pertinente a uma realidade ou território específico”, explica. “Para mim, é aí que o currículo de fato se torna pulsante e encharcado de vida”.
A professora ressalta a força da escuta genuína das crianças para a preservação da identidade cultural, dos costumes e modo de vida da centenária vila de pescadores no litoral catarinense. “Quando nós escutamos, somos atravessados por aquilo que elas carregam, pelos saberes e fazeres dos seus ascendentes, por suas tradições, manifestações, rituais. E sim, tudo isso é currículo. Tudo isso é urgente. Tudo isso é educação.”
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