publicado dia 9 de março de 2021
Urbanismo social em Medellín (COL)
Reportagem: Da Redação
publicado dia 9 de março de 2021
Reportagem: Da Redação
Conforme o arquiteto Alejandro Echeverri, Medellín soube disseminar a ideia de que esteve imersa em processo de inclusão e transformação urbana. Anualmente a cidade recebe incontáveis visitantes que, segundo o colombiano, parecem mais convencidos do que os próprios moradores sobre como a cidade encontrou respostas aos seus desafios sócio-espaciais. Atuando com a Universidade Nacional da Colômbia e famílias vítimas de conflitos armados entre final de 2014 e início de 2016, observei nuances entre os avanços que a cidade vivenciou a partir de sua atuação direta em territórios em situação de vulnerabilidade e desafios que persistem com o aumento da desigualdade sócio-econômica.
Matéria publicada originalmente no Archdaily Brasil, com o título Como Medellín entende o que é o urbanismo social. A autoria é de Mariana Morais.
Enquanto conversava com o Jorge Perez Jaramillo, diretor de planejamento do município de 2012 a 2015, o arquiteto comentava que desde a década de 1990 a cidade vivia processos de transformações urbanas. “Não tínhamos outra coisa a fazer a não ser experimentar mudanças profundas”, contava. Sua população quadruplicou em um curto período, em um território conformado em meio aos desdobramentos da cordilheira andina. Por conta dos conflitos armados que seguem expulsando camponeses, a Colômbia é um dos países com maior número de desalojamentos internos, e Medellín, uma das cidades que mais recebem famílias vítimas desses conflitos.
É importante compreender alguns pontos da história urbana colombiana para analisar as recentes mudanças de Medellín. Para o professor Luis Fernando Escobar, as formulações da política urbana e a produção acadêmica elaborada nas últimas décadas contribuíram para desencadear a partir das administrações municipais as mudanças a partir da década de 1990. Com a perda da vida pública pelo violência urbana e narcotráfico, o resgate da vida na rua e utilização do espaço público pelo cidadão foi uma temática amplamente pautada pela academia e posterior respaldada por instrumentos legais, vinculados também ao processo de aumento de autonomia dos municípios a partir da formulação de nova constituição em 1991 e a Lei de Reforma Urbana.
A partir da formulação de uma possível nova ordem urbana e espaços de cidadania vinculados ao Plano de Ordenamento territorial de Medellín e Valle del Aburrá, instituições da sociedade civil, academia, organizações comunitárias, setores privado e público se reuniram em um processo de reflexão e ação sobre os caminhos da cidade e de sua região metropolitana. Surge uma visão multidisciplinar na maneira de compreender os projetos urbanos, que começam a ser apropriadas por cada uma das administrações municipais. Medellín foi “Ciudad Viva, Ciudad Botero”, foi “Medellín Competitiva” e foi “Medellín la más educada” na administração de Sergio Fajardo (2000-2004). Nesse período, o objetivo era “levar o melhor para os mais pobres”. Os PUIs – Proyectos de Urbanización Integrales, buscavam integrar as áreas de transporte, saúde, espaço público e educação. Com a retomada dos espaços públicos, a taxa de homicídios baixou cerca de 70%.
Contradições surgem em meio a este laboratório urbano. Muitos questionam para quem realmente são estas mudanças e se a preocupação em “vender” a cidade não é mais forte do que o desejo de criar um território inclusivo, questionando se há de fato um processo integral que pode ser compreendido como Urbanismo Social. Os apontamentos são realizados a partir da observação de que embora muitos dos projetos se localizem em locais marcados por vulnerabilidade, a violência urbana e a desigualdade continuam marcando a cidade. Neste sentido, ao analisar de forma mais ampla discurso global sobre transformações urbanas com a Nova Agenda Urbana, Escobar (2006) comenta: “É certo que nos últimos anos a qualidade de vida de milhões de habitantes melhorou, mas o que não mudou são as causas pelas quais as múltiplas formas de pobreza, crescimento das desigualdades e degradação ambiental”.
Sabemos que a produção de bairros segregados social e espacialmente faz com que uma parcela considerável da população esteja distante não só de ter acesso a serviços básicos vitais como de representar a cidade mais inovadora e inclusiva reconhecida por mídias. Além de não chegar a todos, para que estas transformações fossem construídas, muitas famílias foram desalojadas e símbolos socialmente construídos foram demolidos, reafirmando o desejo de apagamento do passado. No entanto, algo que parece ser de comum acordo e reconhecível é que houve uma decisão de política pública de recuperar espaços físicos e cívicos que tinham sido perdidos. Neste sentido, a arquitetura pública é compreendida como um elemento simbólico de possível resgate de valorização cidadã, localizados em áreas estratégicas conectadas por transporte público, atuando como centros de desenvolvimento social e cultural.
É um desafio compreender de forma crítica os avanços da cidade, especialmente vivenciando apenas por um recorte curto de tempo e considerando que grande parte da história narrada hoje é feita por urbanistas que estiveram envolvidos na administração municipal e a partir de prêmios e reconhecimentos. A ressalva que busco enfatizar é que é necessário seguir avançando para que a cidade de Medellín ofereça um habitat digno para sua população, que se mantém exposta a violências. Algo que acredito que merece reconhecimento é a reação que os atores em conjunto puderam materializar no urbano, a partir da construção das condições favoráveis em um momento não imaginável: construção de vontade e interesse políticos, qualificação e conhecimento técnico interno, estabelecimento de parcerias e possibilidades econômicas. Talvez o que seja possível extrairmos, seja esta construção de condições e uma ação transversal, que considera tanto a abrangência imagética, pautada na disseminação midiática, por slogans e símbolos arquitetônicos, quanto a oferta exaustiva de infra-estrutura urbana em lugares muitas vezes não considerados no planejamento urbano neoliberal.