publicado dia 24 de julho de 2025
Violência contra crianças e adolescentes persiste e cresce impulsionada por letalidade policial, diz Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Reportagem: Redação
publicado dia 24 de julho de 2025
Reportagem: Redação
🗒️Resumo: Grave e persistente, a violência e os crimes contra crianças e adolescentes cresceram no último ano. As mortes violentas e intencionais registradas na população entre 0 e 17 subiram, na contramão da tendência da média nacional. Além disso, também cresceram os casos de abandono, maus-tratos e divulgação de material com abuso sexual infantil entre 2023 e 2024. Os dados são da 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 24 de julho.
O Brasil registrou aumento de 4,2% nas mortes violentas de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos em 2024. Ao todo, 2.356 pessoas nessa faixa etária perderam a vida de forma violenta no país. Os adolescentes de 12 a 17 anos foram o grupo mais afetado, representando 89% do total de óbitos.
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Os dados são da 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta-feira (24/07) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que analisa anualmente os registros criminais de 26 estados e do Distrito Federal.
Realizado desde 2007, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública é uma ferramenta importante de transparência e diagnóstico para a elaboração de políticas públicas. O levantamento se baseia em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública.
Alta de mortes violentas de adolescentes foi puxado por intervenções policiais
Segundo a mais recente edição, o aumento das mortes violentas de crianças e adolescentes foi puxado por intervenções policiais. Em 2023, as mortes de adolescentes nessas situações corresponderam a 17% do total de assassinatos desse grupo e, em 2024, representaram mais de 19%.
Os dados das mortes violentas de crianças e adolescentes no ano passado também expõem uma forte desigualdade regional. Os estados do Norte e do Nordeste concentram as maiores taxas, com destaque para Amapá (13,6), Bahia (12,2), Ceará (10,6), Alagoas (8,3) e Pernambuco (8,2), todos muito acima da média nacional de 4,6 por 100 mil.
Além disso, crianças negras de 0 a 11 anos representaram quase 65% das vítimas de morte violenta nesta faixa etária. No caso dos adolescentes negros de 12 a 17 anos, o percentual salta para 85,1%, ou seja, ao menos 4 a cada 5 adolescentes vítimas de mortes violentas em 2024 eram negros.
Adolescentes negros representam 4 a cada 5 vítimas de mortes violentas em 2024
“Tal disparidade corrobora o peso do racismo estrutural na distribuição da violência letal no país, reforçando a sobreposição entre juventude negra e maior risco de exposição a contextos de violência”, aponta Cauê Martins, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no documento.
Paralelamente, a maioria dos registros de violência não-letal contra crianças e adolescentes, que incluem crimes como abandono e maus-tratos, também cresceu, corroborando, de acordo com o estudo, com a persistência e naturalização dessas práticas no país.
Os casos de abandono registraram as maiores altas: o abandono de incapaz cresceu 9,4%, alcançando uma taxa de 24,4 por 100 mil, enquanto o abandono material subiu 9,3%. Já os maus-tratos aumentaram 8,1% e a lesão corporal em contexto de violência doméstica, 7,8%.
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As crianças de 5 a 9 anos são as que mais sofrem maus-tratos, representando 35% das vítimas. Na sequência, aparecem as crianças de 10 a 13 anos, com 26%, e as de 0 a 4 anos, com 24%. Já os adolescentes de 14 a 17 anos correspondem a 15% das vítimas, mantendo o padrão de queda proporcional com o avanço da idade.
Em 2024, o anuário também passou a monitorar as práticas de bullying e cyberbullying, com taxas que atingem especialmente o público adolescente. O bullying apresentou uma taxa geral de 5,9 por 100 mil, chegando a 12,0 entre crianças e adolescentes de 10 a 13 anos e a 11,5 entre 14 a 17 anos. O cyberbullying, embora com taxas menores (1,1 por 100 mil no geral), tem seu impacto sobretudo na adolescência
“Os dados revelam a persistência de um quadro de violência recorrente, muitas vezes exercida no espaço doméstico ou praticada por pessoas próximas das vítimas”, afirma o Anuário
O levantamento também mapeou a produção e distribuição de material de abuso sexual infantil, que cresceu 14,1% na taxa nacional, passando de 5,5 para 6,3 vítimas de 0 a 17 anos por 100 mil habitantes. Em números absolutos, 3.158 pessoas nessa faixa etária foram vítimas desse tipo de crime em 2024.
Previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o crime de aliciamento de crianças com o objetivo de praticar ato libidinoso é uma das formas mais graves de aproximação indevida entre adultos e menores de idade, muitas vezes potencializada pelo uso das tecnologias digitais. O total de vítimas de até 17 anos passou de 1.842 em 2023 para 1.857 em 2024.
No âmbito da violência sexual, o anuário também traz que estupro e estupro de vulnerável mantêm-se como os crimes com o maior número de vítimas no Brasil. Em 2023 foram contabilizados 65.395 casos, uma taxa média nacional de 128,5 por 100 mil, com especial incidência na faixa de 10 a 13 anos.
Os dados também mostram que 59% dos estupros de crianças com menos de 14 anos foram praticados por familiares, 24% por conhecidos e 16% por desconhecidos.
59% dos estupros de crianças com menos de 14 anos foram praticados no âmbito familiar
“Esta informação reforça o que sabemos há bastante tempo, ou seja, que essa é uma violência preponderantemente intrafamiliar, e saber disso é de fundamental importância para o diagnóstico do problema”, afirma Luciana Temer, advogada, professora de Direito Constitucional na PUC-SP e Diretora Presidente do Instituto Liberta, que assina um artigo nesta edição do anuário.
Ainda de acordo com o estudo, 69,1% dos estupros aconteceram dentro da residência da vítima. O número pode ser ainda maior, já que apenas 1,6% dos boletins de ocorrência analisados tinham essa informação.
“Se a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, como afirma o artigo 144 da Constituição, tem que ser pensada nacionalmente e de forma articulada. E para isso é primordial que haja um sistema unificado de dados de registro de ocorrências policiais”, defende Luciana Temer.
No caso da exploração sexual de crianças e adolescentes, o Brasil registrou 1.058 vítimas no ano passado. A faixa etária mais atingida foi a de 14 a 17 anos, que corresponde a 65,6% das vítimas. Também chama atenção a incidência entre crianças de 10 a 13 anos, que somaram a taxa de 2,5 por 100 mil.
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