publicado dia 27 de junho de 2025
Territórios Educativos: o que está em jogo com o PL da Devastação?
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 27 de junho de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Apelidado de PL da Devastação, o Projeto de Lei 2159/2021 flexibiliza o processo de licenciamento ambiental no Brasil. Em tramitação no Congresso Nacional, a proposta é criticada por ambientalistas, sociedade civil e comunidades tradicionais. Entenda o que está em risco para o país e para os territórios educativos.
No início de junho, milhares de pessoas foram às ruas de capitais brasileiras em protesto contra o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação. A proposta, em tramitação no Congresso, traz mudanças profundas no atual sistema de licenciamento ambiental, desmontando as atuais regras e flexibilizando o processo.
Para ambientalistas, opositores e organizações da sociedade civil, o PL da Devastação coloca em risco o futuro das comunidades tradicionais e agrava a emergência climática. Entre outros pontos, a alteração no licenciamento ambiental pode acelerar a degradação dos biomas, além de aumentar a poluição e elevar o risco de desastres ambientais.
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Para Gabriela Nepomuceno, do Greenpeace Brasil, o PL trará retrocesso para a questão ambiental. Atualmente, o licenciamento busca um equilíbrio entre desenvolvimento econômico, meio ambiente e defesa da vida. Isso significa que empreendimentos com possíveis choques para o meio ambiente precisam seguir regras, como a apresentação de estudos de impacto ambiental antes da aprovação.
“O que esse projeto está propondo é que o autolicenciamento, feito por um mero preenchimento de formulário, seria aplicado a empreendimentos de médio porte, sem a necessidade dos estudos prévios de impacto. Isso potencializaria o risco de desastres e é um ataque à saúde, à vida das populações, à preservação da cultura e à própria existência dos povos e comunidades tradicionais”, analisa a especialista em políticas públicas.
O que são Territórios Educativos
Território Educativo é aquele que, para além de suas funções tradicionais, reconhece, promove e exerce um papel educador na vida dos sujeitos, assumindo como desafio permanente a formação integral de crianças, jovens, adultos e idosos. Nos Territórios Educativos as diferentes políticas, espaços, tempos e atores são compreendidos como agentes pedagógicos, capazes de apoiar o desenvolvimento de todo potencial humano.
Para a gestora do programa Educação e Território, Lia Salomão, a proposta traz também riscos para os Territórios Educativos.
“O licenciamento ambiental precisa ser revisto, por ser uma lei antiga, da década de 1980, quando não se falava nem de aquecimento global. Uma das maiores críticas é que o licenciamento trata dos impactos no entorno dos empreendimentos, mas hoje sabemos que isso é muito restrito. Seria importante articular o licenciamento nas três esferas e integrar em uma única lei. Mas, para os territórios, o licenciamento que está sendo retirado e será autodeclarado é justamente o que trará impacto no entorno e no dia a dia das populações. Nesse sentido, o PL da Devastação impacta diretamente os territórios educativos”, contextualiza Lia.
Há 40 anos, o licenciamento ambiental é obrigatório no Brasil para todas as atividades que podem causar degradação ambiental e regulamentado pela Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938/1981.
A proposta, em tramitação no Congresso Nacional desde 2021, prevê uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, flexibilizando as licenças atualmente previstas em lei. Aprovado pelo Senado, o PL agora retorna para a Câmara dos Deputados. Após a discussão entre os parlamentares, a proposta segue para sanção presidencial.
Entre as principais mudanças, destaca-se a criação do autolicenciamento. Na prática, a alteração permitiria que os empreendimentos consigam licenças ambientais a partir da autodeclaração, sem estudos prévios sobre os riscos que as atividades podem causar ao meio ambiente.
O texto também sugere a dispensa do licenciamento para uma série de atividades de agricultura, pecuária e manutenção de sistemas de tratamento de água e esgoto.
Uma emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, propõe ainda a criação da Licença Ambiental Especial (LAE) para empreendimentos considerados estratégicos pelo Poder Executivo, permitindo um rito mais rápido e a dispensa de algumas etapas do licenciamento.
Apesar da flexibilização, a proposta não traz medidas para mitigar os riscos que os empreendimentos podem causar. Para Gabriela Nepomuceno, isso evidencia a despreocupação com a crise climática.
“É uma legislação sem preocupações climáticas e que coloca o Brasil no rumo contrário. Nós temos responsabilidade como um país que possui grande reserva de florestas e poderíamos ser exemplo internacional, mas o Congresso nos coloca em uma posição de retrocesso absoluto”, ressalta Gabriela.
Em reação ao projeto, mais de 50 organizações da sociedade civil mobilizam uma campanha contra o PL da Devastação. O objetivo é pressionar os congressistas a não colocar o projeto na pauta. Para as signatárias da campanha, o projeto restringe medidas de controle e prevenção da poluição e do desmatamento, potencializando os eventos climáticos extremos.
Em comunicado, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) alerta que a proposta representa um risco à segurança ambiental e social do Brasil, além de afrontar a Constituição Federal, que prevê que todos os cidadãos brasileiros devem ter direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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A pasta liderada pela ministra Marina Silva também indica que o PL da Devastação pode fragilizar o papel de órgãos colegiados do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e os Conselhos Estaduais, ao retirar suas atribuições técnicas e normativas.
“Ao transferir competências decisórias para entes federativos de forma descoordenada, pode estimular uma ‘concorrência antiambiental’ entre estados e municípios, que, no intento de atrair mais investimentos, poderão oferecer flexibilizações e padrões menos rigorosos que os municípios ou estados vizinhos, comprometendo a uniformidade dos critérios e a efetividade da fiscalização”, diz o ministério.
Ao restringir a análise dos impactos de empreendimentos em territórios ocupados por comunidades indígenas e quilombolas que ainda não passaram pelo processo de regularização e ao limitar a participação de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) nos processos, a proposta também coloca em risco os modos de vida dessas populações.
“Isso porque para esses povos, quando você modifica drasticamente o seu modo de vida, a sua cultura e a sua relação com o meio ambiente, você também interfere na sua possibilidade de existência”, complementa a especialista do Greenpeace.
Em resposta, uma série de manifestações contra o PL da Devastação tomaram as ruas de diversas cidades do país nas últimas semanas.
No ato em São Paulo (SP), manifestantes caminharam pacificamente carregando bandeiras com frases como “Não tem planeta B” e sob o som de palavras de ordem a exemplo de “Eu nunca vi, eu quero ver a reforma agrária no Brasil acontecer”, relata reportagem da Agência Brasil, que acompanhou a mobilização.
Em outro protesto, em 9 de junho, indígenas de 14 aldeias dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro bloquearam a rodovia BR 101, que dá acesso ao município de Angra dos Reis (RJ).
Manifestações também foram registrados em Belo Horizonte (MG) e em Santa Catarina (SC) a fim de barrar a proposta na Câmara e exigir atenção à pauta ambiental no ano em que o Brasil sedia a 30ª Conferência das Partes (COP30).
“O governo federal precisa decidir de que lado quer estar e que papel quer assumir, colocando-se de forma mais proativa na defesa do meio ambiente no Congresso Nacional”, conclui Gabriela Nepomuceno.
“O PL da Devastação já saiu um pouco do foco da sociedade. Isso mostra a pouca importância dada à questão ambiental no Brasil”, reflete Lia Salomão, do Programa Educação e Território. “A pauta ambiental precisa ser mais permanente. Seria preciso reformular o licenciamento ambiental considerando a crise climática, não olhando apenas para a desburocratização”, diz.
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