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publicado dia 30 de junho de 2022

Pandemia altera perfil da população em situação de rua e eleva número de mulheres, crianças e adolescentes

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Em qualquer esquina ou praça de grandes centros urbanos a cena se repete: famílias inteiras se amontoam sob lonas ou barracas improvisadas em uma rotina cada vez mais presente na vida de milhares de brasileiros.  

A pandemia mudou o perfil da população em situação de rua no país e, após dois anos do agravamento da crise econômica, tem como consequência o aumento de mulheres,  crianças e adolescentes desamparados socialmente, conforme dados apresentados pelo Censo da População em Situação de Rua conduzido pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da cidade de São Paulo. Ao todo, o relatório estima 32 mil pessoas em situação de rua na capital paulista.  

O número, no entanto, pode ser 30% maior do que foi apresentado pela prefeitura. É o que mostram os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (POLOS-UFMG), cuja estimativa aponta 42.240 pessoas vivendo nas ruas da capital paulista: com acréscimo de 5.039 pessoas apenas em 2022.

O cálculo leva em conta informações retiradas do Cadúnico, programa federal de identificação das famílias brasileiras em situação de pobreza ou extrema pobreza.  

Fator desemprego

Entre os motivos que acentuam esse cenário está o desemprego, realidade vivida por cerca de 10,5 milhões de pessoas e que atinge, sobretudo, mulheres negras. “A queda da renda familiar, a impossibilidade de manter a família, principalmente as famílias com crianças, aumenta significativamente a população de rua, que passa a ter um novo perfil. São pessoas trabalhadoras (casais, mulheres sozinhas e crianças) que não conseguem mais pagar seus aluguéis, vão para as ruas e permanecem por não terem mais como se manter”, avalia a coordenadora da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, Sueli Camargo. 

63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE – iStock/Getty Images 

Da janela do prédio onde trabalha, em frente ao marco zero da cidade de São Paulo, na Praça da Sé, Sueli testemunha a chegada de mais pessoas em condição de desabrigo. 

Becos, escadarias e viadutos são ocupados por famílias que passam a viver precariamente, expostas aos perigos e à imprevisibilidade das ruas da maior cidade da América do Sul.  

Mulheres, crianças e adolescentes em situação de rua: como mudar essa realidade ?

Há mais de três décadas, a advogada e assistente social atua na articulação de projetos em defesa de crianças e adolescentes em situação de risco social e, com a experiência de uma vida dedicada à questão do abandono infantojuvenil, reflete sobre o atual panorama agravado pelos efeitos da pandemia.

Sem uma política pública devida, que venha garantir a efetivação dos direitos fundamentais às crianças e aos adolescentes em situação de rua, na perspectiva de sua proteção integral, não vamos mudar esta realidade. Em vários pontos da cidade, hoje, concorremos com o tráfico que age rapidamente e capta de forma avassaladora nossa juventude levando-os à morte, enquanto a intervenção do poder público é lenta e ineficaz”, enfatiza. 

 Pesquisa da prefeitura indica aumento de 31 % da população sem teto em SP durante a pandemia

Em maio, um levantamento preliminar realizado pela Prefeitura de São Paulo revelou a existência de mais de 500 pontos com crianças e adolescentes em situação de rua na cidade.

A assistente-social relaciona esse indicativo às consequências da pandemia em seus múltiplos aspectos: econômicos, sociais e, sobretudo, psicológicos. 

“São graves as consequências econômicas escancaradas pela pandemia, mas não podemos esquecer que um grande número de crianças foram diretamente afetadas por questões psicológicas. Destacam-se fatores como a medida de isolamento social e o afastamento escolar; a perda de familiares, dentre eles os avós, muitos deles responsáveis por criar essas crianças na ausência dos pais. Ou seja, são fatores que impactam, também, a saúde mental das nossas crianças e adolescentes”, destaca Sueli.

Dados do relatório “Denúncia de Violações dos Direitos à Vida e à Saúde no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil”, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)”, estimam que mais de 113 mil crianças e adolescentes com menos de 18 anos perderam a mãe, o pai, ou ambos, para a Covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. 

Fortalecimento de políticas públicas 

Em meio ao déficit habitacional que transforma São Paulo, e sobretudo a região central, em um acampamento sem-teto formado pela presença significativa da população infanto-juvenil, o Projeto de Lei 253 pretende criar uma Política Municipal de Atenção a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua. 

Entende-se crianças e adolescentes em situação de rua um grupo populacional heterogêneo que utiliza logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia de forma permanente e/ou intermitente, sozinhas ou acompanhadas de suas famílias ou responsáveis

Apresentado em abril de 2021 pelos vereadores Juliana Cardoso (PT), Elaine do Quilombo Periférico (PSOL), Luana Alves (PSOL), Eduardo Matarazzo Suplicy (PT), Carlos Bezerra Jr. (PSDB) e Professor Toninho Vespoli (PSOL), o texto segue em tramitação na Câmara Municipal após ser aprovado em primeira votação e agora aguarda propostas de emendas dos vereadores para a segunda e última votação. Se aprovado, segue para a sanção do Prefeito Ricardo Nunes (MDB). 

Ciente da importância de políticas públicas que apoiem as famílias mais vulneráveis para superar os impactos da pandemia, Sueli elenca ações que podem contribuir para a redução da pobreza que atinge milhares de pessoas não apenas na capital paulista, mas em todo o Brasil: a ampliação de estratégias de trabalho e renda, a construção de projetos de habitação e moradia, além do Aluguel Social.

Enquanto os em situação na rua utilizam deste mesmo espaço como meio de sobrevivência, expostos ao trabalho infantil, mas mantem o vínculo familiar e retornam ao convívio familiar.

Em um país castigado pelo desmonte de direitos sociais, ela relembra o artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, finaliza. 

 

Acesso de crianças e adolescentes às políticas públicas é fundamental para reduzir desigualdades