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publicado dia 16 de março de 2021

Muito além das eleições: conheça experiências de acompanhamento legislativo que ampliam participação social

Reportagem:

Já imaginou aprender sobre o funcionamento do orçamento público brincando em um jogo? É possível! Desde as eleições de 2018, o ativista por transparência política Pedro Markun trabalha coordenando inovação no mandato da deputada estadual Marina Helou (REDE-SP). Entre as iniciativas para aproximar as pessoas da agenda da eleita e também do processo legislativo, estão ações gamificadas, como um jogo sobre o funcionamento do orçamento público

“A metodologia gamificada ajudou as pessoas a entenderem como funciona o orçamento público, uma das funções mais importantes do Legislativo. Por exemplo, no jogo que fizemos, cada cidadão ganhava duas moedas de chocolate, aquelas douradas, que valiam R$ 10 mil, e junto com a Marina tinha que decidir onde colocar o dinheiro, apresentar sua proposta, organizar com as outras pessoas o que está precisando de recurso, priorizar, discutir em conjunto”, relembra Markun. 

Este tipo de ação visa fomentar a cultura de participação social em um país que costuma discutir e participar da vida política somente em épocas eleitorais e que nos últimos anos, enfrenta uma crise de credibilidade política. Segundo a Democracy Index, pesquisa da revista The Economy que analisa democracias pelo mundo, a cultura política no Brasil atingiu em 2019 um de seus menores índices

 “Isso significa que a política não é um assunto que proporciona grande engajamento social no Brasil a não ser no momento eleitoral, tendo em vista que o voto é obrigatório em nosso país”, elucida Helena Salvador, do núcleo de comunicação do canal Politize! “Ainda não existe a ação ativa por parte da população de buscar acompanhar o trabalho legislativo dos seus candidatos”, constata.

Há um precedente histórico para a falta de participação popular nas agendas políticas no Brasil. Períodos autoritários como a ditadura militar instauraram uma cultura de medo com relação à possibilidade de expressão política, e mesmo com seu fim, deixaram marcas nos processos participativos. 

Para além disso, os ritos e espaços políticos do legislativo não são acessíveis e transparentes, como complementa Markun: “A Assembleia Legislativa é chamada de casa do povo mas não tem nada disso. Sem exceção, todas as casas legislativas do país vêm fechando suas portas. Em nome de segurança contra ‘baderneiros’, elas tornaram o processo de entrada difícil, com pedidos de identificação, crachás e fotos. Os ritos internos também são herméticos, e isso faz com que as pessoas tenham menos vontade de ir, e tem que ser o contrário.”

Uma cidade pequena, um grande desafio democrático: o caso de Ilhéus (BA)

Quando em 2012 Socorro Mendonça, então aposentada, entrou na Câmara dos Vereadores de Ilhéus (BA) para acompanhar a votação sobre a construção de um porto na cidade, ela ficou chocada. “Já vi caso de vereador votando contra projeto de lei que eles mesmo propôs, outro legislando pela obrigatoriedade de rezar pai nosso, coisas dessa natureza”, recorda. “No interior e em outras cidades pequenas a Câmara do Vereador geralmente não tem site, as pessoas não sabem como acessar, e aí os vereadores viram reis.”

Não só as falas a assustaram, como também a labiríntica comunicação legislativa. Socorro percebeu que tinha que registrar e simplificar os processos ocorridos ali para que os cidadãos de Ilhéus tivessem uma chance de participação. Nascia então a semente da organização Nossa Ilhéus, um projeto de registro, acompanhamento e incidência no Legislativo. 

Embora nos últimos anos, a cultura de acompanhamento do Legislativo tenha ganhado um aliado significativo, que foi a Lei de Acesso à Informação (LAI), ela não necessariamente foi popularizada como ferramenta de consulta. De acordo com esta matéria publicada no Portal Terra, 68% das cidades do estado d São Paulo não disponibilizam seus dados no Portal de Transparência de acordo com a lei. 

“Mesmo que exista a Constituição e nela esteja prevista a participação social, nós enquanto sociedade não sabemos como participar politicamente depois de tantos anos de ditadura. O que aconteceu com a Nova Ilhéus é que uma experiência cidadã de poucas pessoas se espalhou pela cidade, dando coragem ao cidadão para falar e para saber como falar sobre legislação”, complementa Socorro.  

A organização criou o projeto De olho na Câmara dos Vereadores, que consiste na participação e relato de todas atividades parlamentares: se um projeto novo entra, como ele é discutido, quais são os que estão contra e a favor, isso em vídeo e em texto. Além de estar presente nessas assembleias, a Nossa Ilhéus também monta comissões técnicas sobre temáticas cidadãs junto aos vereadores. 

“Conseguimos que a câmara dos vereadores filmem e transmitam ao vivo as sessões. Eles também criaram comissões antes nunca reunidas. No começo de 2021, aconteceram as primeiras frentes parlamentares, voltadas para a educação, meio ambiente e bem-estar animal. Nas comissões técnicas, unimos atores de diferentes lugares, como universidades e especialistas na área”, detalha Socorro. 

A organização Nossa Ilhéus ajudou a instituir práticas participativas na cidade homônima / Crédito: Divulgação

Tecnologia como aliadas para a cultura de participação social 

Nos últimos anos e últimas eleições, candidatos e sociedade civil têm feito mais uso das tecnologias e das redes sociais para estreitar a  comunicação. Pululam perfis de políticos nas mídias sociais e é neles que a maioria dos eleitores sabe dos rumos políticos e pode se comunicar. Para Helena Salvador, as tecnologias têm vantagens e desvantagens: 

“É preciso lembrar que o contato com os vereadores ou prefeitos está previsto na lei: o e-mail e telefone dos políticos eleitos deve estar atualizado no Portal da Transparência de cada município. Ou seja, claro que as redes sociais são ferramentas que, quando utilizadas de maneira construtiva, são excelentes auxiliares para fomentar a cultura política da população, mas o contato com o público e com os jornalistas deve ser feito de forma transparente seguindo a legislação.”

“Vemos hoje o mal uso das redes por parte de várias figuras políticas que aproveitam da liberdade das redes sociais para disseminar inverdades que não passam pelo filtro de checagem de fatos da imprensa, por esse motivo cada vez mais as redes sociais estão controlando essas postagens. A entrega de conteúdo político no Facebook, por exemplo, foi limitada e o Twitter também está banindo figuras públicas que disseminam fatos não comprovados cientificamente sobre a Covid-19. Então, enquanto o bom uso das redes pode aproximar as pessoas e incentivar a cultura política, o mau uso pode contribuir para deterioração das instituições e da democracia”, finaliza a especialista.  

Foi para criar uma ponte de conexão funcional entre eleitos e eleitores para além das eleições que o aplicativo Tem meu Voto foi criado. Nascido nas eleições de 2018 como um match eleitoral, que conectava sociedade civil com prospecções de candidatas e candidatos a partir de seus perfis, ele evoluiu ao longo dos anos para um serviço tanto para os candidatos eleitos como para quem os escolheu: os candidatos podem usar o aplicativo como banco de dados e também com organização da agenda, enquanto a sociedade civil tem uma conexão direta com o candidato de sua escolha, podendo acompanhar seu trabalho ou relatar problemas. 

“O que o aplicativo gera é um fortalecimento da democracia. As pessoas muitas vezes não entendem que os representantes do Legislativo tem mais poder do que o Executivo, e que são eles que afinal controlam todas as contas. Então, o aplicativo dá uma oportunidade da pessoa escolher um vereador, um deputado federal, um dos senadores, para estar em permanente contato”, relata Rafael Dayrel, diretor executivo do projeto. 

É também usando tecnologia que o mandato de Marina Helou (REDE), têm avançado no diálogo com seu eleitorado durante a pandemia. Estava marcada para esta terça-feira (dia 16), uma prestação de contas gamificada. Os eleitores poderão entrar em um ambiente virtual 3D e conversar com os assessores sobre o trabalho legislativo desenvolvido pelo mandato. Esta estratégia, para Markun, mostra como a tecnologia pode ser decisiva no fomento à cultura de participação social no país. 

“Se vamos reconstruir o parlamento do futuro, cuja presença física ficou prejudicada por conta da pandemia e do negacionismo, fico com a esperança que consigamos criar um modelo essencialmente participativo, onde todos possam acompanhar, onde os processos fiquem mais sexy, com mais intenção!

A cidade que queremos para 2021 é equitativa, diversa e construída coletivamente

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