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publicado dia 5 de julho de 2022

Livro conecta boas práticas urbanas de Medellín e Recife

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A inspiração para a criação dos Centros Comunitários da Paz, iniciativa de segurança pública implementada em Recife em territórios de alta vulnerabilidade social, virou livro pelas mãos de Murilo Cavalcanti, Secretário de Segurança Cidadã do município e Professor Titular de Urbanismo Social do Insper.

Lançada em junho em São Paulo, a obra intitulada Conexão Recife Medellín Compaz – Laboratório de boas práticas urbanas apresenta o conjunto de experiências que tornou a segunda maior cidade colombiana uma referência mundial em urbanismo social.

Urbanismo social transformou histórico de violência que marcava a cidade nas décadas de 1980 e 1990 – Foto: Brenda Alcântara

De “cidade mais violenta”, Medellín passou a ser reconhecida como “cidade mais inovadora” em pouco mais de uma década.  A transformação, conta Murilo, é resultado de um projeto político que priorizou ações de combate à pobreza e fomento à participação social, aproximando e engajando os moradores nas novas propostas. 

Dentre elas, destacam-se a estratégia de integração dos distintos modais, aproveitando calçadas, ciclovias, teleféricos e escadas rolantes. Outro aspecto foi a recuperação e a criação de espaços públicos como lugares de encontro para a convivência cidadã, consolidando uma rede de edifícios públicos e comunitários – entre eles bibliotecas-parque, o centro cultural Moravia (em local que havia sido um lixão), a Casa da Justiça  (para mediação de conflitos e apoio às pessoas vítimas de violência) e a Rota do Empreendedorismo (focado na formação profissional).

Em relação à moradia, Medellín se destacou pela construção de novas habitações e realocação de moradores que viviam às margens do rio, além da melhoria e consolidação dos bairros (com mecanismos de continuidade e réplica de projetos). A participação comunitária com contínuas repactuações e envolvimento direto dos cidadãos foi transversal a grande parte das ações.

Gestões municipais

Sergio Fajardo (2004 – 2007) lançou o seu “Compromisso de toda a cidadania” e olhou de fato para as áreas mais vulneráveis com um projeto intersetorial. Alonso Salazar, que o sucedeu (2008 – 2011), seguiu a mesma linha e assim também aconteceu nas gestões de Anibal Gaviria (2012 – 2015) e Federico Gutierrez (2016 – 2019).

O Projeto Urbano Integral (PIU), que foi para as ruas para atender 200 mil pessoas, partiu de uma política intersetorial para o território, apostando na ética e estética. Todas as obras foram de excelente qualidade, quebrando a perversa lógica definida pelo autor de ‘dar coisa pobre a quem é pobre’. O que se viu – e se vê – em Medellín são equipamentos de primeira qualidade, bonitos, integrados e que foram capazes de gerar uma relação de cuidado e pertencimento entre os moradores e a cidade, que passou a considerar suas necessidades e condições. Foi feito o convite para uma vivência cidadã, abraçada por todos.  

Um dado recente chama a atenção: a taxa de homicídios de Medellín saiu de 382 para cada 100 mil habitantes, em 1993, para 15 a cada 100 mil habitantes, em 2021. A cidade tornou-se um exemplo para muitos gestores públicos e, assim como Murilo Cavalcanti, Clara Brugada, prefeita de Iztapalapa  (região metropolitana da Cidade do México), com 1,8 milhão de habitantes, lançou o seu projeto Utopias, que bebe direto da fonte colombiana. Também há uma entrevista dela no livro.

Compaz: fábricas de cidadania

A partir de uma história pessoal – um tiro que deixou sua irmã paraplégica durante um assalto – Murilo Cavalcanti resolveu estudar sobre as causas da violência urbana e tentar entender as opções e destinos de tantos jovens. Fez dessa dor uma causa e decidiu que queria criar estratégias que contribuíssem decisivamente para uma cidade melhor. 

Depois de ter voado mais de 30 vezes à Colômbia, Cavalcanti elaborou o conceito do Centro Comunitário da Paz. O projeto foi apresentado ao então candidato à Prefeitura do Recife, Geraldo Julio, que venceu a eleição, incorporou a ideia e o convidou para formatar, planejar e realizar a gestão. Mais do que isso: Cavalcanti assumiu a nova secretaria da Segurança Urbana. Dessa parceria, nasceu em 2016 o primeiro Compaz, iniciando uma rede que, em quatro anos, levantou outros três centros. 

A segunda parte da obra Conexão Recife Medellín Compaz mergulha na trajetória desses equipamentos, cuja oferta articula atividades de esporte, artes e educação. Está sediada na primeira unidade (Compaz Governador Eduardo Campos), por exemplo, a Biblioteca Afrânio Godoy, com seus 850 metros quadrados e 15 mil livros, o que a converteu na maior biblioteca construída pela prefeitura do Recife. Nessa mesma unidade, destaca-se o Dojô, espaço de artes marciais que conta hoje com 800 praticantes, sendo o maior centro público de treinamento de artes marciais de Pernambuco. 

Na essência, os centros apostam na prevenção da violência e na ampliação de oportunidades. Cavalcanti diz que “milagres” acontecem ali dentro. Não por acaso, o Compaz já foi reconhecido e premiado: em 2019, foi escolhido como o melhor projeto de redução de desigualdade social do país (pelo programa Cidades Sustentáveis e pela Oxfam Brasil). 

Leia abaixo, entrevista completa com Murilo Cavalcanti

Educação e Território: No livro, você destaca a questão da vontade política para que as coisas aconteçam, mas há ainda no Brasil uma lógica perversa de descontinuidade e interrupção de projetos. Na sua opinião, qual é o papel do Estado para que grandes transformações aconteçam nas cidades? E qual seria o papel da sociedade civil nesse processo?  

Murilo Cavalcanti: Quem tem verdadeiramente o poder de transformar as vidas das pessoas, principalmente as mais pobres, é o Estado porque tem escala. Foi assim que aconteceu em Medellín. Os prefeitos foram os protagonistas dessas mudanças, mas por trás de tudo isso, houve decisão política. Quero destacar que a sociedade civil, ONGs, universidades, lideranças comunitárias, entre outros, tiveram papel fundamental nessa transformação de Medellín. Portanto, é a união dessas forças verdadeiramente que têm capacidade de transformar a cidade que tanto precisamos: mais equitativa, com mais possibilidades, menos pobreza e menos desigualdade. 

Educação e Território: Um dos pontos centrais da experiência de Medellín é a quebra da lógica de ‘fazer coisa pobre para quem é pobre’. Esse olhar, para quem vive em áreas vulneráveis, é determinante para a adesão do público? Os frequentadores sentem que aquelas ações articuladas foram destinadas realmente a eles?  

MC: O contrário de insegurança não é polícia, é convivência. Os prefeitos de Medellín trabalharam na direção da ética e da estética. A ética de priorizar os bairros de maior pobreza, de menor IDH e de vulnerabilidade social. A estética de quebrar essa lógica perversa de fazer coisa pobre para quem é pobre. Os melhores arquitetos, os melhores engenheiros e os melhores projetos foram contratados para levar à população pobre de Medellín equipamentos de altíssima qualidade, o que eles chamaram de “arquitetura pedagógica” e “engenharia social”. 

Quando a população mais necessitada se sente parte da cidade, cresce o sentimento de pertencimento, se fortalece a cidadania e há mudanças fundamentais de comportamento. O resultado de tudo isso é a queda significativa de todos os índices de violência urbana. É um processo pedagógico. Não pertence tão somente a um mandato ou grupo político. Uma das coisas que mais me encanta em Medellín é a continuidade dos projetos pactuados com a sociedade. Nenhum prefeito, nenhuma autoridade pública ousa em acabar aquilo que dá certo.  

Educação e Território: Você menciona os ‘milagres diários que acontecem na rede Compaz’. Pode falar a respeito disso? 

MC: O Compaz, eu diria, é um laboratório de boas políticas públicas. Um lugar que verdadeiramente tem impactado a vida de quem mais precisa. Nunca antes na história do Recife tinha-se levado à comunidades pobres e vulneráveis um equipamento de altíssima qualidade, como é o Compaz. É claro que a rede Compaz tem operado milagres, mas isso é obrigação do estado. 

O nosso desafio é ter escala no território, mas, por exemplo, encaminhamos centenas de jovens para o mercado formal de trabalho, através da parceria com a Escola Social do Varejo. Acolhemos milhares de crianças que antes não tinham para onde ir no contra turno escolar e em suas comunidades não tinham espaços de convivência cidadã. É gratificante ver o desenvolvimento dessas crianças. Mas repito: o Compaz é um começo, um laboratório que nos enche de orgulho e esperança.

Educação e Território: Outro destaque no livro é a questão da ocupação da cidade: ela é vista como uma forma de combater a violência, ou seja, quanto mais gente na rua, mais seguro é o espaço público. Pode nos contar como vê essa relação entre ocupação e segurança?

MC: Jane Jacobs em seu brilhante livro “Morte e vida de grandes cidades” já chamava atenção de que quanto mais gente no espaço público, mais ele se torna seguro. Sou adepto dessa teoria. Grades e paredões penitenciários não protegem ninguém da violência. Precisamos acabar, definitivamente, com a arquitetura do medo.  

O Compaz, por exemplo, é um equipamento integrado ao espaço público. Como foi construído com a participação ativa da comunidade, o sentimento de pertencimento é muito forte. Consequentemente, o sentimento de cuidado e proteção também é uma realidade. No Compaz Eduardo Campos, na comunidade do Alto Santa Terezinha, zona norte do Recife, que recentemente completou seis anos de funcionamento, nunca aconteceu vandalismo, nem depredação no local. A  população tem uma verdadeira proteção ao equipamento porque se sente parte dele.  

Conexão Recife Medellín Compaz pode ser adquirido através do contato por whatsapp (81) 99436.7388, email ([email protected]) ou pelo Instagram @murilocavalcanti.compaz 

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