publicado dia 12 de janeiro de 2024
Democracia e Direitos Humanos: 8 livros para refletir em 2024
Reportagem: Nataly Simões
publicado dia 12 de janeiro de 2024
Reportagem: Nataly Simões
Resumo: O aumento dos ataques à democracia e a persistente desigualdade no acesso a direitos humanos marcam a história do Brasil. Para ajudar na ampliação do debate e entendimento sobre esses temas, confira oito livros de autores brasileiros e estrangeiros que abordam com profundidade a temática.
O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, diz que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, bem como não devem sofrer distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião e opinião política. Porém, na prática, grande parte dos países do mundo enfrentam inúmeros desafios diferentes e complexos para seus cidadãos terem acesso a seus direitos.
Um relatório divulgado em 12/01 pela Humans Rights Watch (HRW) destaca a necessidade de responsabilização em casos de violação de Direitos Humanos. No Brasil, o documento alerta também para problemas como a violência policial, crimes ambientais e ataques à democracia.
Segundo o relatório, os ataques às instituições feitas durante o governo de Jair Bolsonaro deixaram o regime democrático brasileiro em uma situação crítica dado os insultos a ministros de dispositivos importantes como o Supremo Tribunal Federal (STF) e profissionais de imprensa.
A violência durante o processo eleitoral de 2022 também é destacada no documento. De acordo com os dados, quatro pessoas foram assassinadas durante a campanha “em circunstâncias que sugerem motivação política”. Um levantamento do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também registrou 426 casos de ameaças a lideranças políticas no período que antecedeu as últimas eleições, entre janeiro e setembro de 2022.
Para ajudar na ampliação do debate e entendimento sobre Direitos Humanos e democracia no Brasil e no mundo, selecionamos oito livros que abordam com profundidade como esses temas estão atrelados a diferentes problemas sociais.
1) A invenção dos direitos humanos, de Lynn Hunt, Companhia das Letras (2009)
A autora norte-americana Lynn Hunt utiliza dos conhecimentos da Filosofia à História da Europa e da América para traçar a gênese e a evolução da ideia e da prática dos Direitos Humanos no mundo. A Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), por exemplo, declarava como autoevidente a verdade de que “todos os homens são criados iguais”. Apesar disso, a escravidão persistiu no país por mais quase um século e as mulheres norte-americanas também só conseguiram o direito de voto em 1920. A obra também analisa documentos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) para mostrar os avanços e retrocessos da luta por direitos humanos.
Leia um trecho do livro:
“Os romances do século XVI refletiam uma preocupação cultural mais profunda com a autonomia. Os filósofos do Iluminismo acreditavam firmemente que tinham sido pioneiros nessa área no século XVIII. Quando falavam de liberdade, queriam dizer autonomia individual, quer fosse a liberdade de expressar opiniões ou praticar a religião escolhida.”
Quem é Lynn Hunt?
Nascida no Panamá e criada em Minnesota, nos Estados Unidos, Lynn Hunt é historiadora e professora de história europeia na Universidade da Califórnia. É autora de diversos estudos sobre história cultural e Revolução Francesa e seus livros já foram traduzidos para mais de dez idiomas.
2) A democracia da abolição, de Angela Davis, Editora Difel (2019)
O livro reúne uma série de entrevistas concedidas por Angela Davis, em que ela analisa como sistemas históricos de opressão como a escravidão e o linchamento continuam a influenciar a democracia na atualidade. Em seus relatos, a ativista aborda questões como o assédio institucionalizado e a relação entre política e prisão.
Davis se fundamenta na tese de W. E. B. Du Bois, segundo a qual, quando os negros se tornaram livres da escravidão nos Estados Unidos, a eles foram negados os direitos plenos de outros cidadãos. Somado a isso, o sistema carcerário norte-americano (que hoje conta com a maior população carcerária do mundo) atua de forma a manter o domínio e o controle sobre populações inteiras.
A obra recorda o próprio encarceramento da autora, que chegou a integrar a lista dos mais procurados pelo FBI. Para Davis, o ativismo internacional desempenhou um papel crucial no seu caso e no de muitos outros presos políticos.
Quem é Angela Davis?
Nascida no Alabama (EUA), Angela Davis é ativista, filósofa e professora emérita de estudos feministas da Universidade da Califórnia. A afro-americana é um dos grandes nomes do ativismo pelos direitos civis, integrou o Partido Comunista dos Estados Unidos e foi presa na década de 1970, ganhando projeção mundial pela mobilização da campanha “Libertem Angela Davis”;
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3) Direitos humanos e educação libertadora, de Paulo Freire, Editora Paz & Terra (2019)
Organizado por Ana Maria Araújo Freire e Erasto Fortes Mendonça, o livro conta a experiência de Paulo Freire como secretário de Educação da cidade de São Paulo (SP), entre 1989 e 1991, a partir da reunião de escritos e falas do educador. A obra é voltada a um dos grandes objetivos que Freire teve em vida, o de reinventar a rede municipal de escola da capital paulista e democratizar o acesso à educação pública de qualidade.
Leia um trecho do livro:
“A política de privatização do ensino obviamente afetaria, em cheio, os interesses das classes populares, uma vez mais pagando o conforto e as regalias das chamadas ‘favorecidas’ […]. A escola pública não anda bem, não porque faça parte de sua natureza não andar bem, como muita gente gostaria que fosse e insinua que é. A escola pública básica não anda bem, repitamos, por causa do descaso que as classes dominantes neste país têm por tudo o que cheira a povo.”
Quem é Paulo Freire?
Pernambucano do Recife, Paulo Freire (1921-1997) foi um educador e filósofo, que ficou conhecido como um dos maiores pensadores da pedagogia no Brasil e no mundo. Patrono da Educação Brasileira, propôs uma educação fundamentada no diálogo e atuou na busca pelo desenvolvimento de uma consciência crítica na alfabetização. Freire recebeu pelo menos 35 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades na Europa e na América, entre outros reconhecimentos em escala global.
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4) O descontentamento da democracia: Uma nova abordagem para tempos periculosos, de Michael J. Sandel, Editora Civilização Brasileira (2023)
A obra expõe a tradição política que deu origem aos Estados Unidos desde as ideias que motivaram a Revolução Americana e a Independência, em 1776, até a invasão ao Capitólio, em 2021. Para isso, o autor revisitou a história da formação do país para explicar quais estágios levaram à polarização, fenômeno que tornou a maior economia do mundo uma nação dividida, a qual, para o autor, muitas vezes, parece se posicionar contra si mesma.
O livro resume as principais questões que impuseram à democracia americana uma batalha entre as benesses do Estado de direito e o obscurantismo das redes de ódio, das fake news e da intolerância política, situação a qual o Brasil também mergulhou em 2018.
Quem é Michael J. Sandel?
Nascido em Minnesota, nos Estados Unidos, Michael J. Sandel é um filósofo, escritor e professor da Universidade Harvard desde os anos 1980. Ganhou projeção mundial com os livros Justiça: O que é fazer a coisa certa (2009) e Liberalismo e os limites da Justiça (1982). Tem origem judaica e defende que a filosofia não está nas doutrinas e sim na sociedade, no cotidiano das populações.
5) Vidas Trans: A luta de transgêneros brasileiros em busca de seu espaço social , de Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e Tarso Brant, Editora Astral Cultura (2022)
No livro, os quatro autores, todos pessoas trans, relatam o momento no qual perceberam que havia algo diferente, sobre o sentimento de inadequação perante os padrões impostos socialmente e os preconceitos e dores vividos dentro e fora da família. A obra aborda momentos que são divisores de água para essa população, como o da transição e a liberdade que a decisão trás. Em quatro relatos individuais, cada um conta sua história de vida, luta e militância constante e diária em reafirmar o direito ao nome, ao corpo e à existência plena.
Leia um trecho do livro:
“O aumento da visibilidade tem sido positivo para a nossa população. Encontramos espaços como o deste livro para tomar conta de nossa própria representação, sem nos submeter aos filtros e rótulos de terceiros. Os relatos corajosos dos meus queridos amigos Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e Tarso Brant não são, de modo algum, entretenimento (…). Com a sua vida, seus amores e desafios, os autores defendem a diversidade de ser humano, das identidades de gênero, do que podem homens e mulheres.” – Jaqueline Gomes de Jesus, no prefácio
Quem são os autores?
Amara Moira é ativista, escritora e professora de literatura. Doutora em teoria literária pela Universidade Estadual de Campinas, foi a primeira mulher trans a conquistar o título pela referida instituição de ensino com o nome social;
João W. Nery (1950-2018) foi psicólogo, consultor em gênero e sexualidade. Foi ativista dos direitos humanos e o primeiro homem trans a ser operado no Brasil em 1977, durante a ditadura militar;
Márcia Rocha é travesti, empresária, advogada e membra da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-SP. É também pós-graduada em Educação Sexual pela UNISAL;
Tarso Brant é ator, escritor e modelo. Ficou conhecido após exibir sua transição de gênero nas redes sociais em uma época em que o tema ainda era considerado um tabu. Em 2017, Tarso auxiliou a escritora Glória Perez na criação de um personagem trans para a novela A Força do Querer (Globo).
6) Democracia para quem?, de Angela Davis, Patricia Hill Collins e Silvia Federici, Editora Boitempo (2023)
O livro reúne as palestras feitas por três intelectuais do movimento feminista – Angela Davis, Patricia Hill Collins e Silvia Federici – durante visita ao Brasil em outubro de 2019. No seminário internacional “Democracia em Colapso?”, promovido pelo Sesc São Paulo e pela Editora Boitempo, as autoras refletiram sobre temas como capitalismo, racismo, ecologia, desigualdade social, entre outros temas que ganharam ainda mais relevância nas discussões sobre a pandemia de covid-19, a partir do ano seguinte.
No que se refere, por exemplo, ao papel da mulher na sociedade, Davis afirma que não pode haver democracia sem a luta histórica das mulheres negras. Collins reflete sobre o conceito de liberdade e diz que não faz diferença pensar em liberdade para pessoas negras sem pensar no que isso significa para os diferentes gêneros, enquanto Federici observa a resistência das mulheres em todo o mundo para reconstruir e defender os bens comuns.
Leia um trecho do livro:
“O que é necessário para que as pessoas negras sejam livres? Ninguém está livre até que as mulheres negras sejam livres. Não podemos ter mulheres e homens negros livres e ainda ter pessoas LGBT subordinadas. Isso não pode existir. Será que somente as pessoas negras de classe média podem ser livres? E quanto às pessoas negras pobres? Então, entramos nesse discurso em particular ao longo do tempo. Não é uma epifania de ideias, mas um trabalho diário e contínuo”. – Patricia Hill Collins (Foto acima)
Quem são as autoras?
Nascida no Alabama, Angela Davis é ativista, filósofa e professora emérita de estudos feministas da Universidade da Califórnia. A afro-americana é um dos grandes nomes do ativismo pelos direitos civis, integrou o Partido Comunista dos Estados Unidos e foi presa na década de 1970, ganhando projeção mundial pela mobilização da campanha “Libertem Angela Davis”;
Patricia Hill Collins nasceu na Pensilvânia e é professora emérita de sociologia da Universidade de Maryland. Foi a primeira mulher negra a presidir a Associação Americana de Sociologia e é considerada uma das mais influentes pesquisadoras do feminismo negro nos Estados Unidos;
Nascida em Parma, na Itália, Silvia Federici é ativista, pesquisadora e professora emérita na Universidade Hofstra, em Nova York. Nos EUA, participou da mobilização pelo salário de trabalhos domésticos. Nos anos 1980, viveu na Nigéria, onde atuou como professora na Universidade de Port Harcourt e colaborou com a criação do Committee for Academic Freedom in Africa.
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7) É fragrante fojado dôtor vossa excelência, de Carla Akotirene, Editora Civilização Brasileira (2024)
A obra concentra críticas aos aparelhos jurídicos brasileiros, representados na publicação pela Vara de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Esse tipo de audiência, direito assegurado por lei, é uma oportunidade de autodefesa das pessoas presas em flagrante.
A autora apresenta essas audiências em “cenas colonais”, nas quais atores e atrizes jurídicos – juízes, defensores públicos, procuradores e policiais – performam como se seguissem um ritual preestabelecido. Nessas “cenas coloniais”, a antiga ordem escravocrata, em que senhorios brancos arbitram sobre vidas negras, continua sendo a regra da nova “democracia”. Esses atores e atrizes sofrem a pressão vertical da opinião pública sobre a legalidade das prisões, conferindo fé pública aos policiais executores da prisão em flagrante e impondo aos acusados suas diligências.
Quem é Carla Akotirene?
Baiana de Salvador, Carla Akotirene é militante feminista negra, pesquisadora e pensadora. Formada em serviço social, é mestre e doutora em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo pela Universidade Federal da Bahia. Idealizou o Opará Saberes, iniciativa voltada à capacitação de candidaturas negras na pós-graduação em universidades públicas.
8) Vozes Abolicionistas, de Luiz Gama, Nísia Floresta, Castro Alves, Editora Toca Livros (2023)
Disponibilizada em formato de audiolivro, a obra reúne documentos e poemas dos ativistas Nísia Floresta, Luiz Gama e Castro Alves. A seleção dos documentos, que inclui uma correspondência em que José de Alencar e Machado de Assis elogiam Castro Alves, está alinhada com as primeiras iniciativas da literatura brasileira em abordar os horrores do sistema escravocrata aplicado no Brasil.
O audiolivro conta com a seleção das principais obras antiescravagistas desses três autores do romantismo brasileiro do século XIX. O conteúdo também traz um recorte de período que traça um perfil contundente dos escritores que atuaram pelo fim do regime escravocrata. Os escritos também retratam a miséria e o sofrimento vivenciados por pessoas à margem da sociedade.
Quem são os autores?
Luís Gama (1830-1882) foi advogado, abolicionista, jornalista e escritor brasileiro. Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil, foi filho de uma mãe negra livre e um pai branco, contudo foi escravizado até os 10 anos de idade;
Nísia Floresta (1810-1885) foi uma educadora, escritora e poetisa. Primeira na educação feminista no Brasil, teve protagonismo na comunicação jornalística e em movimentos sociais;
Castro Alves (1847-1871) foi um poeta representante da Terceira Geração Romântica no Brasil. Conhecido como “o poeta dos escravos”, expressou em suas obras indignação a problemas como a escravização. É patrono da sétima cadeira da Academia Brasileira de Letras.