publicado dia 6 de janeiro de 2017
Culturas das infâncias e como nós adultos quase as destruímos
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 6 de janeiro de 2017
Reportagem: Pedro Nogueira
Não quero banalizar o papel dos adultos na vida das crianças, mas, falando a verdade, nós adultos exageramos enormemente nosso papel em teorias e crenças sobre como crianças se desenvolvem. Somos imbuídos de uma visão adultocêntrica na qual nós criamos, socializamos e educamos as crianças.
*Este texto, de autoria de Peter Gray, foi originalmente publicado no blog Psychology Today.
Psicólogo evolucionista, Gray defende que brincar é essencial para o desenvolvimento humano e já concedeu entrevista ao nosso parceiro, o Portal Aprendiz, onde defendeu que sentir-se parte de uma comunidade é fundamental para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Professor do Boston College (USA), Gray também é autor do livro Free to Learn: Why Unleashing the Instinct to Play Will Make Our Children Happier, More Self-Reliant, and Better Students for Life.
Não há dúvida de que somos importantes em suas vidas. Crianças precisam de nós. Nós as alimentamos, vestimos, damos abrigo e conforto. Nós fornecemos exemplos (nem sempre bons) do que é ser um adulto. Mas nós não criamos, socializamos ou as educamos. Elas fazem isso por conta própria, e nesse processo são muito mais propensas a olhar para outras crianças do que para os adultos enquanto exemplos. Se os psicólogos da infância fossem na verdade psicólogos crianças, teorias sobre desenvolvimento infantil seriam muito mais sobre os amigos do que sobre os pais.
Você já notou como os gostos de seus filhos sobre roupas, músicas, maneiras de falar, passatempos ou sobre qualquer coisa no geral têm muito mais a ver com o que outras crianças gostam e fazem do que com o que você gosta ou faz? Com certeza você já notou. Crianças são biologicamente desenhadas para prestar atenção nas outras crianças de sua vida, para tentar se encaixar com elas, para serem capazes de fazer o que elas fazem, para saber o que elas sabem. Ao longo da história humana, foi assim que as crianças se educaram – e ainda é amplamente assim que elas se educam hoje, apesar de nossas tentativas obtusas de interromper isso e entregar o trabalho educativo para os adultos.
Onde quer que os antropólogos que observam as culturas tradicionais tenham prestado atenção às crianças assim como aos adultos, eles observaram duas culturas: a dos adultos e a das crianças. Ambas as culturas, é claro, não são completamente independentes uma da outra. Elas interagem e se influenciam; e as crianças, conforme crescem, gradualmente deixam a cultura da infância e entram na cultura adulta. A cultura infantil pode ser compreendida, ao menos em certo grau, como práticas culturais nas quais as crianças tentam diversas formas de ser e praticam, modificam e constroem habilidades e valores sobre a cultura adulta.
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Eu comecei a pensar seriamente sobre as culturas da infância quando olhei pela primeira vez para as sociedades caçadoras-coletoras. Em minhas leituras, e em minhas pesquisas sobre antropólogos que viveram nessas sociedade, aprendi que as crianças – com idades entre cerca de quatro anos até a metade da adolescência – passam a maior parte de seu tempo brincando e explorando com outros grupos de crianças, longe dos adultos (Gray, 2012, também disponível aqui). Elas brincam em grupos de idades variadas, nos quais os mais jovens emulam o que foi aprendido dos mais velhos. Eu descobri que os antropólogos que haviam estudado as crianças em outros tipos de culturas tradicionais também escreverem sobre o envolvimento delas em grupos de amigos como o meio primário de educação e socialização (Lancy et al, 2010; Eibl-Eibesfeldt, 1989). Judith Harris (1998), em uma discussão dessa pesquisa, notou que a popular frase “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança” é verdadeira se interpretada em um prisma diferente do que se costuma no ocidente. Em suas palavras, “a razão pela qual é preciso uma aldeia inteira não é porque é necessário um largo quórum de adultos para pastorear a juventude no caminho da virtude. É preciso uma aldeia porque em uma aldeia sempre há crianças o suficiente para formar um grupo de brincadeira”.
“A razão pela qual é preciso uma aldeia inteira não é porque é necessário um largo quórum de adultos para pastorear a juventude no caminho da virtude. É preciso uma aldeia porque em uma aldeia sempre há crianças o suficiente para formar um grupo de brincadeira”
Também percebi, enquanto pensava sobre isso, que a minha própria infância, em Minnesota e em Wisconsin (estados do norte dos EUA) nos anos 1950, foi parecida com a das crianças em muitas sociedades tradicionais. Nós tínhamos escola (que não era algo tão grande quanto hoje) e tarefas, e alguns de nós tinham trabalhos ocasionais, mas, ainda, a maior parte de nosso tempo era gasto com outras crianças, longe dos adultos. Minha família se mudava com frequência e em cada povoado ou cidade para qual nós nos mudávamos eu encontrava uma cultura da infância distinta, com jogos e tradições diferentes, outros valores e novas formas de fazer amigos. Sempre que nos mudávamos, minha primeira grande tarefa era entender a cultura de meus novos amigos, para que pudesse me tornar parte disso. Eu sou um tímido nato, o que considero uma vantagem, pois não me jogava na turma e me fazia de bobo. Eu observava, estudava, praticava as habilidades que julgava ser importantes para meus novos colegas, e então cautelosamente começava a me aproximar e fazer amigos. Na metade do século 20, um grande número de pesquisadores descreveu e documentou muitas das culturas da infância que poderiam ser encontradas nos bairros dos EUA e da Europa (e.g. Opie & Opie, 1969).
Por qual razão, no curso da seleção natural, nossas crianças desenvolveram uma inclinação tão forte para passar tanto tempo quanto fosse possível com os seus e evitar adultos? Pensando um pouco, não é difícil ver as razões. Existem muitas lições valiosas que as crianças podem aprender em interação com outras crianças, longe dos adultos, e que elas não podem aprender – ou ao menos é muito menos provável que aprendam – em interação com adultos. Aqui vão algumas delas.
Comunicação autêntica
Eu não sei isso é verdade ou não nas culturas tradicionais, mas nas culturas do mundo ocidental moderno, os adultos são terrivelmente condescendentes em seu trato com a infância. Suas comunicações com as crianças, especialmente as bem-intencionadas, são frequentemente desonestas. Pense, por exemplo, quando um adulto pergunta à uma criança de quatro anos, “que cor é essa?” enquanto aponta para um brinquedo vermelho. Essa não é uma pergunta sincera. A não ser que o adulto seja cego, ou daltônico, ele sabe muito bem que cor é aquela. Uma criança nunca perguntaria algo tão estúpido. Quase todas as questões que os professores perguntam, ao longo de todas as séries da escola, são desonestas; o professor sabe de antemão a resposta (ou considera que sabe pois leu na apostila), então sua questão nunca é uma questão: é um teste.
Ou pense no adulto que diz: “Que lindo, que artista maravilhoso você é”, enquanto observa os últimos rabiscos da criança. Crianças nunca louvam seus iguais assim. Mesmo conforme as crianças envelhecem, os adultos tendem a levar conversas de maneiras que sugerem que ou os adultos ou as crianças são idiotas, e frequentemente seus comentários tem mais a ver com tentar ensinar algo às crianças, ou controlá-las de algum jeito, do que com tentativas genuínas de compartilhar ideias ou entender o que elas pensam.
As crianças pequenas comunicam umas com as outras principalmente no contexto da brincadeira, e o que é comunicado tem significado real. Elas negociam sobre o que farão e como brincam. Discutem as regras. Negociam de forma bastante similar àquela adotada pelos adultos uns com os outros. Isso configura um treino muito melhor para a futura comunicação adulto-adulto do que as conversas que crianças costumeiramente têm com adultos.
As crianças pequenas comunicam umas com as outras principalmente no contexto da brincadeira
Conforme envelhecem, e especialmente na adolescência, a comunicação entre eles têm mais a ver com as emoções e batalhas que eles experienciam. Eles podem se abrir com seus amigos, porque eles não vão exagerar ou tentar tomar o controle da maneira que seus pais ou outros adultos fariam. Eles querem falar sobre o que importa em suas vidas, mas não querem que alguém vá usar suas questões como uma desculpa para torná-los subordinados. Eles podem, com bons motivos, confiar em seus amigos de um jeito que é inviável com pais ou professores.
Independência e coragem
O objeto final da infância é se distanciar da dependência dos pais e se estabelecer como um indivíduo. A partir dos dois anos – os “dois terríveis” quando a palavra favorita delas é o “não” – as crianças estão claramente neste caminho. Tipicamente, aos quatro anos ou um pouco depois, as crianças querem se afastar de seus pais e de outros adultos e passar seu tempo com as crianças, quando elas podem tentar outras formas de ser que não seriam possíveis na presença de adultos.
As culturas infantis geralmente se põe em uma oposição oposta à cultura adulta, deliberada e adaptativamente. Mesmo as mais jovens começam a usar palavras escatológicas e proibidas, abertamente desafiando os ditames adultos. Eles adoram caçoar dos adultos e encontrar maneiras de violar as regras. Por exemplo, quando as escolas fazem regras sobre levar armas de brinquedo, as crianças trazem pequenas armas de brinquedo e facas de plástico para a escola em seus bolsos e escamoteadamente as exibem uns para os outros, mostrando com orgulho como eles violaram uma regra sem sentido que lhes foi imposta (Corsaso & Eder, 1990).
O antropólogo Collin Turbull (1982) notou que as crianças em grupos de caçadores-coletores construíam suas próprias cabanas para brincar, afastadas do acampamento principal, e lá passavam boa parte de seus tempo caçoando dos adultos, exagerando suas maneiras e argumentos mal construídos. Para aprender adaptativamente dos adultos, as crianças precisam não simplesmente absorver o que é bom, mas também saber julgar e diferir o ruim, e elas não podem fazer isso livremente com os adultos presentes.
“Parte do processo de obter independência reside em ganhar coragem”
Parte do processo de obter independência reside em ganhar coragem: coragem para enfrentar os desafios e enfrentar as emergências que são parte da nossa vida cotidiana. Em seus grupos de brincadeiras, longe dos adultos, crianças de todo o mundo brincam de maneira que os adultos podem considerar perigosas e por isso tentarão prevenir. Elas brincam com objetos afiados e fogo, escalam árvores e se desafiam a ir mais alto. Crianças pequenas, em brincadeiras fantásticas, imaginam-se lidando com ogros, bruxas, dragões, lobos e outros tipo de predadores e assassinos. Em tais jogos, estão aprendendo a lidar com o medo, uma habilidade crucial para qualquer um que pretenda se manter vivo e bem em face do perigos da vida real que nos acomete nos diferentes momentos da vida (para ler mais, clique aqui).
Ao brincar entre si, as crianças criam suas próprias atividades e resolvem seus problemas ao invés de confiar em uma autoridade poderosa para resolver essas questões por eles. Essa é uma grande vantagem de se brincar longe de adultos. Nessas brincadeiras eles têm que ser adultos, precisamente porque não há ninguém por perto. O brincar é o espaço de treinar para a vida adulta. E os adultos estragam esse propósito do brincar quando eles tentam intervir e ajudar.
Criar e entender os propósitos e a maleabilidade das regras
Uma diferença fundamental entre os jogos dos adultos e das crianças é que nós geralmente respeitamos regras pré-acordadas. Já as crianças entendem as regras como modificáveis. Quando adultos jogam futebol ou Palavras Cruzadas, ou qualquer outro jogo, eles tentam seguir as regras “oficiais” do jogo. Em oposição, as crianças geralmente fazem as regras enquanto jogam (Youniss, 1994). Isso é verdade até quando elas jogam futebol ou Palavras Cruzadas, se não há nenhum adulto para reforçar as regras oficiais. Essa é só uma das maneiras que fazem do jogo infantil muito mais criativo que o dos adultos.
Até Jean Piaget (1932), o famoso psicólogo do desenvolvimento, notou há muito que a criança desenvolve um senso mais sofitiscado e útil das regras quando ela brinca com outras crianças do que com adultos. Com adultos, elas têm a impressão de que as regras são fixas, de que vêm de uma alta autoridade e não podem ser mudadas. Mas, quando brincam entre si, graças à natureza mais igualitária da relação, elas se sentem livres para desafiar ideias pré-concebidas sobre regras, o que leva a negociações e mudanças. Elas aprendem, desta maneira, que as regras não vêm dos céus, mas são convenções humanas para fazer da vida mais divertida e justa. Essa é uma lição importante: é a pedra fundamental da democracia.
Treinar e construir as habilidades e valores da cultura adulta
Mesmo enquanto elas se diferenciam da cultura adulta, as crianças importam características dessa cultura na sua. Crianças assimilam em seu brincar muitas das habilidades e valores que observam entre os mais velhos. É por causa disso que as crianças de culturas caçadoras-coletoras brincam de caçar e coletar; porque crianças de culturas pastorais-agrícolas brincam de pastorear e plantar; e é por isso que as nossas crianças brincam com computadores. É também por isso que as crianças de sociedades caçadoras-coletoras não brincam de jogos competitivos (os adultos em suas culturas repudiam a competição), enquanto crianças em nossa cultura brincam de jogos competitivos (ainda que não no grau que os adultos fazem quando são envolvidos).
As crianças não apenas imitam, na brincadeira, o que elas observam entre os adultos. Ao invés, elas interpretam o que observam, tentam variações, e desse jeito se esforçam para dar sentido ao que veem. A brincadeira infantil é sempre criativa e no brincar elas experimentam de novas formas os temas derivados da vida adulta. É assim que cada geração constrói sobre, ao invés de apenas replicar, a cultura da geração dos pais.
“Cada geração constrói sobre, ao invés de apenas replicar, a cultura da geração dos pais”
Crianças são naturalmente atraídas para as inovações que acontecem na cultura mais ampla que as cerca. Já os adultos costumam desconfiar de tais mudanças que a infância abraça. Isso é bem ilustrado hoje pela ânsia das crianças em aprender como usar as mais novas tecnologias da computação; elas frequentemente estão bem à frente de seus pais nisso. As culturas infantis se focam, natural e adaptativamente, nas habilidades que são importantes para o mundo no qual elas estão crescendo, não ao mundo que era quando seus pais cresciam. Adultos, em muitas gerações, costumam desmerecer o fato de que as crianças não brincam do jeito que eles brincavam quando eram crianças. Essa é uma das razões pelas quais as crianças precisam se afastar da vigilância adulta para brincar adaptativamente.
Conviver com os outros como iguais
A principal diferença entre adultos e crianças que afeta suas interações tem a ver com poder. Adultos, por causa de seu tamanho, força, status, experiência de mundo e controle dos recursos, têm poder sobre as crianças. Então, as interações infantis com adultos geralmente são desequilibradas, atravessando um desnível de poder. Se as crianças devem crescer para serem adultos integrais, elas precisam aprender a conviver com os outros como iguais. Na maior parte do tempo, elas só podem realizar isso com outras crianças, não com adultos.
Talvez a função mais importante das culturas das infâncias seja ensinar para as crianças como conviver com seus colegas. Crianças treinam isso constantemente quando brincam socialmente. Para brincar com outra pessoa, você deve estar atento às necessidades dela, não apenas às suas, ou ela vai deixar de brincar. Você precisa superar o narcisismo. Você precisa aprender a dividir. Você precisa aprender a negociar de maneiras que respeitem as ideias do outro, não apenas as suas. Você precisa aprender a afirmar seus interesses e desejos e ao mesmo tempo compreender e tentar chegar a termos com os desejos e vontades do seu colega de brincadeira. Essa pode ser a competência mais importante necessária para os humanos terem uma vida exitosa. Sem tal habilidade, não é possível ter um casamento feliz, amigos verdadeiros ou colegas de trabalho cooperativos.
A necessidade de aprender a lidar com outros em pé de igualdade é a principal razão pela qual as crianças precisam crescer numa cultura de infância. Ela é a base de todo o aprendizado. A razão pela qual as comunicações das crianças são muito mais autênticas do que aquelas com os adultos, do porque elas podem aprender sobre a mutabilidade das regras com outras crianças melhor do que com adultos, e porque elas podem treinar mais livremente as competências está no fato de que as relações entre elas são muito mais igualitárias do que de dominância e subordinação.
Os adultos das culturas de caçadores-coletores pareciam entender que as crianças precisam crescer em uma cultura infantil, com pouca interferência adulta, mas tal entendimento minguou com a ascensão da agricultura, da propriedade da terra, das organizações hierárquicas e do poder entre adultos (Gray, 2012). Os adultos começaram a entender como sendo seu o dever de suprimir a vontade natural das crianças, para promover a obediência, que costumeiramente envolve retirá-los do convívio e da influência de seus amigos e subordiná-los à autoridade adulta. Os primeiros sistemas de educação compulsória, que são os antepassados das nossas escolas, surgiram claramente com esse propósito.
Se há um pai das escolas modernas, era o padre pietista [uma vertente do luteranismo] August Hermann Francke, que desenvolveu um sistema de escolarização compulsória na Prússia, no século 17, que foi sistematicamente copiado e sofisticado ao redor da Europa e da América. Francke escreveu, em suas instruções aos reitores: “Acima de tudo, é necessário quebrar a vontade natural da criança. Enquanto o reitor buscar tornar a criança educada for elogiado por cultivar o intelecto das crianças, ele não fez o suficiente. Ele esqueceu sua tarefa mais importante, nomeadamente aquela de tornar a criança obediente.” Francke acreditava que a forma mais eficiente de quebrar o desejo das crianças era o constante monitoramento e supervisão. Ele dizia: “Os jovens não sabem como regular suas vidas, são naturalmente inclinados para a ociosidade e comportamentos pecaminosos quando deixados a sós. Por essa razão, é uma regra nessa instituição [as escolas prussianas pietistas] que um pupilo nunca deve estar sem a presença de um supervisor. A presença do supervisor irá enrijecer a inclinação ao comportamento pecaminoso, e lentamente enfraquecer sua vontade.” [citado por Melton, 1988.]
“Nós criamos um mundo no qual as crianças estão quase sempre na presença de um supervisor”
Nós podemos rejeitar a maneira de Francke dizer isso, mas as premissas que sublinham muitas das visões adultas sobre as infâncias ainda estão nessa tradição. De fato, forças sociais conspiraram de maneira muito efetiva para colocá-las em prática, ainda mais que no passado. Pais se convenceram de que é perigoso e irresponsável deixar que as crianças brinquem umas com as outras, longe dos adultos, então as restrições nestes tipos de brincadeira são mais severas e efetivas do que jamais foram. Ao aumentar o tanto de tempo que elas passam na escola, ao expandir a lição de casa, reforçando constantemente a importância de ir bem em testes escolares, banindo as crianças dos espaços públicos a não ser que estejam acompanhadas, e substituindo o livre brincar por atividades esportivas coordenadas por adultos, nós criamos um mundo no qual as crianças estão quase sempre na presença de um supervisor, que está pronto para intervir, proteger e prevenir a prática da coragem e da independência, e de tudo mais que elas aprendem melhor umas com as outras. Eu acho que essa é uma das principais razões pelas quais vemos níveis recordes de ansiedade, depressão, suicídio e sentimento de impotência entre adolescentes e jovens adultos.
Acredito que há, de toda forma, uma razão improvável do porque nós adultos não conseguimos esmagar essa cultura nas sociedades contemporâneas. É a Internet. Nós criamos um mundo no qual as crianças são proibidas de se congregar no espaço público sem supervisão de adultos, mas elas encontraram outro jeito. Elas se reúnem no ciberespaço. Jogam e se comunicam pela Internet. Criam suas regras, culturas e modos de ser umas com as outras. Dão risada dos adultos e zombam de suas regras. Eles, especialmente os adolescentes, dividem pensamentos e sentimentos com amigos através de mensagens e das mídias sociais, e estão vários passos à frente de seus pais em encontrar novas maneiras de manter sua privacidade online.
É claro, que há toda reclamação e grita de educadores e especialistas sobre como precisamos banir ou limitar o tempo de conexão dos jovens. Sim, se nós fizéssemos isso, enquanto os mantemos banidos dos espaços públicos sem supervisão adulta, nós finalmente conseguiríamos destruir as culturas das infâncias. Nós os privaríamos de se auto-educar do jeito que eles sempre fizeram, e nós vemos veríamos um crescimento de uma geração de adultos que não sabem ser adultos porque nunca puderam brincar do que é ser um.
(Todas as fotos que ilustram essa matéria foram retiradas do Flickr via Creative Commons. A foto de capa é de Khánh Hmoong)
Por Peter Gray*, traduzido por Pedro Ribeiro Nogueira