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publicado dia 19 de fevereiro de 2025

Como está o acesso da população negra à cultura nas cidades?

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒️Resumo: A pesquisa “Cultura nas Capitais” joga luz nos diferentes padrões de consumo cultural no Brasil. De acordo com o levantamento, pessoas brancas acessam com mais frequência atividades como museus e teatros, enquanto pessoas pretas participam mais de festas populares. Entenda o que explica essas diferenças.

As desigualdades raciais estruturais que atravessam o Brasil se refletem até mesmo no acesso à cultura. É o que concluiu o mapeamento sobre hábitos culturais nas metrópoles “Cultura nas Capitais”, divulgada em fevereiro. 

Embora 55% da população brasileira seja autodeclarada negra (preta ou parda) de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o acesso de pessoas brancas a atividades culturais é superior ao de outros grupos raciais em sete das 14 atividades analisadas pela pesquisa.

São os brancos, por exemplo, quem têm mais acesso a atividades como ir ao cinema (54%) e consumir livros (67%). Já para as pessoas pretas, a porcentagem cai para 47% (cinema) e 60% (livros). Entre os pardos, o índice vai para 44% respondendo que vão ao cinema e 59% que costumam ler livros.

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O levantamento ouviu 19,5 mil pessoas em todas as capitais e no Distrito Federal em 2024. A pesquisa é realizada pela  JLeiva Cultura & Esporte, com patrocínio do Itaú e do Instituto Cultural Vale e em parceria com a Fundação Itaú.

Disparidade racial no acesso à cultura

Para Carla Chiamareli, gerente do Observatório Fundação Itaú, essa disparidade racial no acesso à cultura pode ser explicada pela desigualdade de renda e ausência de atividades culturais nas periferias, além da questão da representatividade das apresentações artísticas.

A maioria dos brasileiros autodeclarados pretos e pardos mora em favelas (73%), também de acordo com o Censo 2022 do IBGE, onde a oferta de atividades culturais é escassa e, em muitos casos, se limita ao ambiente escolar ou aos pontos de cultura criados pelas prefeituras. 

“A pesquisa demonstra, por exemplo, que os entrevistados pretos e pardos se importam mais que os eventos culturais reflitam a realidade onde moram, a identidade étnico-racial e valorizam mais a cultura brasileira. Isso aponta para o fato de que é fundamental políticas culturais que busquem descentralizar a oferta de atividades, mas é igualmente importante olharmos com cuidado para a questão da curadoria e da representatividade dessas apresentações artísticas”, destaca.

Protagonismo negro em manifestações culturais populares

Ainda segundo a pesquisa Cultura nas Capitais, as pessoas brancas têm mais acesso a atrações culturais concentradas nas regiões centrais das cidades, como museus (32%), teatro adulto, infantil, stand up ou musical (29%), feiras literárias (24%), concertos (11%) e locais históricos (49%). 

Enquanto as pessoas pretas estão à frente de atividades que ocorrem sobretudo nos territórios, como espetáculos de dança (27%), shows de música (44%), saraus (15%) e festas populares (39%). No caso das festas populares.

Marcio Farias, pesquisador do Departamento de Psicologia Social  da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenador do Centro de Pesquisa, Formação e Relações Raciais AMMA Psique e Negritude, explica que a população negra tem, historicamente, um protagonismo nas manifestações culturais que valorizam determinadas tradições, como o Congado — manifestação cultural religiosa de origem afro-brasileira que ocorre em diversas regiões do país — e o Maracatu, ritmo musical e de dança predominante no Nordeste.

Apresentação do Bloco Rio Maracatu, no Rio de Janeiro, em 13 de fevereiro de 2024.
Apresentação do Bloco Rio Maracatu, no Rio de Janeiro, em 2024.

“Além do protagonismo, existe uma identificação. São culturas de enraizamento territorial, que ligam as pessoas aos próprios bairros também. Já os museus, teatros e concertos têm um outro tipo de protagonismo, de uma cultura que se apresenta predominantemente como branca e elitista”, analisa.

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Para Farias, deve-se considerar a noção que a sociedade tem do que é  cultura também, para não valorizar uma atividade cultural em detrimento de outra. Em outras palavras, uma festa popular deve ter o mesmo valor cultural que um museu, por exemplo. 

Pertencimento e centralização de atividades culturais

A centralização de equipamentos como museus e teatros nas áreas centrais das cidades é apontada pelo pesquisador como um fator predominante para a falta de acesso da população negra a esses espaços, mas não somente. É que esses ambientes costumam se apresentar de maneira hostil para essa população, o que impede o sentimento de pertencimento a esses locais.

“A localização acaba, de fato, tendo um fator predominante, levando em consideração que a maior parte da população negra vive nas periferias. Mas mesmo  a parte da população negra que tem acesso, volta para a questão anterior, de não se identificar”, pontua Farias.

Jardim do Museu do Ipiranga, em São Paulo.
Museu do Ipiranga, em São Paulo (SP). Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

É cada vez mais comum as instituições museológicas e teatrais apresentarem exposições e peças que valorizam a cultura negra, mas, na avaliação do pesquisador, ainda falta uma conexão com outras áreas, além de esforços para que a população negra e das periferias acessem com mais facilidade esses espaços.

“Os museus, teatros e cinemas têm tentado, de certa forma, diversificar a sua programação, só que ainda tem uma discussão de pensar o espaço de valorização dessas culturas, e aí precisa ter ações de interface com outras áreas, como educação, com as bibliotecas, enfim”, considera Farias.

Para democratizar esses espaços, o pesquisador defende a criação de políticas públicas em articulação com organizações da sociedade civil. “Numa ação conjunta, de curto, médio e longo prazo, para que a gente possa reverter esse quadro e que os espaços sejam mais fluidos de acesso e circulação”, finaliza.

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