publicado dia 21 de março de 2024
Como criar cidades mais sustentáveis e acolhedoras para as crianças?
Reportagem: Carol Scorce
publicado dia 21 de março de 2024
Reportagem: Carol Scorce
📄Resumo: O que muda em uma cidade quando ela é pensada para acolher as necessidades e potências das infâncias? Conheça a experiência do município de Jundiaí (SP) e entenda o que acontece na vida urbana quando os espaços e políticas públicas são pensados para as crianças, com a participação ativa delas.
Como seriam as cidades se a prioridade fosse a infância? No Brasil, mais de 80% das crianças vivem em áreas urbanas, segundo a pesquisa Perfil das Crianças do Brasil, de 2018, feita pelo programa IBGE Educa. No entanto, a forma como as cidades são desenhadas e planejadas nem sempre considera as necessidades específicas das crianças, em especial das menores, tampouco das pessoas responsáveis por seus cuidados.
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Durante os trajetos diários, as crianças e suas famílias enfrentam, por exemplo, a escassez de opções de mobilidade e espaços públicos acessíveis, convidativos e seguros. A falta de ambientes urbanos confortáveis pode afetar negativamente o desenvolvimento físico, mental e cognitivo, além de aumentar o estresse de familiares, responsáveis, educadores da comunidade escolar.
Como deve ser, então, uma cidade pensada para crianças? Iniciativa da instituição holandesa Fundação Van Leer, a Rede Urban95 aponta para um primeiro ponto-chave: a cidade deve ser pensada não só para as crianças, mas por elas.
O principal eixo da organização, que atua disseminando a agenda de políticas urbanas para as infâncias, é levar lideranças e urbanistas a pensar as cidades do ponto de vista de quem tem 95cm – a altura média de uma criança de 3 anos.
A provocação da rede aos gestores públicos é: os espaços da sua cidade são amigáveis e saudáveis para as crianças de 0 a 6 anos e seus cuidadores? Como as crianças podem ajudar a criar e construir cidades sustentáveis?
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Coordenadora de projetos da Urban95, Thaís Sanches explica que cidades acolhedoras para os pequenos são aquelas nas quais é possível encontrar bons serviços públicos, gestão integrada, proximidade com a natureza, ruas e praças seguras, agradáveis e inclusivas, com atividades gratuitas em recreação, esporte, cultura, parques e pertencimento ao território.
A Urban95 recomenda, por exemplo, que os bairros tenham serviços essenciais que possam ser encontrados em até 15 minutos, com deslocamentos em transporte público de até 10 minutos.
A rede trabalha com três frentes principais: a primeira é o contato com a natureza, levando em conta se os espaços são lúdicos, seguros, com conforto térmico, e promovendo interações positivas. Já a segunda observa se os equipamentos e as políticas públicas de saúde, assistência social e Educação Infantil estão qualificados e integrados. A terceira frente leva em conta os aspectos que envolvem governança e institucionalização de políticas públicas, prevendo a interlocução e assessoria com servidores e gestores públicos.
“Nós entendemos o espaço como um sujeito. O desenvolvimento da criança acontece a partir das interações. Interação com outras crianças, com a família, outros adultos, mas também com o lugar onde ela se desenvolve. Esse lugar precisa promover interações positivas”, explica Thais.
Pensar a cidade a partir das necessidades das infâncias exige também olhar para o futuro próximo. Diante da crise climática em curso, é preciso considerar o impacto dela para a vida das crianças nas cidades, bem como buscar soluções de mitigação.
Divulgado em 2022 pelo Unicef, o estudo Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil detalha alguns dos principais impactos da crise climática para as infâncias e adolescências brasileiras.
“Ao menos 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostas a mais de um dos riscos analisados no estudo, o que representa quase 60% das crianças e dos adolescentes no país. Por exemplo, mais de 8,6 milhões de meninas e meninos brasileiros estão expostos ao risco de falta de água; e mais de 7,3 milhões estão expostos aos riscos decorrentes de enchentes de rios”, diz a pesquisa.
A expectativa é que a escala e o ritmo da urbanização global, somadas à crise climática, deixem bebês, crianças pequenas e cuidadores ainda mais vulneráveis.
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A consultora de Educação do Programa Criança e Natureza do Instituto Alana, Paula Mendonça afirma que a instituição tem sido cada vez mais procurada pelos municípios para pensar soluções de conforto térmico na Educação Infantil. Uma realidade que é consequência das temperaturas cada vez mais altas e das ondas de calor extremo mais frequentes.
Paula Mendonça relata que as Secretarias de Educação estão recebendo cada vez mais pedidos por aparelhos de ar-condicionado, seja dos educadores seja das famílias e alunos, uma solução cara e que gera impacto ambiental negativo.
“É preciso, de fato, pensar em escolas mais frescas. Isso significa pátios com solo permeável e plantio de árvores, por exemplo, criando um microclima mais agradável, com soluções baseadas na natureza”, propõe a consultora.
No Brasil já existem exemplos de municípios cujas políticas públicas são norteadas pelo compromisso com as infâncias. Cerca de 27 deles fazem parte do projeto Cidades Urbanas, articulado pela Urban95.
Um exemplo é Jundiaí (SP), município localizado a 50 km da capital. Com diferentes projetos e iniciativas que integram políticas públicas e colocam a infância como alicerce, Jundiaí faz parte da Rede Latino-Americana – Cidade das Crianças, idealizada pelo pedagogo italiano Francesco Tonucci, desde 2018.
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Quem é Francesco Tonucci
Pensador, pedagogo e desenhista, o italiano Francesco Tonucci é uma das vozes mais ativas e influentes no que diz respeito à participação social da infância na discussão pública sobre o futuro das cidades. O intelectual aposta na transformação das cidades a partir do olhar das crianças que nela habitam e defende que as políticas públicas urbanas têm como tarefa garantir o direito ao brincar
No ano anterior, 2017, o município deu o primeiro passo na elaboração da sua Política Municipal da Criança na Cidade, cujo objetivo é orientar o planejamento urbano, os projetos e as ações das diferentes áreas para o desenvolvimento saudável e seguro de crianças, favorecendo a ocupação dos espaços públicos com segurança, contato com a natureza, mobilidade, acessibilidade e entretenimento.
O Secretário de Cultura da cidade, Marcelo Peroni, é o ponto focal nos programas que envolvem a relação cidade-infância. Ele explica que o eixo principal de atuação é a escuta e a participação infantil nas políticas municipais.
Assim, foi criado em Jundiaí o Comitê das Crianças, espaço de diálogo ativo e deliberativo entre as crianças e os gestores municipais.
Os pequenos participam, por exemplo, da construção do Plano Plurianual da cidade, prevendo ações e verbas no orçamento público. Na cidade, a seleção das crianças e tutores para o comitê é feita por sorteio, prevendo a representação por bairros. A cada ano, são escolhidos 24 meninos e meninas para os cargos.
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Um dos principais pedidos das crianças é justamente o plantio de mais árvores e a criação de parques. “O comitê é muito importante para nós porque ele norteia todas as outras ações. Foi com ele que conseguimos colocar a infância como um capítulo especial das nossas políticas públicas.”, explica o secretário.
Foi a partir do processo de escuta com as crianças, por exemplo, que a cidade criou o programa De Olho na Faixa, prevendo a redução de velocidade no entorno de unidades escolares. Peroni afirma que o sucesso dos projetos dependem de uma gestão intersetorial. “Um Grupo Técnico de Trabalho integra os diversos setores e secretarias, que dialogam na construção de políticas voltadas para as crianças.”
Outro exemplo dessas políticas é a Fábrica das Infâncias Japy: um espaço cultural com espetáculos, brincadeiras, convívio familiar e um Parque Naturalizado, conceito que oferece relação e acesso da criança no espaço urbano com a natureza.