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publicado dia 4 de junho de 2024

Como a crise climática no Rio Grande do Sul afeta os direitos de crianças e adolescentes

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Resumo: Milhares de crianças e adolescentes estão entre as pessoas que perderam suas casas e consequentemente suas identidades por causa das inundações que atingiram o Rio Grande do Sul. Especialistas apontam que, além da falta de acesso a condições adequadas de vida, a atual situação evidencia a necessidade de políticas para garantir o cuidado com a saúde mental, entre outros direitos.

Mais de 616 mil pessoas ainda estão desabrigadas no Rio Grande do Sul devido à situação de calamidade pública provocada pelas enchentes que atingiram o estado do fim de abril a maio, de acordo com informações da Defesa Civil. Entre elas, estão milhares de crianças e adolescentes que perderam seus vínculos e estão expostos a diversas violações de direitos.

Diferentes organizações voltadas aos direitos das crianças nos territórios gaúchos se articularam para garantir os princípios estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como o de zelar pela dignidade desses grupos vulnerabilizados.

Foto: André Borges/Agência Brasil

Nas primeiras semanas de inundações surgiram relatos de meninos e meninas desaparecidos ou separados dos familiares e até de abusos de crianças e adolescentes nos abrigos. Passado mais de um mês das fortes chuvas, hoje o destaque é para   a saúde mental dessa parcela da população.

“A maior violação neste momento é a vulnerabilidade. A condição dessas crianças é de ausência de condições adequadas de vida, de espaço para morar, alimentação e sono adequados. Estamos vivendo uma precarização da infância na cidade de Porto Alegre e em todo o Rio Grande do Sul”, aponta a psicóloga Andreia Mendes dos Santos, coordenadora do Laboratório de Infâncias (Labinf) da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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O relatório “Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil”, publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2022, destaca que essas populações são as que mais sofrem com os impactos das mudanças no clima em função de estarem em uma fase mais sensível do desenvolvimento. As crianças e adolescentes também são quem convive por mais tempo com as consequências das emergências climáticas como a que assola atualmente as cidades do Rio Grande do Sul.

Segundo estudo, crianças e adolescentes são os que mais sofrem com mudanças climáticas. Foto: Lauro Alves

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) criou uma força-tarefa para acompanhar a situação dos abrigos no estado. A pasta enviou representantes de setores como a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente para ajudar  no acesso à documentação básica e garantia da proteção dos direitos e da segurança da população infantojuvenil.

O secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Cláudio Vieira, afirma, em entrevista ao Educação e Território, que o cuidado com a saúde mental dessas populações vai exigir atenção do governo a longo prazo. “É um trauma muito grande, em especial para as crianças e adolescentes, por isso os governos devem estar atentos a isso. É uma ruptura grande e o atendimento de saúde para quem perdeu seus vínculos precisa ser permanente. Fazer ações para a saúde mental é tão importante quanto fazer ações de moradia”, observa.

Estudo feito pelo Observatório das Metrópoles identificou ainda que todos os gaúchos foram afetados de alguma forma pelas enchentes, mas as pessoas que vivem nas áreas mais pobres e de maioria negra foram as mais afetadas pelas inundações, isso porque alguns desses territórios tiveram a legislação urbanística alterada recentemente para permitir mais construções e beneficiar o mercado imobiliário.

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“São famílias que já estavam em áreas de risco e já viviam com o medo de enchentes, de sair de casa, de perder alguém. É uma sequência de traumas”, pondera a psicóloga  Andreia Mendes dos Santos.

Mais de 80 mil gaúchos estão em abrigos, de acordo com a Unicef. Foto: Diego Vara

O direito à infância

O Parque Esportivo da PUCRS, em Porto Alegre, abriga no momento quase 280 pessoas e 60 crianças e adolescentes. No espaço, a psicóloga Andreia e outros profissionais da instituição de ensino têm desenvolvido atividades de recreação para ajudar os mais novos a lidar com o trauma de ter perdido grande parte das suas referências de vida junto de suas casas.

“Formamos espaços infantis onde pudéssemos dar para as crianças momentos de ludicidade e brincadeiras porque é importante para elas preservarem sua natureza. As crianças se expressam de diferentes maneiras e, através do desenho e da conversa com outras crianças, podemos acessar o que elas estão pensando e como estão lidando com tudo o que está acontecendo. Precisamos pensar na identidade dessas crianças e adultos que perderam suas certidões de nascimento, suas carteiras de identidade e todos os seus registros de história de vida”, analisa Andréia.

Como as escolas devem se preparar para retornar às aulas?

O evento climático extremo afetou o calendário escolar de cerca de 1,8 mil escolas estaduais e municipais, de acordo com dados do Governo do Rio Grande do Sul. Algumas escolas de Porto Alegre, por exemplo, retomaram as aulas no fim de maio, depois de as previsões meteorológicas se mostrarem mais otimistas. No entanto, especialistas avaliam que o retorno das crianças e adolescentes às aulas deveria ocorrer com mais cautela e focado na assistência.

“Não adianta só voltar para a aula. A escola tem que se preparar para receber essas crianças e entender que nesse ambiente seguro muitos sintomas dos traumas vividos nesse período vão começar a acontecer daqui para frente. A criança pode parecer mais chorosa, deprimida, agressiva, por isso políticas voltadas para as famílias são importantes”, defende a psicóloga.

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Outro desafio é entender a situação dos estudantes após as inundações. “Especialmente para crianças mais vulneráveis, é preciso saber onde ela está morando agora e do que precisa. Depois, o grande desafio vai ser integrar os múltiplos setores da política pública para atuarem juntos e garantirem a proteção social de todos”, diz Danilo Moura, oficial do clima e meio ambiente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Escola de Educação Infantil em Porto Alegre (RS) alagada após as chuvas e enchentes que atingem o estado. Foto: Júlia Azevedo/SMED/Prefeitura de Porto Alegre

Para o secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, superados os problemas que se mostraram mais urgentes como a garantia de direitos básicos das crianças e adolescentes, deve-se estruturar ações para prevenir eventos climáticos extremos como o que atingiu os municípios gaúchos. Cláudio Vieira não deu detalhes concretos de como o governo trabalhará nisso, pois segundo ele ainda é uma questão em desenvolvimento no governo federal.

“Na minha ideia, a reconstrução não é só material e física. Estamos vivendo em uma época em que os efeitos climáticos são evidentes e já estão acontecendo. Precisamos de uma consciência do que está acontecendo, de uma reflexão do que foi feito e propor soluções novas e que garantam a proteção das pessoas.”

Conanda faz recomendações para proteção de crianças e adolescentes em desastres climáticos

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)  elaborou um documento com 89 recomendações para a proteção integral a crianças e adolescentes em situação de riscos e desastres climáticos. O documento divulgado após a ocorrência das fortes chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul tem o objetivo de oferecer apoio, levantar dados e contribuir para assegurar a proteção integral aos direitos da criança e do adolescente a fim de reduzir sua vulnerabilidade e orientar a população em geral, os agentes públicos e privados que atuam nos três níveis da federação.

Entre as recomendações estão:

  • Aumentar a vigilância em portos, rodoviárias e aeroportos sobre crianças e adolescentes viajando sem familiares, com a finalidade de evitar o tráfico de crianças e adolescentes.
  • Orientar crianças e adolescentes sobre os seus direitos e acerca do que é apropriado ou inapropriado em termos de toque e comportamento, encorajando-os/as a comunicar imediatamente qualquer situação desconfortável ou suspeita a uma pessoa adulta de confiança ou referência.
  • Organizar espaço específico para o brincar e a livre expressão de crianças e adolescentes, disponibilizando brinquedos e materiais lúdicos, tendo uma pessoa adulta de referência para acompanhar as crianças e zelar pelo espaço, materiais e a interação entre o grupo.
  • A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, por meio do Disque 100, deve disponibilizar novos canais para comunicação de desaparecimento, de resgate, pedidos de ajuda, denúncias sobre qualquer tipo de violação de direitos, situações de crianças e adolescentes desaparecidos/as ou desacompanhados/as de seus responsáveis, em especial de crianças e adolescentes diante de eventos climáticos extremos.

Para conferir o documento completo, acesse aqui.

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