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Como um museu pode se aproximar do território?

Publicado dia 27 de maio de 2019

Um museu para o território, e construído junto com ele. É assim que antropóloga Julia Cort define o Horniman Museum & Gardens, museu em Londres (Inglaterra) onde é responsável pela gestão da relação entre o equipamento e a comunidade.

Localizado no subúrbio de Forest Hill, o museu – cuja coleção de objetos ultrapassa 350 mil itens, entre relíquias e objetos do cotiano –  usa a variedade de seu acervo para potencializar discussões sobre cultura e diversidade com a comunidade local.

“A filosofia de um museu para o território começa na fundação do Horniman Museum & Gardens, quando em 1890 Frederick John Horniman abre sua casa e coleção para as pessoas que vivem na vizinhança. Desde então, o museu é visto como uma coleção que pertence às pessoas que vivem nas proximidades.”

crianças de antigamente no museu
Desde de seus primórdios, o museu convida as crianças a participarem ativamente do acervo / Crédito: Horniman Museum & Gardens

Isso reflete na formação de um público que sente que o museu pertence a ele: em 2018, 63% da visitação foi feita por famílias, muitas delas locais e que já tinham estado lá outras vezes; 71 mil visitantes participaram de atividades de engajamento comunitário. No total, 800 mil pessoas estiveram no museu. 

Embora sejam bons números, Julia garante que ainda é grande o desafio de aproximar museus e outros equipamentos culturais do público local. Ainda que separados por um oceano de diferenças culturais e sociais, equipamentos culturais de São Paulo também lutam por essa aproximação: segundo a pesquisa Viver em São Paulo: Cultura, lançada em 2018, 58% dos paulistanos não frequenta ou frequenta pouco museus.

Em parceria com a plataforma Cidades Educadoras, Julia Cort elaborou uma metodologia que pode inspirar espaços culturais a olhar com cuidado para o público de seu território e desenvolver estratégias que envolvam a participação da comunidade na elaboração da programação.

#1 Mapear a comunidade e quem nela é ativo

Assim como o Ecomuseu de Maranguape (CE) ou o Memorial do Homem Kariri (CE), o Horniman Museum & Gardens não está localizado em um grande centro urbano. A mansão de largos tijolos e jardim com mais de 65 mil m²  se esparrama em Forest Hill, um bairro de subúrbio conhecido por sua população diversa, tanto cultural quanto socialmente. É também neste bairro que muitos imigrantes e refugiados encontram seu primeiro lar vindo de outros países.

Com uma comunidade mutável, que influencia diretamente na visitação do museu, Julia garante que o trabalho de olhar para o entorno é constante: “Nossa filosofia de um museu para o território tem que ser ativa, e não simplesmente falada. Isso significa que é necessário ter conexão forte com as pessoas e organizações certas na localidade”.

Para o Horniman Museum & Gardens, a relação com a comunidade começa por uma parceria com os censos locais, que mapeiam com constância a demografia do distrito e também os bairros no entorno. “Olhamos para o dados desses distritos e pensamos: qual a necessidade local? Por exemplo, da última vez que os dados saíram, percebemos que há uma porcentagem de pessoas na faixa dos 16 aos 25 sempre sozinha ou quase sempre sozinha. São um público que tem uma necessidade. Como podemos atingi-los?.”

Aliado ao mapeamento ativo da comunidade, Julia também aponta a necessidade de vínculo com figuras locais e que estejam envolvidas com o dia a dia do território. “A tendência é sempre de ir até um conselho local ou associação de moradores e conversar com a pessoa que está no topo. Só que essa pessoa é raramente a que passa tempo conversando com as outras. Temos que ir até quem realmente conhece seus vizinhos.”

A gestora comenta que essas pessoas em geral são moradores com mais tempo de bairro, e que é raro encontrá-las nas redes sociais ou por email. É necessário, então, sair das instituições, andar e conversar com os passantes na rua, no comércio e nas escolas. São eles que podem dizer como fazer o museu ser mais visitado ou porque ele não é.

#2 Criar um simpósio e definir com a comunidade a programação do museu

Uma vez por ano, o Horniman Museum & Gardens convida a comunidade local para um simpósio. É durante esse dia de encontro que a equipe do museu, visitantes e organizações podem passar um dia juntos e decidir qual temática será trabalhada pela instituição ao longo do ano.

“Passamos o dia inteiro junto com pessoas diversas do bairro, definindo parâmetros, futuras oficinas e discussões, tudo de maneira bastante propositiva. Ao fim do dia, escrevemos juntos um manifesto, um pedaço de papel com os pontos chaves decididos e onde sempre podemos retornar para ver os combinados”, relata Julia.

Nesse encontro, as temáticas são decididas por ideias disparadas às vezes pelo museu e outras pela comunidade. Em 2018, a instituição trouxe como ponto de partida sua extensa e mundialmente reconhecida coleção de instrumentos musicais. Foi do grupo local a ideia de usar a música para quebrar barreiras sociais e preconceitos, criando uma coesão comunitária.

A demanda resultou em oficinas e workshops onde diferentes instrumentos eram usados para se falar da cultura e da diversidade do lugar onde eram feitos e comumente tocados. “Isso só aconteceu porque diferentes pessoas estavam juntas naquele simpósio, pensando o que o museu poderia oferecer para elas.”

festa do dia dos mortos no museu
Comemoração do Dia de Los Muertos no Horniman Museum & Gardens / Crédito: Horniman Museum & Gardens

#3 Ver o potencial da diversidade local

Com uma coleção que amalgama diferentes culturas e um público composto por famílias etnicamente diversas, o Horniman Museum & Gardens se compromete com uma agenda antirracista, olhando para a diversidade como um potencial de aprendizado e de convivência.

“Temos uma política ativa com a nossa coleção de objetos. Muitos deles são do dia a dia, objetos que todo mundo usa, compra, vende ou ama. Recuperamos então a conexão das pessoas com o objetos e por meio dessas histórias e quebramos os estereótipos com relação ao outro.”

É também por meio deles, usando-os em oficinas e rodas de conversa, que o Horniman Museum & Gardens faz algo que encontra similaridade no Museu Afro Brasil, em São Paulo: passar uma agenda antirracista de forma propositiva.

“Não podemos empurrar uma agenda antirracista com conversas intelectuais, não é quem nossa audiência é. São famílias locais que querem aprender, então realizamos esse aprendizado com o nosso acervo”, explica a gestora.

# 4  A família como público principal

Ao andar pelos corredores ou jardins de Horniman Museum & Gardens, ou se deparar com uma atividade que acontece no chão de uma das galerias, é bem claro que existe um grupo prioritário que comparece a esses eventos. Famílias das mais diversas configurações compõem grande parte do público do museu.

“Ao tornar nossa coleção mais acessível, o museu vira um espaço para as famílias. Sabemos que elas gostam de interagir mais do que olhar, gostam de perguntar, ser ativas, e fazer uma atividade mais do que ficar perambulando”, relata Julia. Um dos pontos chaves nas práticas é usar a curiosidade das crianças para criar atividades que abracem todos os indivíduos das famílias.

Ainda é difícil vencer outros comuns concorrentes aos passeios familiares, como, no caso de Londres, as piscinas públicas ou parques temáticos, mas Julia acredita que é justamente no ideário de fazer o museu menos hermético e mais acessível, com atividades voltadas para diferentes faixas etárias, que isso pode acontecer.

“É presunção achar que todas as famílias são do mesmo jeito e que vão gostar das mesmas coisas, e só sabemos que isso é verdade porque trabalhamos com elas. O Horniman Museum & Gardens não é um lugar para os pais deixarem os filhos e irem embora. É para sentarem no chão com eles e aprender.”

criança mostra mandíbula de tubarão no horniman
Crianças participam das atividades no museu / Crédito: Horniman Museum & Gardens

#5 Parcerias com as organizações locais

Nos tantos anos de relacionamento com o território onde se insere, o Horniman Museum & Gardens aprendeu que não é possível trabalhar ilhado. Há toda uma gama de equipamentos como escolas, organizações e instituições culturais dispostos a fazer alianças e formar uma rede que beneficia o bairro.

“É sobre construir uma parceria em escala pequena e depois criar confiança. É trabalhar benefícios mútuos, porque do contrário, alguém vai sair perdendo e não tem como essa parceria ser sustentável”, afirma Julia.

Essa parcerias não necessariamente precisam culminar em eventos grandiosos e caros. É melhor construir pequenos encontros com uma organização na questão de refugiados, por exemplo, e fazer isso com assiduidade, fidelizando o público e a organização.

“Não é fácil, mas é preciso ter compromisso, construindo essa relação da maneira mais horizontal possível. No Horniman Museum & Gardens a gente descobriu que não é preciso fazer grandes projetos a cada seis meses para manter uma relação. Só é preciso continuar conversando”.

Práticas

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