publicado dia 13 de junho de 2024
Publicado dia 13 de junho de 2024
Refugiado climático
Em todo o mundo, estima-se que 216 milhões de pessoas poderão ser forçadas a migrar para outra região por causa de eventos climáticos extremos até 2050. Na América Latina, estão previstas 17 milhões. A projeção é de um relatório do Banco Mundial, que alerta para os efeitos das mudanças no clima na vida dos seres humanos nos próximos anos.
Os efeitos das mudanças climáticas já são vivenciados por diferentes populações em todo o planeta. Há milhares de pessoas que precisam deixar o território onde vivem por conta de eventos climáticos extremos como chuvas intensas, enchentes, ondas de calor e ondas de frio. O indivíduo que passa por essa situação é chamado de refugiado climático.
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Apesar de ser cada vez mais utilizado e defendido por ambientalistas, o termo carece de reconhecimento oficial. A Convenção dos Refugiados de 1951, por exemplo, oferece proteção apenas a pessoas que cruzam fronteiras internacionais para fugir de guerras, violência e perseguição. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a maioria dos deslocamentos ligados ao clima ocorre dentro dos países, por isso a terminologia indicada pela agência é “deslocamento interno em razão de mudanças climáticas”. Em síntese, a Convenção de 51 considera como refugiados apenas indivíduos que fogem de seus países de origem em busca de segurança diante de algum tipo de conflito que pode ter como motivação questões étnicas ou religiosas.
Ana Paula Leal Pinheiro Cruz, arquiteta e urbanista, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ambiente e Sociedade na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que refugiado climático é um termo “em disputa” e que possui “peso jurídico”.
“Ainda que o termo ‘refugiado climático’ não seja reconhecido no Direito Internacional, nos últimos anos alguns especialistas apontam que tem havido uma abertura nesse sentido e que o termo tem sido usado com maior frequência para alertar sobre as consequências diversas da mudança climática. Dessa forma, um refugiado climático ou um migrante climático é alguém que foi obrigado a se deslocar e deixar seu território, temporariamente ou definitivamente, por conta de eventos extremos ou condições ambientais adversas, como inundações, secas, desertificação, que muitas das vezes acirram conflitos por terra e água e impossibilitam a manutenção da vida nesses locais, podendo, no primeiro caso, procurar asilo em um outro país ou, no segundo caso, migrar dentro do seu próprio país”, explica Ana Paula.
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Brasil e o termo refugiado climático
A Academia Brasileira de Letras (ABL) define como refugiado climático a “pessoa que sai do país ou da região que habita para viver em outro local, devido a riscos relacionados aos efeitos extremos das mudanças climáticas como escassez de água potável, tempestades mais severas e aumento do nível das águas de rios e mares”.
O caso mais recente de evento climático no Brasil é o do Rio Grande do Sul, onde mais de 616 mil pessoas ainda estão desabrigadas por causa das enchentes que atingiram o estado, entre o fim de abril e o início de maio. Milhares de pessoas saíram de suas cidades sem saber se poderão voltar algum dia. Elas também são exemplos de refugiados climáticos.
“Usar ‘refugiado climático’ para se referir às pessoas atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, embora não tenha amparo jurídico, amplia a discussão e chama a atenção para a violação dos direitos dessas pessoas que perderam tudo e tiveram que sair de suas casas para ficar em segurança. Devemos perceber também que, no caso do Rio Grande do Sul, há diversos fatores que influenciaram o cenário desolador de inundação em diversos municípios, o caso não é isolado e não pode ser classificado como um fenômeno natural de chuva. Diferentemente disso, ele se relaciona com um cenário global de mudanças climáticas e com as recentes alterações na legislação ambiental promovidas pelo governador do estado, dentre outros”, observa Ana Paula, que também faz parte do Laboratório de Estudos de Mudanças Ambientais, Qualidade de Vida e Subjetividade (LEMAS) da Unicamp.
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Refugiado climático e refugiado ambiental têm o mesmo significado?
Refugiado ambiental é um termo mais abrangente. A pesquisadora Ana Paula explica que a palavra “ambiental” abarca fenômenos mais abrangentes do que o clima e se relaciona a desastres ambientais naturais, como é o caso de terremotos, e a desastres causados por influência humana. Como exemplo deste último, ela cita os episódios ocorridos em 2015, em Mariana, e 2019, em Brumadinho (MG), e o caso de Maceió (AL), em 2023.
“Nesse contexto, a palavra ‘ambiental’ compreende não só os fenômenos ligados ao clima, como também abrange demais fenômenos, como os desastres causados pelas empresas mineradoras Vale S.A. e Samarco/BHP Billiton em Minas Gerais, em 2015 e 2019, e o caso da Braskem em Maceió em 2023, por exemplo. No rompimento da barragem de Fundão em 2015, a comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana, foi atingida pelo rejeito, o que causou mortes e obrigou diversas pessoas a deixar suas casas. Ainda hoje, parte desses atingidos aguarda para se estabelecer em suas novas residências. No caso da Braskem, a mineração de sal-gema causou afundamento do solo em alguns bairros, danificando a estrutura de mais de 14 mil imóveis, que precisaram ser desocupados, fazendo com que mais de 51 mil pessoas fossem obrigadas a deixar suas casas”.
Refugiados climáticos e políticas públicas
O Projeto de Lei 1594/2024, de autoria da deputada estadual Erika Hilton (PSOL/SP), propõe uma definição abrangente para esse tipo de refúgio, contemplando “deslocados ambientais” ou “climáticos”. No texto que propõe a criação de uma Política Nacional dos Deslocados Ambientais e Climáticos (PNDAC), indivíduos nesta condição são descritos como “migrantes forçados, nacionalmente ou internacionalmente, temporária ou permanentemente, em situação de vulnerabilidade, deslocados de sua morada habitual por motivos de estresse ambiental ou por consequência de eventos decorrentes das mudanças climáticas, de início rápido ou de início lento, causados por motivos naturais, antropogênicos ou pela combinação de ambos”.
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A pesquisadora Ana Paula reforça a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas tendo em vista que os eventos climáticos atingem as populações de maneiras distintas, a depender de fatores como raça, gênero, classe social e espaço geográfico.
“Há uma simultaneidade entre a vulnerabilidade social e a ambiental; assim, pessoas negras, periféricas, mulheres, indígenas ou de comunidades tradicionais são mais propensas a serem impactadas por questões ambientais, têm menos condições financeiras de se precaver dessas situações e, além disso, possuem menor espaço e representatividade política, o que pode ser caracterizado enquanto racismo ambiental. Assim, é preciso pensar estratégias e políticas públicas que levem em consideração essas condicionantes de vulnerabilidade.”