Projeto busca valorização de territórios e saberes de estudantes em São Luís (MA)
Publicado dia 15 de outubro de 2021
Publicado dia 15 de outubro de 2021
A proximidade da implantação do Novo Ensino Médio (que altera a estrutura dessa etapa escolar e começa a vigorar em 2022) trouxe desafios e dúvidas aos professores. Para Marcelo Lima Costa, no entanto, docente de História na rede estadual de ensino em São Luís (MA), foi a oportunidade para colocar em prática um projeto que busca a historicidade das periferias, dos bairros populares e dos conjuntos habitacionais de ocupação recente na cidade de São Luís, além de dialogar com a realidade de seus alunos.
As mudanças de ensino são baseadas na lei de Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/17), nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Ensino Médio, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, nos Referenciais Curriculares para Elaboração dos Itinerários Formativos e no Guia de Implementação do Novo Ensino Médio e sugerem a criação de uma disciplina eletiva pelas escolas.
A escola Centro de Ensino Cidade Operária II, na capital maranhense, iniciou esse processo de mudanças, o que possibilitou que o professor Marcelo colocasse o projeto “Minha quebrada tem história” em prática. O produto final foi um podcast com 14 episódios, produzidos por alunos do 1º ano do Ensino Médio, que fala sobre a valorização das comunidades, de seus territórios e dos saberes locais.
Conciliando com a carreira de docente, Marcelo também atua como pesquisador para entender todo o desenvolvimento urbano a partir das periferias, e esse foi o seu ponto de partida. “A cidade é histórica e essa historia é contada a partir da ocupação dos portugueses no século XVII”, justamente partindo de espaços históricos, diz ele. Unir a pesquisa sobre bairros não centrais e instigar os alunos a pesquisar seus próprios territórios deu corpo à ideia.
O professor conta que a ideia e idealização de um podcast surgiu durante a pandemia, quando foi designado pela escola para ministrar uma disciplina eletiva que trouxesse uma formação interdisciplinar. “A História dialoga com a Geografia e com as Ciências Sociais; o projeto consistiu em apresentar a história dos bairros e ocupações recentes, que aconteceram de forma espontânea em regiões periféricas, inclusive no bairro onde a escola está inserida”, conta.
Ele também destaca que os alunos, de forma instantânea, embarcaram na ideia de criar suas narrativas por outros vieses, diferente dos documentos oficiais, destacando o lado da periferia e do trabalhador. Ainda de acordo com Marcelo, é fundamental essa valorização dos múltiplos territórios porque a cidade toda está, de alguma forma, conectada e dialoga entre si.
“Embora existam espaços diferenciados de maior ou menor poder aquisitivo, os espaços dialogam. Quem está na periferia presta serviço e circula nos espaços mais nobres também”, exemplifica. “Contar do ponto de vista da periferia também fala de outros locais, mas a partir da relação que a periferia tem com esse território”, completa o professor.
No total, de 100 a 120 alunos participaram do projeto, divididos em quatro turmas dos períodos matutino e vespertino. Houve apoio das famílias dos estudantes e da própria comunidade, que participou da ocupação dos bairros e contribuiu de forma fundamental.
De acordo com Costa, a ementa foi outro aspecto importante de construção coletiva, com a participação dos alunos. Ele conta que foi algo desafiador pois havia um conhecimento prévio dos bairros, periferias e territórios, mas não uma divisão exata sobre como o trabalho seria feito e o assunto a ser tratado. O projeto teve início em março de 2021 e os episódios do podcast foram publicados no final de junho, ao término do período letivo. Todo o processo de objetivos, enfoque e definição do material bibliográfico contou com a participação dos alunos.
Um outro desafio enfrentando – apesar de esperado – foi como lidar com o isolamento social. “Estávamos em um momento mais grave da pandemia e não podíamos visitar arquivos, bibliotecas e espaços de memória. Por sorte, sou pesquisador e tinha muito material para compartilhar com os alunos. Outro problema foi o acesso à tecnologia, pois muitos alunos tiveram dificuldades e não tem acesso a internet ou equipamentos que possibilitem a edição do material, além da dificuldade do ensino remoto, que impossibilita uma conversa de maneira mais próxima e nos deixa mais distantes fisicamente”.
No entanto, lidar com a falta de material – como fontes bibliográficas primárias ou material de pesquisa dos bairros – acabou se tornando uma motivação extra para a continuidade do projeto, estimulando os próprios alunos a produzirem conhecimentos e pesquisas sobre seus territórios.
O produto final de todo esse trabalho foi um podcast com 14 episódios, que aborda os diferentes bairros de São Luís e têm duração que varia entre cinco e 20 minutos. Marcelo também destaca com satisfação que as produções chegaram até os territórios dos alunos e o retorno foi muito positivo. “Até hoje muita gente fala do projeto e muitos alunos que não participaram também gostaram e ficaram curiosos. A ideia é expandir para além dos muros da escola”.
Ele levanta ainda a possibilidade de produções audiovisuais. “Muitos professores da rede estadual têm falado do projeto e a ideia é que outros colegas levem adiante. Foi bastante inovadora e diferente do que é feito, e o projeto promete render muitos frutos interessantes”.
Apesar do sucesso do “Minha quebrada tem história”, que acaba de ser premiado no 5º Premio Territórios, organizado pelo Instituto Tomie Ohtake, Marcelo fez questão de destacar aquelas que, em sua visão, são duas as principais dificuldades para professores e para a educação como um todo: a imposição de determinadas demandas e a desvalorização dos professores no Brasil.
“Existe a imposição de determinadas demandas, o Novo Ensino Médio, inclusive, que não são dialogadas com a classe. Falta diálogo e há falta de valorização da atividade e isso implica em uma série de problemas que atingem os próprios alunos. Vivemos em um contexto de desvalorização e falta de reconhecimento onde o principal prejudicado é o aluno que fica sempre aquém no processo de aprendizagem, sempre um degrau abaixo. Há uma desvalorização geral que é um traço cultural do nosso país e os governantes fazem com maestria”, finaliza Marcelo.