Centro Brasileiro de Justiça Climática coloca raça no foco da luta contra a crise no clima
Publicado dia 24 de outubro de 2025
Publicado dia 24 de outubro de 2025
🗒️Resumo: Conheça a atuação do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), organização da sociedade civil que coloca a questão racial e a diversidade no primeiro plano da luta contra a crise climática. Na reportagem, entenda como o CBJC busca formar, mobilizar e incidir junto a populações historicamente marginalizadas na discussão sobre o clima.
“Nosso desafio é traduzir a linguagem técnica da política climática em algo acessível e transformador para quem está na linha de frente dos impactos ambientais.” A fala é de Anne Heloise, coordenadora de Educação Climática do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC).
Criada em 2024, a organização busca articular os eixos de raça e clima em um país onde o Racismo Ambiental é uma realidade cotidiana, mas ainda pouco registrado em políticas públicas e dados oficiais.
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O CBJC nasceu para tensionar esse vazio. Mais do que produzir diagnósticos, a ideia é formar, mobilizar e incidir junto a populações historicamente marginalizadas do debate climático.
“Nossa obsessão é trabalhar com públicos não óbvios”, afirma Anne. Isso significa organizar formações em comunidades ribeirinhas, quilombolas, territórios periféricos e coletivos LGBTQIAPN+, conectando saberes populares e acadêmicos para fortalecer uma cidadania ativa.
🔎Centro Brasileiro de Justiça Climática e Territórios Educativos
Devido ao Racismo Ambiental, a crise climática acomete de forma desigual populações historicamente minorizadas, como as comunidades negras, quilombolas, indígenas e periféricas. Portanto, promover equidade racial, de gênero e territorial no debate da emergência do clima é promover a Justiça Climática, tema fundamental para os Territórios Educativos.
Em sua atuação, o Centro Brasileiro de Justiça Climática incentiva a participação social e o protagonismo de grupos historicamente minorizados na questão climática, em especial, a população negra, quilombola, periférica, ribeirinha e LGBTQIAPN+.
A organização também busca influenciar políticas públicas de Justiça Climática e equidade racial, além de realizar pesquisas e levantar dados sobre os impactos e desafios das mudanças do clima para a população negra. A centralidade da equidade e da questão racial defendida pelo CBJC também é fundamental para a agenda de Territórios Educativos.
A frente de Educação é central na estratégia do Centro Brasileiro de Justiça Climática. Inspirada na tradição da Educação Popular, busca acessibilizar temas que, por muito tempo, ficaram restritos a uma elite branca e de classe média alta.
“Queremos transformar formações em experiências que potencializam participação política e cidadania. É fazer com que as pessoas não apenas compreendam as mudanças climáticas, mas também enxerguem os caminhos de incidência política para conquistar soluções”, explica Anne.
“Nosso desafio é traduzir a linguagem técnica da política climática em algo acessível”, resume Anne Heloise, do CBJC
Nessas formações, metodologias afrorreferenciadas e um olhar decolonial e antirracista são centrais. A ideia é que o conhecimento científico dialogue com o saber popular, criando pontes para a construção de estratégias coletivas de resistência e transformação.
Entre as iniciativas mais emblemáticas está o projeto Semeadeiras, que articula agroecologia e segurança alimentar a partir da liderança de mulheres negras. Realizado nos biomas da Amazônia (Pará), Agreste pernambucano e Mata Atlântica (RJ), o programa formou cerca de 30 participantes.
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Os resultados já são concretos: pelo menos seis mulheres conseguiram acesso ao Cadastro da Agricultura Familiar (CAF) após a formação, primeiro passo para regularização fundiária e acesso a políticas de crédito. O apoio da Emater Pará durante os encontros foi decisivo.
“É transformador. Para mulheres negras agricultoras, garantir a posse da terra é não apenas assegurar o futuro de suas famílias, mas também se proteger da especulação imobiliária e das pressões sobre seus territórios”, destaca Anne.
O projeto é expressivo sobre como a atuação do CBJC ultrapassa o campo simbólico: promove mudanças estruturais em vidas concretas, enfrentando desigualdades históricas.
Outra frente é a formação com coletivos LGBTQIAPN+, que receberam apoio financeiro e pedagógico para realizar ações territoriais. Cinco grupos foram contemplados em 2024, com atividades em universidades, espaços comunitários e casas de acolhimento.
A proposta foi conectar os impactos da crise climática às experiências da população LGBT+, frequentemente invisibilizada nos debates ambientais.
“Lutar pelo planeta é também lutar por diversidade, justiça social e vida digna”, diz Stefan Costa, do CBJC
“As casas de acolhimento, por exemplo, são fundamentais em contextos de adaptação climática e direito à moradia. Mas, para incidir, esses coletivos precisam dominar também a linguagem técnica. Nosso papel foi oferecer esse suporte”, explica Anne.
A pauta da justiça climática ganha novos contornos com a fase de Ações Territoriais do programa “Corpos, Vozes e Clima: LGBTQIAPN+ pela Justiça Climática”. Após uma formação online com jovens de todo o país, cinco iniciativas regionais foram selecionadas para transformar o debate em ação concreta, unindo clima, diversidade e direitos.
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As propostas escolhidas se espalham pelo Brasil: em Cuiabá (MT), o projeto Casa de Laffond na Cultura Ballroom promove rodas de conversa e treinos de vogue femme.
Já em Vitória da Conquista (BA), o Coletivo Cultural Orun organiza imersão cultural em um terreiro, conectando ancestralidade, transgeneridade e crise climática.
Em Belém (PA), a Escola Viva em Movimento realiza vivências agroflorestais em parceria com coletivos trans. No Rio de Janeiro (RJ), o Ballroom na Maré leva para a favela um baile que une moda, arte e consciência ambiental.
Em Curitiba (PR), o Projeto Saberes Sementes promove oficinas para fortalecer periferias e populações LGBTQIAPN+.
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“Essas ações mostram a capilaridade e a criatividade da juventude LGBTQIAPN+ ao trazer a pauta climática para dentro dos territórios, revelando que lutar pelo planeta é também lutar por diversidade, justiça social e vida digna para todas as pessoas”, defende Stefan Costa, comunicador popular e analista de comunicação no CBJC.
O CBJC também atua como centro de pesquisa. Em 2024, lançou o dossiê Cartografias Negras e (In)justiças Climáticas no Brasil, resultado de um fellowship com pesquisadores negros de todas as regiões do país.
Cada participante investigou seu território, combinando métodos acadêmicos e comunitários e analisando quilombos no Pará, periferias urbanas e comunidades da Baixada. Os estudos produziram uma cartografia inédita sobre Racismo Ambiental no Brasil.
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“O dossiê responde a uma lacuna imensa: a ausência de dados sobre raça e clima. Ele gera evidências qualitativas e quantitativas que fortalecem nossa incidência política e dão visibilidade às soluções comunitárias já existentes”, resume Anne.
“O dossiê responde a uma lacuna imensa: a ausência de dados sobre raça e clima”, diz Anne Heloise, do CBJC
O dossiê do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC) é resultado de um percurso coletivo de escuta e sistematização de saberes a partir dos territórios.
Mais do que um relatório técnico, ele representa uma forma de produzir ciência que desloca o centro do conhecimento das universidades para as experiências e vivências da população negra em contextos urbanos, periurbanos e rurais.
Fruto do Programa de Fellowship do CBJC, que reuniu oito pesquisadoras e pesquisadores negros de diferentes regiões do país, o dossiê mostra a potência da diversidade de trajetórias e metodologias. Cada pesquisa parte de uma realidade específica, mas revela padrões comuns de exclusão, resistência e inovação que ajudam a compreender as múltiplas camadas da justiça climática.
O documento evidencia que a crise climática afeta de forma desigual populações negras, periféricas, ribeirinhas e quilombolas, historicamente marcadas pela negação de direitos. Ao mesmo tempo, destaca que esses territórios são espaços de inovação e tecnologias sociais eficazes de adaptação e cuidado.
Metodologias como cartografias sociais, árvores de memória, escutas ativas e relatos pessoais reforçam a necessidade de deslocar repertórios hegemônicos e reconhecer os territórios como lugares de produção de conhecimento. Assim, o dossiê valoriza ciência feita também com histórias, ancestralidade e vínculos comunitários, rompendo com a ideia de que o saber legítimo só nasce dentro da academia.
Se é no território que se desenha saberes e justiça, a realização da COP30 em Belém (PA), prevista para acontecer em novembro de 2025, é vista pelo CBJC como oportunidade e desafio.
Por um lado, a conferência no Brasil abre espaço para marchas, casas temáticas e maior visibilidade para populações amazônicas. Por outro, evidencia contradições latentes.
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Anne cita o exemplo de Mãe Lúcia, liderança religiosa e chefe de cozinha paraense, que teve estandes aprovados na COP30 mas precisa arcar com custos de cerca de R$ 15 mil em equipamentos exigidos. “É um retrato da distância entre o discurso oficial e as condições reais de participação das populações locais”, critica.
A exclusão de ativistas históricos por falta de credenciais e a liberação recente de extração de petróleo na foz do Amazonas reforçam o dilema. “Existe uma tokenização da Amazônia. Mas, ao mesmo tempo, é uma oportunidade para denunciar essas contradições e afirmar que a Amazônia é território de vida, de povos e de soluções”, afirma.
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