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publicado dia 28 de novembro de 2024

Vida Além do Trabalho: como a escala 6×1 afeta as juventudes no Brasil?

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒️Resumo: A defesa do fim da escala 6×1 (ou jornada 6×1) ganhou tração após as eleições municipais de 2024. O movimento, capitaneado pelo vereador eleito Rick Azevedo (PSOL-RJ) e a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), nasceu nas redes sociais e chegou até as ruas, ganhando adesões em diferentes espectros políticos. Entenda, na reportagem, como a jornada de trabalho de seis dias impacta a rotina e o bem-estar de trabalhadores, em especial, jovens e periféricos. 

Na rotina de Nicole Correia, de 26 anos, falta tempo para estudar e descansar. Jovem negra e moradora de Porto Alegre (RS), ela trabalha na área de eventos de segunda a sábado, na chamada escala 6×1. No último período da graduação em Serviço Social, ela luta para conciliar a jornada de trabalho com os estudos e a convivência com a família.

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“Como estou em época de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o sábado seria o único dia que eu teria para descansar e estudar. Mas, às vezes, saio de casa para trabalhar sábado, mesmo quando não tenho nada para fazer lá. É bem cansativo”, desabafa ela, que só folga aos domingos.  

“O fim da escala 6×1 precisa se tornar real o quanto antes pela qualidade de vida do trabalhador”, defende Nicole, ecoando um dos principais pontos do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), responsável por trazer o assunto para os holofotes. 

Quem trabalha na escala 6×1 

Como a escala 6x1 afeta as juventudes no Brasil?
Ao menos dois terços dos trabalhadores formais atuam na escala 6×1. Modelo é comum no comércio e setores como a construção civil.

Onipresente em setores como a construção civil, serviços e comércio – como supermercados, farmácias e lojas – a jornada de trabalho 6×1 é realizada por pelo menos dois terços dos trabalhadores formais no Brasil. 

A escala 6×1 é realizada por pelo menos
dois terços dos trabalhadores formais

Levantamento realizado pela Lagom Data para a CartaCapital revelou também que 82% dos trabalhadores do comércio e serviços em escala 6×1 ganham abaixo de dois salários mínimos por mês. O índice chega a 90% entre mulheres negras. 

Outra análise, realizada pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper a pedido do site Alma Preta, aponta que os trabalhadores negros são a maioria na escala 6×1. 

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A Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), em vigor no Brasil, estabelece que as pessoas contratadas nesse regime não podem trabalhar mais de 8 horas por dia ou 44 horas por semana. No entanto, a lei não estipula uma escala de trabalho e deixa a cargo das empresas a definição dos dias trabalhados. A mais comum é a 5×2, com folgas aos sábados e domingos. Mas a 6×1 é bastante prevalente em setores como comércio e serviços. 

Vida Além do Trabalho 

O vereador Rick Azevedo, criador do Movimento Vida Além do Trabalho
O vereador eleito Rick Azevedo, criador do Movimento Vida Além do Trabalho discursa em protesto no Rio de Janeiro (RJ).

Apesar de fazer parte da vida de grande parte dos trabalhadores brasileiros, o tema ganhou visibilidade muito recentemente, a partir da viralização de vídeos publicados no TikTok por Rick Azevedo, fundador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT). 

A defesa do fim da jornada de seis dias catapultou o ex-balconista de farmácia para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro (RJ), para a qual foi eleito vereador com 29,3 mil votos. 

“Estou aqui revoltado com essa escala 6×1. Quero saber quando nós, da classe trabalhadora, vamos fazer uma revolução relacionada com essa escala 6×1. É uma escravidão moderna. Moderna, não: ultrapassada. A pessoa tem que se doar para a empresa seis dias na semana e só um dia para folgar. E isso por salário mínimo. Gente, não dá.”, definiu Rick no vídeo, que já soma 1,4 milhão de visualizações na rede social.  

@rickazzevedo Até quando essa escravidão?? 😡 #clt #escala6x1 #fy ♬ som original – Rick Azevedo

Além da repercussão nas redes sociais, um abaixo-assinado pedindo o fim da jornada de seis dias reuniu 2 milhões de assinaturas. 

“Se você ainda não sabe o que é essa tal de escala 6×1, ela é uma escala de trabalho permitida pela nossa legislação na qual se trabalha seis dias seguidos, e se folga apenas um dia por semana. Isso tira do trabalhador o direito de passar tempo com sua família, de cuidar de si, de se divertir, de procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. A escala 6×1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador”, escreveu a deputada federal Erika Hilton na rede social X.

Ao lado de Rick, a parlamentar levou a discussão para Brasília (DF), apresentando uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema.

Com mobilização nas redes sociais e nas ruas, PEC contra escala 6×1 chegou à Câmara dos Deputados

Com intensa mobilização nas redes sociais, manifestações nas ruas e adesão de partidos à direita e à esquerda, a proposta conquistou assinaturas suficientes e foi protocolada na Câmara dos Deputados em 15/11. 

A primeira audiência pública sobre o tema no Legislativo está agendada para 04/12, com a participação de parlamentares e sindicalistas, além de representantes do movimento VAT e de ministérios do governo federal. 

No entanto, o caminho no Congresso Nacional será longo. Antes de seguir para o plenário da Câmara, o texto da PEC precisa ser analisado por uma comissão especial e também pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). 

Como a escala 6×1 afeta as juventudes?

Juventudes no Brasil
Rotina exaustiva da jornada 6×1 reduz tempo com a família e lazer.

O direito a só uma folga a cada seis dias trabalhados, cujo modelo muitas vezes está atrelado a salários baixos e grandes deslocamentos, traz consequências diretas para a vida dos jovens. 

Além do tempo reduzido para descanso e lazer, jornada 6×1 também
afeta o direito à Educação

Além de tempo reduzido para si mesmo e para suas famílias e amigos, o direito à Educação também pode ficar em risco. No caso das mulheres jovens, o quadro de sobrecarga fica ainda mais agudo, por conta da dupla jornada feita por muitas delas no campo dos cuidados e do trabalho doméstico. 

Em entrevista ao Alma Preta, a especialista em Relações Étnico-Raciais e Gênero, Tainara Ferreira, relacionou as condições precárias e exaustivas da escala 6×1 com raízes históricas da escravidão. “Essa exploração é um reflexo da ‘neoescravidão’. Hoje, temos novos formatos de escravidão, onde o trabalhador negro, mesmo com salário, vive em condições indignas, sem pausas adequadas e com uma rotina exaustiva”, afirmou. 

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A necessidade de trabalhar é o principal motivo (41,7%) apontado pelos jovens brasileiros de 14 a 29 anos que abandonaram os estudos em 2023. A informação é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao todo, 9 milhões de brasileiros não terminaram o Ensino Médio no ano passado. A maioria (71,6%) dos que desistiram de estudar eram negros (pretos e pardos), ante 27% de evasão entre os estudantes brancos. 

Redução da jornada traria efeitos positivos para jovens 

Para Danilo França, professor do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), o fim da jornada de trabalho 6×1 traria benefícios aos jovens trabalhadores mais vulnerabilizados. Em especial, no acesso à Educação e no Direito à Cidade.

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“A redução da jornada de trabalho pode gerar efeito positivo para jovens negros e periféricos. Tanto no sentido da Educação como da apropriação da cidade, além de garantir maior convívio desses brasileiros com suas famílias”, explica o pesquisador do Afro-CEBRAP. 

“Há um impacto na questão do autocuidado e da convivência familiar e com amigos, que é uma dimensão muito importante da vida”, detalha o especialista. 

Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, conectou o tema com a defesa dos direitos das famílias e das infâncias. 

“Eu sou totalmente favorável a acabar com a jornada 6×1, inclusive do ponto de vista das famílias e das infâncias. É muito triste a gente ser criança e não ter a mãe da gente nem no sábado, nem no domingo. Muitas vezes, nem no Natal, nem no Ano Novo”, afirmou em entrevista ao programa Roda Viva. 

Danilo França também chama atenção para a realidade de mulheres brasileiras, que, além da escala 6×1, enfrentam dupla ou tripla jornada de trabalho.

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“Há jovens mulheres que têm uma jornada total que inclui o trabalho remunerado e o não remunerado, mais o tempo de deslocamento da casa para o trabalho. Contando tudo isso, se elas querem estudar, já tem um acréscimo a mais nessa conta. Para além da conta de horas, sabemos que a conta da vida não fecha”, conclui.

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