publicado dia 4 de outubro de 2024
Candidaturas negras enfrentam racismo, falta de financiamento e violência na disputa eleitoral
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 4 de outubro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que candidaturas negras são maioria nessas eleições municipais. Apesar de majoritária em número absoluto de candidatos , a participação de pretos e pardos cai na disputa aos cargos de prefeito, na qual a maioria dos postulantes é branca e masculina. Especialistas analisam quadro étnico-racial dos candidatos e os desafios para candidaturas negras na eleição de 2024.
No próximo domingo (06/10), cerca de 460 mil candidatos vão disputar as Eleições 2024, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Pessoas negras (pretas e pardas) candidatas são mais da metade (52,73%) do total de candidaturas, segundo levantamento Perfil do Poder – Eleições 2024, realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o coletivo Common Data, com base em dados do TSE.
O número se aproxima da proporção de pretos e pardos no Brasil, que é de 55,5%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Apesar disso, um olhar mais aprofundado revela que o aumento de pessoas negras na disputa eleitoral não se deve a uma maior representatividade desse grupo, mas sim a uma redução de candidatos autodeclarados brancos.
Candidaturas negras ainda convivem com desafios estruturais para sair do papel. Entre eles, o racismo da sociedade brasileira e a violência política.
Além da distorção, as candidaturas negras de 2024 ainda convivem com desafios históricos e estruturais para sair do papel. Entre eles, o racismo que permeia a sociedade brasileira e a violência política em alta.
A especialista Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, explica que a queda observada nas candidaturas brancas pode estar relacionada às novas regras de distribuição dos recursos eleitorais pelos partidos. Enquanto a quantidade de candidaturas brancas caiu 21,34%, as negras recuaram 12,77%.
“O fato de as candidaturas brancas terem caído mais que as negras pode estar relacionado com a nova regra para o recebimento do recurso eleitoral, ou seja, para cada pessoa negra eleita, o partido receberá o valor do recurso do fundo em dobro”, explica Carmela.
Em tese, o mecanismo seria um incentivo para aumentar a representatividade negra, mas o efeito não está sendo observado na prática.
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“Como ainda não existe regulamentação para que estes recursos da ação afirmativa sejam destinados aos candidatos negros, isso pode levar ao financiamento das candidaturas brancas, que neste pleito são 45,6%, quantidade expressiva”, analisa Carmela, que é também doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB).
“O desafio para pessoas negras vai desde o entendimento do partido sobre a viabilidade até o acesso a recursos”, diz Carmela Zigoni, do Inesc.
Para Paulo César Ramos, pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (AFRO-CEBRAP), resta saber se a representatividade negra nas candidaturas vai se concretizar em prefeitos, vice-prefeitos e vereadores negros eleitos.
“Isso depende de muitos fatores, como as condições de financiamento, as bases eleitorais de cada candidatura e, por exemplo, quais candidaturas são de renovação de mandato, que têm muito mais chances de se reeleger”, pondera Ramos.
“O desafio para pessoas negras é imenso. Vai desde o entendimento do partido sobre a viabilidade daquela campanha até o acesso a recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que também é definido pelo partido”, destaca Carmela.
Do total de candidatos no pleito de 2024, 15.313 concorrem ao cargo de prefeito, 15.307 ao posto de vice-prefeito e 423.908 disputam ao cargo de vereador. Os negros são maioria apenas nas candidaturas na disputa da Câmara de Vereadores (53,72%).
Na concorrência para prefeito, cargo de maior poder de decisão e prestígio, os pretos e pardos somam 37,14%.
Pretos e pardos somam só 37,14% dos candidatos a prefeito em 2024, cargo de maior poder e prestígio político.
Na análise por gênero, os homens negros são 37,06% dos candidatos às prefeituras e as mulheres negras, 37,60%. Em contrapartida, há quase paridade entre os homens brancos (61,95%) e as mulheres brancas (61,58%).
“Neste sentido, opera o racismo. Ou seja: os partidos lançam mais candidaturas de pessoas brancas para esses cargos e colocam as candidaturas de pessoas negras para vereador”, destaca Carmela Zigoni.
O levantamento “As Chances de Ser Eleito: Branquitude e Representação Política”, divulgado em setembro pelo Observatório da Branquitude, analisou a distribuição de verba pública eleitoral para os deputados federais eleitos em 2018 e 2022.
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“A composição das bancadas tem cor e gênero: branca e masculina”, analisa Carol Canegal, do Observatório da Branquitude.
O estudo constatou que as chances de eleição de um candidato a deputado federal são maiores se o postulante ao cargo tiver o perfil branco e masculino.
Segundo a análise, mais de 70% do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) dos candidatos eleitos em 2018 foi destinado aos brancos.
Nas eleições de 2022, quando já estavam em vigor as normativas para incentivos financeiros e de tempo de propaganda eleitoral a candidaturas de pessoas negras e de mulheres, os homens brancos receberam 44,05% do orçamento.
Enquanto isso, homens negros e mulheres negras receberam verba menor do que a proporcionalidade das candidaturas.
Carol Canegal, coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude, reforça que as posições de poder costumam ser ocupadas majoritariamente por grupos brancos.
“No sistema eleitoral não é diferente: a composição étnico-racial das bancadas municipais, estaduais e federais tem cor e gênero: branca e masculina. Isso revela um quadro de exclusão de negros, sobretudo de mulheres negras, e de outros grupos não brancos”, diz Carol, que é doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Nas eleições municipais de 2024, as candidaturas negras se depararam com mais um obstáculo: a PEC da Anistia, nome pelo qual ficou conhecida a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 09/2023, aprovada pela Câmara dos Deputados em agosto de 2024.
Além de perdoar as dívidas de partidos que não cumpriram a cota de destinar fundos eleitorais para mulheres e negros de forma proporcional, a medida estabeleceu um limite de 30%. Com isso, o projeto Pacto pela Democracia estima que as candidaturas negras deixaram de receber R$ 1,1 bilhão em financiamento.
Carol Canegal, do Observatório da Branquitude, explica que a distribuição de fundo público eleitoral de maneira proporcional para candidaturas negras e de mulheres era um passo importante para garantir maior diversidade nos espaços políticos. Na avaliação da especialista, as mudanças estruturais não ocorrerão sem a devida destinação de verba.
“Para o enfrentamento ao racismo, medidas de financiamento em favor do aumento da representatividade negra na política precisam ser amplamente debatidas e efetivadas pelo Estado, com participação da sociedade civil organizada e dos movimentos negros”, defende ela.
“São mudanças que não acontecerão sem destinação de verba pública e tempo de propaganda para candidaturas negras”, avalia Carol.
Paulo César Ramos, do AFRO-CEBRAP, por sua vez, defende que as candidaturas negras precisam estar mais conectadas aos partidos.
“Apenas o dinheiro não basta. Candidaturas negras precisam estar mais conectadas ao regramento partidário”, defende Paulo Ramos, do AFRO-CEBRAP.
“Apenas o dinheiro não basta. As candidaturas negras, sobretudo as progressistas, precisam estar mais conectadas ao regramento e à cultura partidárias, que é o que determina o poder de ser candidato ou não, de saber fazer a estrutura partidária funcionar a seu favor dentro dos partidos”, opina Paulo Ramos.
“Os sistemas políticos democráticos saudáveis dependem de partidos bem organizados e é preciso que os candidatos se empenhem nos projetos partidários”, finaliza.
Além do racismo estrutural e das dificuldades de financiamento, candidaturas negras enfrentam ainda uma violência política que praticamente dobrou, segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Outra pesquisa, da Justiça Global, mostra que a violência política pré-eleições em 2024 já é 130% maior do que a última eleição municipal.
De acordo com o levantamento Violência Política e Eleitoral no Brasil, há desproporcionalidade de raça e gênero nos casos, com alto número de mulheres negras como alvos de ameaças, atentados, agressões físicas e ofensas, ainda que o grupo seja sub-representado no cenário político.
“É preciso enfrentar o racismo na estrutura partidária, na sociedade, ou seja, no eleitorado, e também na violência política, que tem crescido muito, principalmente nas redes sociais”, destaca Carmela Zigoni.
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Durante a campanha de 2024, a candidata à prefeitura de Niterói (RJ) Talíria Petrone foi pressionada, com termos racistas, misóginos e ameaças de morte, a renunciar à disputa. Em Goiânia (GO), Sônia Cleide recebeu carta anônima com ameaças de morte e insultos racistas. Às vésperas do primeiro turno, a candidata à vereadora no Rio de Janeiro (RJ) Tainá de Paula sofreu um ataque a tiros na quinta-feira (03/10).
“Acabo de ser abordada por dois homens que deram dois tiros de pistola no meu carro, na direção da minha porta, em Vila Isabel. Ando com carro blindado e minhas proteções. Não irão nos parar! Axé!”, escreveu Tainá em suas redes sociais.
Os casos ecoam outro episódio extremo de violência política contra mulheres negras: o assassinato de Marielle Franco em 2018, como observou a analista política e fundadora do Fogo Cruzado, Cecilia Olliveira. “Quase mataram uma vereadora negra no Rio – De novo”?
Ontem tava todo mundo focado nos debates… – viram que QUASE MATARAM UMA VEREADORA NEGRA NO RIO – DE NOVO? Tainá só tá viva pq o carro dela é blindado. Deram tiros em direção a porta dela, num ataque em Vila Isabel, qd ela voltava da zona oeste
— Cecília Olliveira (@cecillia.com.br) October 4, 2024 at 8:30 AM
Eleita vereadora no Rio de Janeiro, a liderança negra e feminista, irmã da atual ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi morta dois anos após ser eleita em 2016.
Na contramão da falta de recursos e dos múltiplos desafios para candidaturas negras, iniciativas do movimento negro trabalham para dar maior visibilidade e preparâ-las para a disputa eleitoral.
É o caso do projeto “Eu Voto em Negra”, criado pela Rede de Mulheres Negras de Pernambuco em 2020. Além da divulgação das candidaturas, a iniciativa busca fortalecer candidatas negras por meio do oferecimento de formação política e em comunicação, com o objetivo de prepará-las para a disputa eleitoral.
Outra iniciativa desenvolvida para o fomento de candidaturas negras é a “Agenda Peregum por Políticas Antirracistas”, criada pelo Instituto de Referência Negra Peregum este ano. O projeto busca fortalecer a participação democrática de lideranças do movimento negro apontando parâmetros para o engajamento antirracista no período eleitoral.
A agenda traz propostas em três eixos: enfrentamento aos impactos do desenvolvimento urbano para criar cidades antirracistas, mitigação e adaptação climática sem racismo ambiental e sistemas educacionais públicos municipais antirracistas.
Com isso, o projeto tem expectativa de que as candidaturas às Câmaras Municipais se comprometam com essas propostas desde já e, uma vez eleitas, exerçam vereanças atentas e propositivas.
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