publicado dia 13 de setembro de 2024
Luana Pinheiro: “Política de Cuidados exige respostas complexas e intersetoriais”
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 13 de setembro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: A Política Nacional de Cuidados visa reduzir a sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico e dividir responsabilidades entre famílias e Estado. É o que explica a Diretora de Economia do Cuidado do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Luana Pinheiro. Em entrevista, a doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) detalha as propostas da política, atualmente em análise no Congresso Nacional.
A estatística é conhecida pela maioria das mulheres: elas gastam, em média, o dobro do tempo dos homens com atividades de cuidado e de trabalho doméstico.
Esses afazeres, que incluem da atenção com crianças pequenas à responsabilidade pelos idosos, estão historicamente ausentes das políticas públicas, deixando muitas famílias e mulheres sobrecarregadas.
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Em tramitação na Câmara dos Deputados, a Política Nacional dos Cuidados (PL 2762/2024) define o cuidado como direito, trabalho e atividade fundamental para a sociedade.
“A principal diretriz é tornar o Estado o principal responsável pela provisão de cuidados, promovendo simultaneamente o atendimento às necessidades de quem cuida e de quem é cuidado, estimulando a co-responsabilização social e de gênero”, explica Luana Pinheiro, Diretora de Economia do Cuidado no Ministério do Desenvolvimento Social, da Família e do Combate à Fome (MDS).
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Com estudos na área de gênero e trabalho doméstico não-remunerado, Luana é técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB).
Em entrevista ao Educação e Território, a Diretora de Economia do Cuidado do MDS detalha a Política Nacional de Cuidados e seus principais desafios.
Educação e Território: Quais são as principais diretrizes da Política Nacional do Cuidado?
Luana Pinheiro: O objetivo principal é inserir o tema dos cuidados na agenda pública, como uma política de Estado.
Essa política visa promover uma nova organização social dos cuidados, com responsabilidades compartilhadas entre famílias, Estado, mercado e comunidades, além de entre homens e mulheres. Define o cuidado como um direito, um trabalho e uma necessidade universal, buscando garantir o atendimento das necessidades de quem demanda cuidados e, simultaneamente, apoiar aqueles que oferecem esse cuidado.
EdT: O que você destacaria como prioridade caso a lei seja sancionada?
LP: A prioridade é trazer o cuidado para o centro da política e da agenda pública. Atualmente, a maior parte da provisão de cuidados no Brasil recai sobre as famílias, predominantemente sobre as mulheres.
“Mulheres, em média, dedicam o dobro do tempo que os homens ao trabalho de cuidados não-remunerado, sendo essa carga ainda maior entre as mulheres negras”
As mulheres, em média, dedicam o dobro do tempo que os homens ao trabalho de cuidados não-remunerado, sendo essa carga ainda maior entre as mulheres negras.
O PL proposto pelo Governo Federal visa alterar essa realidade ao colocar o Estado como o principal responsável pela provisão de cuidados.
Há capítulos específicos sobre princípios e diretrizes da Política Nacional de Cuidados, que orientarão a formulação de programas e ações, tanto em nível federal quanto estadual e municipal. O Plano Nacional de Cuidados, previsto no PL, será o instrumento pelo qual o Estado concretiza as diretrizes da política, definindo ações, orçamentos, metas e prazos.
A Política também busca garantir trabalho decente para as pessoas que cuidam de forma remunerada, reconhecendo a importância da força de trabalho dos cuidados, que inclui cerca de 25 milhões de trabalhadores no Brasil, sendo 6 milhões trabalhadores domésticos.
Apesar da relevância desses profissionais, o trabalho doméstico ainda é precário e informal, com baixos rendimentos e exposto a exploração e violências.
Portanto, a principal diretriz da Política é tornar o Estado o principal responsável pela provisão de cuidados, promovendo simultaneamente o atendimento às necessidades de quem cuida e de quem é cuidado, promovendo a co-responsabilização social e de gênero.
EdT: Quais são os principais desafios para a implementação da Política Nacional do Cuidado?
LP: O primeiro desafio é a aprovação no Congresso Nacional. Enviado em 03/07, o PL ainda precisa passar por um longo processo legislativo. No entanto, temos recebido apoio significativo da Bancada Feminina, que formou um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados para discutir o tema dos cuidados.
Outro desafio é a intersetorialidade. A Política Nacional de Cuidados foi desenvolvida ao longo de um ano com a colaboração de 20 ministérios e o Plano Nacional de Cuidados está sendo pactuado com uma ampla gama de ministérios.
“Natureza integral da Política de Cuidados exige respostas complexas e intersetoriais para problemas igualmente complexos”
A natureza integral da Política exige respostas complexas e intersetoriais para problemas igualmente complexos, tornando a construção e implementação de políticas integradas um desafio significativo.
Por fim, há o desafio da transformação cultural. O cuidado ainda é visto predominantemente como uma responsabilidade privada das famílias e, dentro delas, das mulheres.
A proposta de lei visa mudar essa perspectiva, enfatizando a corresponsabilização social e de gênero, e atribuindo ao Estado, em todos os níveis, o dever de garantir a Política Nacional de Cuidados. Para isso, é necessário construir um novo entendimento social sobre o tema.
EdT: A Política Nacional de Cuidados tem o duplo desafio de olhar para quem precisa de cuidados e para quem cuida. No caso das trabalhadoras do cuidado – que são em grande parte mulheres negras – o que a política nacional propõe?
LP: Um dos objetivos é promover o trabalho decente para as trabalhadoras remuneradas do cuidado, enfrentando a precarização e a exploração.
As trabalhadoras domésticas são um público prioritário, com suas demandas sendo ouvidas durante o processo de participação social para a construção do Plano e na Câmara Técnica sobre Trabalho Doméstico Remunerado.
“As trabalhadoras domésticas são um público prioritário, com suas demandas sendo ouvidas durante o processo de participação social”
O PL propõe diversas ações para promover o trabalho decente, incluindo formação profissional, elevação da escolaridade, equiparação de direitos, e combate ao trabalho escravo e à informalidade.
Além disso, a Política e o Plano buscam reduzir a sobrecarga do trabalho de cuidados não remunerado que recai sobre as mulheres, redistribuindo essa responsabilidade e reconhecendo sua contribuição econômica e social.
Para isso, serão necessárias ações voltadas à transformação cultural e à visibilidade do trabalho de cuidados, bem como a oferta de serviços públicos que compartilhem a responsabilidade de prover cuidados, permitindo que as mulheres possam dedicar-se a outras atividades.
EdT: De acordo com a proposta, a Política Nacional de Cuidados será um dever da União, dos estados e dos municípios. De que maneira os estados e municípios serão enquadrados? Haverão metas a cumprir?
LP: Os estados e municípios desempenharão um papel ativo na implementação da Política Nacional de Cuidados, engajando-se com ações locais no âmbito do Plano Nacional de Cuidados, que está em fase final de pactuação e deve ser lançado ainda este ano.
Cada ente federado deverá adaptar a Política à sua realidade local, elaborando um diagnóstico da organização social dos cuidados e ajustando as ações do Plano Nacional conforme suas necessidades. Mais detalhes sobre a proposta do Plano estarão disponíveis quando o documento for publicado.
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