publicado dia 20 de novembro de 2021
Consciência Negra e a luta contra o racismo sistêmico
Reportagem: gabryellagarcia
publicado dia 20 de novembro de 2021
Reportagem: gabryellagarcia
📄Resumo: O Dia da Consciência Negra busca valorizar conquistas e o protagonismo negro na história política do Brasil, além de ser um marco importante na luta contra o racismo estrutural. Saiba mais sobre a origem e a importância da data para o contexto brasileiro.
A origem da Consciência Negra, que também se propõe reflexiva, nos remete aos anos 70. O Movimento Negro Unificado teve papel fundamental nesse percurso, difundindo a cultura negra e sendo um importante agente contra o racismo, inspirado na luta anti-apartheid na África do Sul.
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A data, 20 de novembro, foi escolhida por ser o dia em que caiu o Quilombo dos Palmares, com a morte de seu líder, Zumbi. Depois de resistir contra ataques principalmente de holandeses e portugueses, na capitania de Pernambuco, Zumbi foi morto e tornou-se um símbolo de resistência.
Por isso, de acordo com o pesquisador e professor universitário (UNESP), também coordenador do Núcleo Negro Unesp para Pesquisa e Extensão (Nupe), Juarez Xavier, o movimento negro faz questão de mostrar para a sociedade os valores ancestrais da tradição africana, contidos em Palmares.
A data faz parte do calendário escolar e foi instituída em 2011 pela Lei n.º 12.519. Ela também destaca e reforça o protagonismo político negro na luta política do Brasil, sobretudo contra a escravidão.
Para o professor Juarez, a importância e a simbologia do Dia da Consciência Negra tem quatro pontos principais: mostrar a narrativa das ações políticas negras para romper com a escravidão, dar o protagonismo da causa para seus atores principais, lutar contra mecanismos que consolidam a segregação (mesmo depois da abolição) e restituir a realidade dos fatos na questão da abolição, mostrando que o movimento negro teve papel fundamental na sua conquista.
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O professor destaca que o movimento negro promoveu profundos desgastes na estrutura de escravização e que a abolição, ao contrário da maneira como a história é posta, não foi um simples ato benevolente de uma princesa.
“Tanto é que a lei que assinou e decretou o fim da escravização tem apenas dois artigos: a abolição da escravidão e o não reconhecimento das leis anteriores. Não houve nenhuma política pública de inclusão de milhares de pessoas na vida social, pelo contrário. Se intensificaram os mecanismos brutais de segregação da população negra e que criou a situação que vivemos hoje no Brasil. Situação de profunda assimetria econômica, cultural, social e política”, completa.
Sobre as ações políticas para romper com a escravidão, Juarez afirma que diversos estudos sociológicos e antropológicos modernos mostram o empenho da população negra no desgaste do sistema escravocrata com ações políticas e rebeliões individuais, além do plano coletivo com a constituição de quilombos, por exemplo.
Do ponto de vista dos atores desta ação, o professor destaca que o protagonismo histórico é dado às populações, e não às pessoas. “São populações que criam condições políticas para as mudanças históricas. No caso do Brasil a população negra é a principal protagonista política e mobiliza setores importantes da sociedade brasileira, com apoio de alguns poucos liberais nesse processo”.
Ele também destaca que, dentro do parlamento brasileiro, houve propostas, por exemplo, de estender a escravidão até 1930 e, por isso, destaca o papel preponderante de liderança de negros escravizados, dos que se rebelaram e dos que conquistaram alforria para denunciar as condições do processo de abolição e garantir essa conquista.
“Então o que se faz nesse momento (Dia da Consciência Negra) é retomar o protagonismo a quem de fato foi o promotor principal dessa luta política”.
Em relação aos mecanismos que consolidam a segregação da população negra, ele cita que no século XX houve um privilégio de acesso para a população imigrante recém-chegada ao Brasil ao mercado de trabalho formal em detrimento da população negra. Juarez também destaca que essa estrutura se mantém até os dias de hoje.
“Imigrantes tiveram suas viagens custeadas pelo Estado, tiveram acesso a terra onde foram trabalhar e é importante considerar isso, essa restrição de acesso à renda formal que se mantém até hoje com a maioria da população do Brasil. (…) por isso nós temos hoje instituições que são fundamentalmente brancas, mesmo em um país negro”.
“Foi criado um sistema de privilégios e um de vulnerabilidades. O sistema de privilégios é fundamentalmente branco e o de vulnerabilidade fundamentalmente negro. Esse processo de apartheid no Brasil é assustador, então essa data também é para questionar essa plataforma política, cultural, social e econômica que privilegia determinado grupo social”.
O especialista também destacou que, sem dúvidas, houve avanços na luta antirracista no Brasil, sobretudo no período pós-abolição. Parte fundamental desse avanço foi o surgimento da imprensa negra e também as organizações negras que institucionalizaram um política de enfrentamento ao racismo.
“Aconteceram avanços mais agudos a partir da inauguração do movimento negro moderno nos anos 70 com a fundação do Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial. Na década seguinte, os movimentos sociais também conseguiram conquistar a criminalização do racismo e apontar a necessidade de políticas públicas”, destaca.
Juarez ainda cita a conquista de dados gerados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que evidenciaram a segregação, o preconceito e a discriminação em todos os seus indicadores, trazendo luz para a necessidade de políticas públicas e ações afirmativas. Isso, nos anos 90. “Essas conquistas são para sempre, não é com profunda ignorância ou mau-caratismo que vamos negar o racismo em nossa sociedade e retroceder”.
Mas, apesar das conquistas, os dados socioeconômicos mostram que o Brasil ainda é um país racista e essa estrutura acaba se tornando um elemento moderador nas condições de vida e morte da população negra.
O professor também afirmou que não há mais espaço para segregação na sociedade e que, mesmo diante de um governo que advoga por uma política racista, misógina e segregacionista, eventuais retrocessos serão apenas pontuais.
“Acho que população negra tem vigor e projeto político para passar dessa fase e retomar suas lutas, porque o que foi plantado na luta antirracista não será diluído por um governo negacionista que promove a destruição nacional. Não é a totalidade das conquistas que queremos porque queremos muito mais, mas nós caminhamos”, completa.
Para se avançar ainda mais nas conquistas, ele acredita que toda a sociedade deve fazer parte da mudança, inclusive a população branca. Essa responsabilidade está em reconhecer os privilégios e atuar pelo desmonte do circuito atual, que privilegia econômica, social e culturalmente pessoas brancos em detrimento à população negra.
“O racismo sobrevive porque beneficia uma parte da sociedade, então superar isso implica em assumir nossas responsabilidades e defender políticas públicas para superar a barbárie e brutalidade racial que caracterizam a sociedade brasileira”.
Para se atingir tais avanços, a educação é fundamental, desde o processo de formação social, ainda no espaço escolar. Esse é um lugar, por excelência, de encontro e convivência com a diversidade, em que as pessoas brancas encontrem pessoas negras não apenas em uma situação de subalternidade.
“A educação nos abre a possibilidade de reinventar nossas realidades. A gente pode recuperar aspectos importantes do passado e construir aspectos importantes do futuro. A educação, portanto, tem um papel estratégico no processo de luta contra a segregação racial e isso já havia sido apontado pelos principais ativistas políticos contra o racismo no passado”, afirma Juarez.
Além da questão educacional, o especialista também apontou que o racismo se reflete também em questões territoriais. Ainda no século XIX, o determinismo, que foi uma teoria antirracista, já apontava que o acesso ao capital econômico, capital cultural, capital político e capital social se refletiam na ocupação territorial. Para o professor universitário, o próprio imaginário colonial da casa grande e senzala já constitui a segregação territorial.
“A casa grande é o círculo do acesso dos privilégios, do acesso privilegiado ao capital econômico, ao capital cultural, ao capital social e ao capital político. A senzala representa o círculo de vulnerabilidade do acesso ou o segregação do acesso aos capitais.
Então se definiu também, a partir desses elementos, dessas metáforas, a ocupação do território que na atualidade não está dissolvido no Brasil.
Hoje o princípio do círculo do privilégio assegura à classe média branca fundamentalmente acesso à sua cidadania plena e, quem vive no círculo de vulnerabilidade nas periferias, em territórios vulneráveis, fica sem água potável, sem luz elétrica, sem acesso à rede mundial de computador, sem esgoto tratado, sem coleta de lixo, sem trabalho, sem acesso à educação, sem escola de qualidade, sem mecanismo que permita o exercício da cidadania’.
Para finalizar, ainda afirmou que há uma brutal associação entre a ocupação territorial e a redefinição dos territórios, com o racismo sendo um elemento disciplinador e moderador da ocupação territorial. “Foi assim no passado e no presente, mas no futuro esperamos superar isso”.
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