publicado dia 13 de outubro de 2022
Público, coletivo e à margem, Slam ganha força no Brasil
Reportagem: André Nicolau
publicado dia 13 de outubro de 2022
Reportagem: André Nicolau
Experimentado no Brasil desde meados dos anos 2000, o slam, poetry slam ou batalha de rimas pode ser definido como uma competição de poesia falada, cujas origens podem ser traçadas até a periferia de Chicago (EUA) da década de 1980.
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Identificado como um gênero literário de resistência, no Brasil o slam é caracterizado pela declamação de versos em espaços públicos, inspirados pelo rap, sintonizados com a vida nas periferias e experimentados coletivamente.
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Em geral, a batalha segue algumas regras: o poeta tem 3 minutos para declamar seu texto, utilizando apenas o corpo e a própria voz, sem acompanhamentos musicais. O próprio público se manifesta e avalia as apresentações.
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Em São Paulo (SP), as batalhas poéticas ganharam notoriedade a partir de eventos como o Slam da Guilhermina, realizado há dez anos em frente à estação de metrô da zona leste de São Paulo (conheça uma lista de slams ao final da reportagem). A slammer Roberta Estrela D’Alva também é identificada como uma das precursoras do slam no Brasil, que hoje assume diferentes formatos.
“É impossível não sair tocado com alguma coisa ouvida no slam”, resume o professor e psicopedagogo Kauê Tavano, que organiza o SlamOz, evento literário realizado mensalmente em frente à estação ferroviária de Osasco (SP) desde 2017.
Slam: público, coletivo e marginal
O educador destaca três pilares que caracterizam o slam no Brasil: ele é público, uma vez que é realizado em territórios abertos e de livre circulação de pessoas; à margem por abordar narrativas periféricas e dar espaço a vozes costumeiramente invisibilizadas pela sociedade e, por último, é uma construção do saber coletivo.
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Além das universidades e praças, a poesia marginal também ocupa lugar nas escolas, seja pela atuação de poetas na formação de estudantes ou pela implementação de projetos como o Slam Interescolar, uma competição de poesia falada entre alunos de escolas públicas e privadas do estado de São Paulo.
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“A relação do Slam com a escola acontece dentro da sala de aula, mas vou ampliar um pouco essa perspectiva porque acho que os espaços de educação não são apenas salas de aula. Existem outros espaços de construção de saberes como e é fundamental que a poesia marginal esteja presente em todos esses lugares”, explica Tavano.
Diante do analfabetismo ainda presente no Brasil, o professor ressalta a importância dos slams como lugares informais de incentivo à leitura e à escrita. “Um slammer é um escritor, o slam é literatura. Por mais que seja a palavra falada, tem muitos poetas que falam e depois transcrevem, então a escrita está associada”, defende.
Ele também relaciona a contribuição dos slams para a construção do pensamento abstrato e crítico, associado ao processo de identificação das narrativas explicitadas pelos poetas, sobretudo em pautas como racismo ou questões de gênero.
Racionais MC’s no vestibular
No Brasil, o slam é bastante influenciado pelo rap e pelo movimento hip-hop. Em 2020, o álbum Sobrevivendo no Inferno, do Racionais MC’s, foi incluído na lista de leituras obrigatórias para o vestibular da Unicamp. O disco, considerado um marco na história da música brasileira, retrata o cotidiano da periferia de São Paulo sob a perspectiva de temas como desigualdade social, racismo, encarceramento em massa, violência, desemprego e outros aspectos que fazem parte da crônica diária de territórios vulnerabilizados em todo o país. A chegada do grupo de rap à academia reflete a ampliação dos versos, sonetos, prosas e todo tipo de expressão cultural associada à literatura marginal, que ganha corpo, voz e lugar em praças, bares, becos e vielas por meio dos slams e saraus.
“O Racionais está dentro da literatura marginal, porque o rap é ritmo e poesia e o que o Mano Brown faz é poesia, poesia marginal periférica. Então, quando o Racionais se torna leitura obrigatória de uma universidade, isso contribui para uma mudança de paradigma quanto à elitização da literatura”, explica Tavano.
“Você pode ouvir uma poesia que te faça pensar sobre o seu entorno, sobre a sua realidade, sobre a sua vida e isso em si também é leitura e escrita do mundo”, diz Tavano. “Ler Lima Barreto é maravilhoso, Machado de Assis é maravilhoso, mas ler o Kaya Mateus ou outro poeta que você escutou, talvez tenha um impacto no interesse pela leitura. Quando um moleque vê o mano que se veste parecido com ele, fala parecido com ele, vive o mesmo tempo e circula pelos mesmo espaço que ele, com um livro na mão, o interesse pela leitura é outro”, explica.
Além disso, o professor acredita que participar de um slam pode ajudar os jovens a desenvolver outras habilidades, como falar em público, por exemplo. “Declamar o poema é falar em público. Falar é falar em público implica outras habilidades, soft skills para lidar com o nervosismo, com ansiedade, ter na poesia uma ferramenta para o tratamento de traumas, por isso acho que também tem esse outro aspecto para além da educação formal”, afirma.
Conheça, a seguir, 12 experiências de slams que acontecem no Brasil:
Belém (PA)
Batalha itinerante de poesias organizada por mulheres e para mulheres realizado mensalmente desde 2017.
Salvador (BA)
Realizado no bairro de Sussuarana, na periferia de Salvador, o projeto acontece desde 2014.
Camaçari (BA)
Realizado em Camaçari, cidade próxima a Salvador, a batalha é protagonizada por mulheres e acontece mensalmente na Laje Multi Espaço.
São Paulo (SP)
Primeira batalha de poesias em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e língua portuguesa do Brasil, a batalha reúne poetas surdos e ouvintes.
Criada em 2014, batalha realizada na Praça Roosevelt acontece todas as primeiras segundas do mês.
Toda última quarta-feira do mês, SlamOz reúne poetas e espectadores em frente à estação de trem de Osasco.
Primeiro slam de rua de São Paulo, coletivo existe desde 2012 promovendo a leitura e a poesia falada toda u?ltima sexta-feira do me?s na praça Guilhermina.
Rio de Janeiro (RJ)
Coletivo artístico organiza uma batalha lúdico poética itinerante no estado do Rio de Janeiro.
São Luís (MA)
Organizado pelo Movimento Cultural de Rua, Batalha na Praça é realizada duas sexta-feira por mês na praça Benedito Leite.
Manaus (AM)
Projeto realizado desde 2019 promove slam’s em praças públicas
Goiânia (GO)
O Slam Falatu é uma competição de poesia autoral promovida mensalmente pelo Coletivo de Arte e Cultura Café com Chá.
Brasília (DF)
Batalha acontece toda segunda quinta-feira do mês em Brasilia no CONIC na Biblioteca Salomão Malina.