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publicado dia 29 de outubro de 2018

Projeto coleta histórias de moradores para valorizar patrimônio imaterial das cidades

Reportagem:

Muitos são os tipos de patrimônio histórico e cultural que uma cidade pode abarcar. Igrejas centenárias, construções que sobreviveram aos séculos, museus que adensam narrativas e identidades locais. Existe, contudo, outro tipo de patrimônio. Ele está vivo, possui memória e produz história: o morador da cidade. Vistos como parte do patrimônio imaterial, são guardiões intangíveis e muitas vezes invisíveis, ainda que estejam por toda parte.

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Buscando alterar esse quadro, há cinco anos o projeto Moradores – a Humanidade do Patrimônio percorre cidades brasileiras fotografando e entrevistando esses moradores. Após registrar essa história viva, o coletivo ocupa o espaço público com exposições multimídia e fotos totêmicas que convidam o passante a conhecer a cidade para muito além de seu patrimônio palpável.

“O maior patrimônio que uma cidade pode ter é a história dos seus moradores”, defende o jornalista Gustavo Nolasco, integrante do coletivo responsável pelo projeto, o NITRO Histórias Visuais, do qual também fazem parte os fotógrafos Marcus Desimoni, Bruno Magalhães e o cineasta Alexandre Baxter.

“O ser humano só cuida do patrimônio material da sua cidade quando percebe pertencer a ele enquanto patrimônio imaterial. A partir do momento que morador conta sua história, ele a conta de um lugar. É plantada então a semente para que lutem por sua preservação”, acrescenta.

Fotografia de moradora de Juazeiro (PE)
Fotografia de moradora de Juazeiro (PE)

Histórias de vida como patrimônio imaterial

Em 2012, surgiu uma pálida tenda no centro de Tiradentes, cidade histórica de Minas Gerais mais do que acostumada a ter suas fachadas centenárias fotografadas. O convite aos moradores era simples: que entrassem na tenda e falassem sobre sua vida e relação com a comunidade e território.

De acordo com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), patrimônio imaterial é o conceito adotado por países e fóruns internacionais na formulação e condução de políticas de proteção e salvaguarda dos patrimônios culturais, sob a perspectiva antropológica e relativista da cultura. Isso inclui celebrações e saberes de cultura popular, festas religiosas, mitologias e língua, além dos guardiões e guardiãs dessas manifestações.

A ideia simples carregava, entretanto, uma crítica à forma como as cidades históricas e os turistas se relacionam com seus habitantes. “Essas cidades acabam se convertendo em cidades cenário: as pessoas chegam, armam, fazem a festa e vão embora. O contato com os moradores e com a história do lugar se restringe a prestação de serviços”, relembra o jornalista.

As histórias coletadas na tenda se converteram em uma gigante exposição no centro da cidade. Os rostos de moradores, com suas marcas e impressões dramatizadas em preto e branco, foram impressos em grande formato e postos ao lado dos cartões-postais da cidade.

Desde então, o projeto percorreu 13 cidades dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda que os territóriossejam distintos, as primeiras reações dos locais são sempre de desconcerto e estranheza, conta Gustavo. Isto porque desconfiam do interesse em suas histórias de vida e costumam começar a contá-las da perspectiva dos dados e fatos da cidade que habitam.

“A transformação se dá justamente quando dizemos que queremos ouvir a história pessoal do morador. Quando acionamos sua memória, a pessoa começa a fazer ligações afetivas de sua narrativa com o lugar. Seus olhos começam a brilhar, porque ela própria reconhece a beleza e a importância do que viveu”, explica Gustavo.

Coletadas as histórias em fotografia e em vídeo, é a hora da figura do morador tomar seu lugar na geografia da cidade. As fotos em grande formato são posicionadas em locais centrais e um Varal de Histórias – estrutura com um varal de fotos e conteúdo multimídia – é montado. “O passante, em principal o turista, que geralmente não olha para o morador, é obrigado a olhar além da casca do patrimônio quando se depara com a intervenção”, declara o jornalista.

Fotografias sendo carregadas em Tiradentes (MG)
Fotografias sendo carregadas em Tiradentes (MG)

Toda cidade é histórica

Antes da montagem da tenda, a equipe do projeto pesquisa e entra em contato com os mestres locais do saber, em sua maioria brincantes, artistas ou líderes da comunidade. São eles os primeiros a entrar na tenda e a fornecer conhecimento valioso sobre o território. A participação no Projeto Moradores também tem força simbólica: referências locais, eles fazem com que outros habitantes se sintam confortáveis e se aproximem.

“O maior patrimônio que uma cidade pode ter é a história dos seus moradores”. Gustavo Nolasco, do Projeto Moradores.

Em cada cidade, de 100 a 250 moradores são entrevistados. Como não é possível fazer a impressão em formato grande de todos os fotografados, o Varal de Histórias cumpre a função de oferecer ao entrevistado um agradecimento pela partilha de sua intimidade. “As pessoas já estão acostumadas com a gente, já nos contaram sua história, mas sempre levam um choque de felicidade quando veem as fotos”, relembra o jornalista. “Quando o morador enxerga sua fotografia ao lado de um dos mestres do saber, ele reconhece ser tão importante quanto ele.”

A potência da devolutiva fez com que o projeto expandisse sua produção. Para 2018, planeja uma oficina construída junto aos moradores das cidades que visitará o patrimônio e a cultura local, incentivando-os a olhar para a memória. A ideia é convidar moradores, educadores e mestres a passar por um processo de formação teórica em patrimônio e prática em fotografia e captura de vídeo. Esse mesmo grupo poderá participar das tendas e, no futuro, replicar a experiências em suas próprias comunidades, criando bolsões de patrimônio imaterial descentralizados e que façam sentido para os que estejam ao seu redor.

Depois de tantas andanças – este ano o projeto passará por cidades cariocas e mineiras –, os integrantes do coletivo chegaram a uma conclusão sobre seu percurso, já reconhecido pelo IPHAN como uma das melhores iniciativas em Educação Patrimonial: “Toda cidade é histórica, porque toda cidade tem história.”

Confira o vídeo feito em Tiradentes (MG):

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