publicado dia 22 de julho de 2025
“PL da Devastação é sentença de morte”, alerta liderança indígena
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 22 de julho de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Aprovado pelo Congresso Nacional, o PL da Devastação (Projeto de Lei 2.149/2021) desmonta o licenciamento ambiental, vigente no Brasil há 40 anos e considerado o principal instrumento de controle dos impactos ambientais de empreendimentos no Brasil. Em entrevista, liderança indígena e especialista destacam os maiores riscos da proposta e como ela ameaça o futuro das próximas gerações.
O Congresso Nacional chancelou o projeto de lei 2.149/2021, apelidado de PL da Devastação. O possível desmonte do principal instrumento de controle dos impactos ambientais de empreendimentos no país, o licenciamento ambiental, acontece em meio ao aumento de 27% das áreas ameaçadas de desmatamento na Amazônia, identificado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no primeiro semestre de 2025.
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O PL da Devastação foi aprovado na Câmara dos Deputados com 267 votos a favor e 116 contra na madrugada de 17/07, mesmo após alertas de especialistas e de comunidades tradicionais sobre seus riscos. O Senado também aprovou a medida em maio, desencadeando uma série de protestos pelo país.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima reafirma em comunicado sua discordância da proposta e destaca que buscou diálogo com o Congresso em busca de um texto que atendesse aos interesses da sociedade e respeitasse as garantias constitucionais de proteção ambiental.
Com a aprovação da medida, a pasta diz que vai avaliar os caminhos institucionais mais adequados para enfrentar os prejuízos decorrentes da falta de procedimentos de licenciamento ambiental compatíveis.
“O objetivo é assegurar a manutenção de uma legislação ambiental alinhada às demandas da população brasileira, em consonância com os desafios sociais, climáticos e econômicos da atualidade e com os compromissos internacionais firmados pelo Brasil”, diz o ministério liderado por Marina Silva.
Agora, o futuro do PL está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode sancioná-lo ou vetá-lo. A expectativa de especialistas e ambientalistas é de que a proposta seja vetada e, no mínimo, debatida com a participação da sociedade e critérios técnicos e científicos.
“Caso o PL não seja vetado, obviamente será uma sentença de morte da humanidade. O PL da Devastação não representa somente um grave retrocesso aos direitos indígenas, ele permite o licenciamento automático, sem consulta aos povos afetados, inclusive em terras ainda não demarcadas”, explica Juma Xipaia, primeira mulher a assumir o cargo de cacica da Aldeia Kaarimã, do povo Xipaia na região do Médio Xingu, no Pará.
O que está em jogo com o PL da Devastação?
O PL 2.149/2021 desmonta o licenciamento ambiental que há 40 anos é obrigatório no Brasil para todas as atividades que podem causar degradação ambiental. A proposta prevê uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, flexibilizando as licenças atualmente previstas em lei.
Entre as principais mudanças, destaca-se a criação do autolicenciamento. Na prática, a alteração permitiria que os empreendimentos consigam licenças ambientais a partir da autodeclaração, sem estudos prévios sobre os riscos que as atividades podem causar ao meio ambiente.
O texto também sugere a dispensa do licenciamento para uma série de atividades de agricultura, pecuária e manutenção de sistemas de tratamento de água e esgoto.
Para a cacica Juma Xipaia, um dos pontos mais graves da restrição da análise dos impactos de empreendimentos é a limitação da participação de órgãos públicos no processo, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Isso enfraquece a proteção ambiental e jurídica dos territórios, aumenta a vulnerabilidade das comunidades, favorecendo as invasões e viola os direitos já garantidos pela Constituição e por acordos internacionais. O impacto será global”, aponta.
Ela cita como exemplo dos impactos de grandes empreendimentos a usina hidrelétrica de Belo Monte, construída no curso do Rio Xingu, em Altamira (PA). A hidrelétrica alterou de forma drástica os modos de vida dos povos indígenas da região, provocando a escassez de peixes e causando o deslocamento forçado da população. “Medidas como as previstas no PL ampliam esse tipo de violação em larga escala”, reforça.
A liderança indígena chama atenção ainda para o fato de o PL da Devastação representar um risco para toda a população e não somente os povos tradicionais.
“Potencializar o desmatamento, liberando obras sem avaliação adequada, afetará não somente os nossos direitos indígenas, que dependemos e que protegemos a floresta, não somente para a nossa alimentação, a nossa saúde, a nossa cultura, mas a de vocês também”.
Crise climática e riscos para as futuras gerações
A flexibilização do licenciamento ambiental também representa um risco para as futuras gerações ao ir na contramão dos esforços mundiais para frear os efeitos da crise climática. É o que defende Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
“A destruição do licenciamento ambiental faz com que essa tentativa de estabelecer um equilíbrio seja fragilizada e isso é um risco para todos nós, principalmente para futuras gerações”, comenta.
Nessa conta, crianças e adolescentes, que já são os mais impactados pelas mudanças climáticas, também serão os mais penalizados. A estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) é de que até 2030 as mudanças climáticas poderão causar 95 mil mortes de crianças menores de 5 anos a cada ano.
No Brasil, onde 40 milhões de crianças e adolescentes já vivenciam os efeitos da crise climática, o licenciamento ambiental pode acelerar esse processo.
“A mudança climática é a maior ameaça que nós temos às futuras gerações. Um planeta mais quente vai causar inúmeros riscos na área de saúde, na qualidade de vida, de acesso ao alimento, à água potável, estresse térmico e uma série de outras circunstâncias. O licenciamento ambiental é uma forma de equilibrar ou de tentar equilibrar a nossa convivência”, conclui Astrini.