publicado dia 14 de janeiro de 2025
Parques naturalizados: o que são e como fortalecem o vínculo das crianças com a natureza
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 14 de janeiro de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
Resumo: Diferente dos tradicionais parques com brinquedos de plástico, os parques naturalizados trazem elementos naturais que incentivam a criatividade e fortalecem o vínculo das crianças com os espaços públicos e a natureza. Em entrevista, a arquiteta e urbanista Dayana Araújo explica como os parques naturalizados colaboram com a transformação do olhar das pessoas sobre as cidades.
Espaços ao ar livre onde as crianças brincam e interagem com estruturas desenvolvidas com elementos naturais como galhos, arbustos, terra, pedras e água. Essa é a proposta dos parques naturalizados, que incentivam a criatividade e fortalecem o vínculo dos pequenos com os espaços públicos e a natureza.
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“Além de respeitar as pré-existências, como por exemplo, inclinação do terreno, vegetação existente e tipo de solo, os parques naturalizados valorizam o encontro, as culturas, as espécies, as histórias, as memórias e possuem capacidade de regenerar tais espaços, no sentido ambiental e social”, conta a arquiteta e urbanista Dayana Araújo, mestre em Urbanismo e diretora executiva do Instituto Airumã, organização social focada no desenvolvimento sustentável para a vivência plena em cidades, territórios e comunidades.
Na contramão dos parques tradicionais, onde os brinquedos seguem padrões e, muitas vezes, são feitos de plástico, os parques naturalizados levam em consideração os ecossistemas originais e os recursos disponíveis no território onde eles serão construídos.
A cartilha “Parques naturalizados: Paisagens para o brincar”, do programa Criança e Natureza, destaca que o planejamento e a implementação desses parques devem envolver as secretarias de urbanismo dos municípios e os moradores do entorno.
Outra característica dos parques naturalizados é o design que leva em conta a movimentação corporal que as crianças devem fazer e os diferentes tipos de uso do espaço, como descanso, conversa e exercícios físicos como corrida.
Parques naturalizados no Brasil
Os parques naturalizados começaram a ganhar espaço em diferentes cidades brasileiras, com o apoio de organizações sociais e da iniciativa privada. É o caso do Parque Naturalizado de Campinas (SP), criado pelo Instituto Airumã para ampliar a demanda social por esse tipo de parque durante uma mostra de arquitetura.
A iniciativa fez sucesso entre as crianças visitantes da mostra e uma parceria entre a Secretaria de Clima, Meio Ambiente e Sustentabilidade (Seclimas), a Secretaria Municipal de Serviços Públicos (SMSP) e o Plano Primeira Infância Campineira (PIC), com financiamento da iniciativa privada, levou estruturas adaptadas do parque naturalizado para a área infantil do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, no bairro Vila Brandina, no final de 2024.
As estruturas adaptadas foram um tronco de árvore com cordas para escalada e blocos de madeira de diferentes formatos espalhados pelo chão. A ideia é que as crianças junto de suas famílias usem a imaginação para se divertir.
A instalação dos brinquedos naturalizados teve resultados positivos como o estímulo ao aumento de encontros de grupos no parque para piqueniques e celebrações como aniversários, e maior integração de crianças atípicas com crianças típicas de diferentes idades.
Houve ainda “relatos de famílias e educadoras dizendo que as crianças passaram mais tempo brincando e de formas mais criativas, coletivas e construtivas”, compartilha a diretora executiva do Instituto Airumã.
Em entrevista ao Educação e Território, Dayana Araújo detalha como os parques naturalizados podem contribuir para a interação das crianças com a natureza, apoiar o combate à crise climática e quais são os desafios para a ampliação desses espaços no Brasil.
Educação e Território: O que são parques naturalizados?
Dayana Araújo: Parques naturalizados são espaços para brincar na e com a natureza. Nestes espaços a paisagem é composta por elementos naturais com intencionalidade educativa que estimulam um brincar criativo, construtivo, imaginativo e coletivo. Além de respeitar as pré-existências, como por exemplo, inclinação do terreno, vegetação existente e tipo de solo, os parques naturalizados valorizam o encontro, as culturas, as espécies, as histórias, as memórias e possuem capacidade de regenerar tais espaços, no sentido ambiental e social.
Edt: E o que torna esses espaços diferentes de parques comuns?
Dayana: São muitas as diferenças entre um parque naturalizado e um parque convencional. Entre elas, temos o uso de elementos naturais em oposição ao plástico e aço, o desenho dos elementos do brincar que permitem diversas formas de criação, auto regulação dos medos e acolhem diversas idades em oposição ao brinquedos estruturados que permitem movimento restritos, áreas sombreadas em oposição a aridez, os mobiliários de apoio a cuidadores, piqueniques e cuidados com as crianças que são escassos em parques convencionais, a diversidade de espécies e de possibilidade de brincar em oposição à homogeneização, e a valorização da natureza, das espécies e solos locais em detrimento a solos impermeabilizados ou emborrachados e ausência de vegetação.
EdT: Nas grandes cidades do Brasil, é comum que os parquinhos infantis sejam gradeados e usem materiais sintéticos, como grama artificial e brinquedos padronizados e de plástico, além de existir uma preocupação muito grande com a segurança. É um contraste bastante grande com exemplos de parques voltados para a infância em países como a Alemanha, que propositalmente usam o desafio e rejeitam equipamentos de plástico. Há espaço para desafiar o modelo tradicional de parquinho nas infâncias brasileiras?
Dayana: O principal desafio, no meu ponto de vista, está em romper com a lógica adultocêntrica dos projetos urbanos que regem as cidades brasileiras. Espaços e serviços para as crianças em sua grande maioria são subestimados. Para planejar uma avenida, se contratam engenheiros civis, ambientais, calculistas, já os espaços para as infâncias geralmente não são sequer planejados. Ou seja, para termos parques como os da Alemanha, de Barcelona, da Finlândia é necessário que haja bons projetos, envolvimento de equipes intersetoriais, onde educadores, agentes de saúde, urbanistas, crianças, técnicos, organizações sociais e os políticos estejam engajados. Há casos no Brasil como em Recife, Fortaleza e Jundiaí onde estes movimentos estão acontecendo.
Outro ponto bastante desafiador está em uma discussão muito atual na sociedade que é o emparedamento das infâncias, gerado pelo excesso de tela e segurança ao qual a maioria das crianças tem passado. As soluções para esta questão tão complexa é claro que serão também soluções complexas e transversalizadas, no entanto, a disponibilidade de espaços qualificados para que as crianças possam brincar em seus bairros pode colaborar muito e exemplificam o papel educativo dos territórios.
Quanto aos riscos, o reconhecimento e entendimento de que existem riscos bons e riscos ruins para as infâncias ainda é pouco difundido no Brasil. Os riscos dos parques infantis Alemães como você citou são regulados, calculados, projetados, desenhados e colocar as crianças em contato com eles é fundamental para o desenvolvimento delas. Há embasamento científico para a decisão de romper com os modelos americanos de parquinhos super seguros e propor o desafio, os riscos que são importantíssimos para o autocontrole, para a autonomia e para os diversos aspectos de desenvolvimento – emocional, social, cognitivo, cultural e físico.
Me permito aqui trazer essa discussão para um contexto brasileiro, embora a maioria das crianças hoje estejam vivendo em cidades, nosso passado e muitas ancestralidades, estão no contato e na vivência com a natureza. Estar na e com a natureza nos permite compreender os riscos. Uma criança que vê um inseto diferente do que está acostumado cria hipóteses – coloco a mão? me pica? machuca? É bonito ou feio? parece com outro que já vi? ou por exemplo subir em uma árvore – este galho me aguenta? qual o melhor caminho? Esta textura vai me arranhar? A natureza por si nos expõe a tais questionamentos. Acredito que no Brasil temos um desafio de valorizar e reconhecer estes modos de brincar na natureza que fazem parte de nossa história.
EdT: Como os parques naturalizados podem contribuir para a interação das crianças com a natureza?
Dayana: Há um termo cunhado pelo jornalista americano Richard Louv chamado “transtorno de déficit de natureza”. Este conceito analisa o desenvolvimento das crianças e mostra o quanto elas estão emparedadas e em telas, o transtorno vem daí. Embasado neste termo, que vem de uma longa pesquisa e estudos científicos, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma nota dizendo que o contato e a vivência na natureza são fundamentais para o desenvolvimento integral das crianças. Nesta nota, a SBP indica diversas possibilidades de vivências com a natureza e na base da pirâmide está o contato cotidiano. Este contato não se dá em grandes florestas e parques, se dá no parquinho do bairro ou no pátio da escola. Estes espaços precisam ser tomados por natureza. Ou seja, os parques naturalizados são fundamentais para a interação das crianças com a natureza.
EdT: Ao aproveitar elementos da natureza, parques naturalizados podem também ampliar espaços verdes nas cidades. Qual pode ser o papel dos parques naturalizados diante da crise climática e da necessidade de adaptação das cidades aos novos desafios do clima?
Dayana: Os parques naturalizados são considerados Soluções Baseadas na Natureza, ou seja, uma ação que pode mitigar o impacto das mudanças climáticas. Em termos urbanos eles aumentam a cobertura vegetal da cidade, trazendo todos os benefícios ambientais relacionados a esse ganho como mais conforto térmico, áreas de descanso sombreadas, melhoria na drenagem e ampliação do habitat para espécies animais e favorecem o aumento da biodiversidade.
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As cidades que implementam parques naturalizados em escala conseguem inclusive contribuir para a regulação do micro e do macroclima e a melhoria da qualidade do ar. Para a população, os parques naturalizados podem colaborar com a saúde física e mental e o bem-estar e também podem ser espaços para produção coletiva de alimentos. Em um campo mais ampliado, há estudos que mostram que a relação cotidiana da criança com a natureza também faz com que tenhamos sujeitos mais compromissados e conscientes com as questões ambientais.
EdT: Quais exemplos de experiências com parques naturalizados no Brasil? Quais seriam os primeiros passos para um gestor público ou comunidade interessados em construir um espaço do tipo?
Dayana: Temos alguns municípios no Brasil que estão realizando Parques Naturalizados, geralmente são municípios vinculados à Rede Urban95, uma iniciativa que estuda e executa projetos para que as cidades sejam melhores às infâncias. Recife (PE), Fortaleza (CE), Mogi das Cruzes (SP), Jundiaí (SP), Campinas (SP). Há muitos caminhos para gestores públicos iniciarem a implementação de tais parques, mas é importante que olhe para um todo, considerando planejamento, projeto, execução, conservação e manutenção. Além disso, sempre que possível articular a implementação de um Parque Naturalizado a uma política pública, como plano diretor, plano de ação e plano da primeira infância.
Na publicação “Caminhos para a implementação de parques naturalizados – UM GUIA PARA GESTORES PÚBLICOS” que escrevi junto com a Karina Tollara para o Instituto Alana há algumas formas de viabilização inclusive de mapeamentos, escuta com as crianças, licitação e aproveitamento de resíduos de poda. Mas o que considero mais importante é a compreensão da importância de tal feito e de sua intencionalidade educativa.
Uma dica para gestões municipais e mesmo comunidades é que é possível mesclar os elementos de um parque naturalizado com brinquedos mais tradicionais para que as famílias possam ir se adaptando a esta nova forma de parques, digo as famílias porque as crianças adoram, entendem estes espaços como de brincar e sempre aproveitam muito já as famílias, por vezes ficam receosa em deixar as crianças brincarem nestes espaços.
EdT: Você participou da criação de um parque naturalizado em Campinas (SP). Como foi desenvolver esse projeto e o que você tem observado agora, quais os resultados?
Dayana: O Parque Naturalizado de Campinas tem uma peculiaridade, ele nasce como uma estratégia do Instituto Airumã para ampliar a demanda social por esse tipo de parque, em uma mostra de arquitetura. No tempo em que ficou na mostra recebemos centenas de crianças das escolas públicas e visitantes em geral. Após finalizada a mostra com algumas adaptações os elementos do brincar foram levados para o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim. Esta negociação contou com a parceria do Programa da Primeira Infância Campineira e com a Secretaria do Clima e foi financiada pela iniciativa privada. O município é bem engajado nestas causas.
Nos dois momentos o parque conta com resultados muito significativos que reforçam sua importância sendo o estímulo ao brincar em contato com a natureza – nos dois locais onde o parque foi instalado as infraestruturas para as infâncias eram pouca e com a instalação o movimento de crianças aumentou significativamente; ampliação de repertório sobre a importância de espaços naturalizados para as crianças e para as cidades e aumento dos encontros de grupos de famílias, piqueniques e aniversários no espaço do parque.
Há também uma ampliação do tempo de estar no parque naturalizado, diversificação das formas de brincar – relatos de famílias e educadoras dizendo que as crianças passaram mais tempo brincando e de formas mais criativas, coletivas e construtivas, e a experiência com crianças atípicas mostrou maior integração com crianças típicas e de diferentes idades.
EdT: Território educativo é aquele que reconhece, promove e exerce um papel educador. Como os parques naturalizados podem colaborar para o desenvolvimento de territórios educativos e como eles podem apoiar o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e adultos?
Dayana: Os Parques Naturalizados, enquanto equipamento público, já exercem função educativa, mas é claro que é fundamental se colocar intencionalidade educativa ao fazer e algumas práticas potencializam esta relação como articulação com equipamentos de atendimento à crianças e adolescentes do território – ao se fazer um parque é importante a participação de educadoras, educadores sociais, agentes de saúde, assistentes sociais e famílias que vivem e ou atendem neste local; reconhecimento e valorização da cultura local – os brinquedos, as espécies vegetais, os modos de brincar precisam refletir a realidade local; um parque naturalizado pode servir de apoio a jornadas estendidas de educação integral, por exemplo, compondo uma rede educativa local; espaço de estar e encontro – os parques para que sejam educativos precisam acolher as pessoas cuidadoras e de outras idades sendo um espaço comunitário de trocas e vínculo; comunicação e formação – é preciso comunicar, contar, dialogar o que é um espaço como este.
Ainda muito novo no Brasil, os parques naturalizados podem causar algum estranhamento. E esta comunicação precisa ser no sentido de apresentar os parques como direito à cidade, à natureza e ao brincar.
EdT: Qual a relação entre parques naturalizados e o direito das crianças ao brincar e à cidade?
Dayana: O parque naturalizado é uma ação, uma construção, um feito que responde a direitos das crianças garantidos por diversas legislações. Esta relação está preconizada em diversas normativas nacionais e acordos internacionais que enfatizam o papel central do poder público em assegurar esses direitos de forma equitativa, para que não sejam reduzidos à condição de privilégio.
São exemplos: artigo 225 e 227 da Constituição Federal, artigo 5 e 17 do Marco Legal da Primeira Infância, Artigo 2 do Estatuto da Cidade, ODS 11, ponto 13 da nova agenda urbana.
Toda e qualquer efetivação de direitos da criança (a cidade, a natureza, ao brincar) envolve uma série de ações e estratégias multissetoriais e os parques naturalizados são uma eficiente resposta.