publicado dia 22 de dezembro de 2023
Operação Verão: patrulhamento evidencia racismo e acende discussão sobre direitos das crianças e adolescentes
Reportagem: Nataly Simões
publicado dia 22 de dezembro de 2023
Reportagem: Nataly Simões
🗒️Resumo: Em curso no Rio de Janeiro (RJ), a Operação Verão acende alerta para viés racial das forças de segurança e coloca em risco direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Entenda a disputa judicial protagonizada pelos governos municipais e estaduais do Rio e os órgãos de Justiça.
Iniciada em setembro e intensificada no fim do ano, a Operação Verão, realizada pela polícia na cidade do Rio de Janeiro (RJ) com o apoio dos governos municipal e estadual para reforçar o patrulhamento nas praias, entrou na mira da Justiça devido a realização de apreensões, sem flagrante, de crianças e adolescentes.
No dia 15/12, a juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital, proibiu esse tipo de apreensão, ao menos que haja flagrante de algum crime. A magistrada atendeu a uma ação civil pública do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ).
A apreensão de menores de idade sem flagrante contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e coloca em risco os direitos de crianças e adolescentes. Já no caso em que há o flagrante, a lei determina que os adolescentes devem ser encaminhados à autoridade policial competente.
Segundo o Ministério Público, o recolhimento de jovens por agentes de segurança é uma prática de segregação racial, que causa danos psicológicos e sobrecarrega os órgãos públicos.
A Promotoria também apontou abusos nas abordagens feitas pela Polícia Militar durante a Operação Verão, iniciada em setembro. Somente no primeiro fim de semana de dezembro, mais de 40 adolescentes foram encaminhados para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Tijuca, na zona norte do Rio. Para o MP, em apenas um dos casos houve motivo para a apreensão do jovem.
“A maioria absoluta por nós atendidos não era elegível ao acolhimento institucional. Tratava-se de adolescentes sem relato de uso de drogas e de permanência em situação de rua. Não denotavam situação de vulnerabilidade, ao contrário, relatavam estar em momento de lazer e de acesso à cidade. [Eram adolescentes] com endereço e residência fixa, documentação em casa e referenciados ao Cras, Creas e escolas dos territórios”, diz a ação do MP-RJ.
Leia +: Em um ano, violência contra crianças e adolescentes aumenta 21%
A Promotoria destacou ainda o viés racial nas apreensões de menores de idade sem flagrante.
“É importante destacar que a atuação injustificada e desproporcional da Polícia Militar, tendo como alvo adolescentes negros — dos 89 adolescentes, praticamente todos eram negros—, que não estavam praticando ato infracional ou em situação de risco emergencial, caracteriza, indubitavelmente, racismo institucional.”
A prefeitura e o estado recorreram da decisão. O presidente do Tribunal de Justiça (TJRJ), desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, suspendeu, no dia 16/12, a decisão que impedia policiais de apreender adolescentes sem flagrante.
A batalha judicial se insere em um contexto de intenso foco em casos de arrastões na Zona Sul do Rio de Janeiro (RJ) e na questão da segurança pública na cidade. Estatísticas mostram que pessoas negras – principalmente homens e adolescentes – são o alvo preferencial nas abordagens policiais no município carioca.
A pesquisa Elemento Suspeito (2022), realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), aponta que homens, negros, de até 40 anos, moradores de favelas e periferias, com renda de até três salários mínimos são os principais alvos dos agentes de segurança do município carioca.
Mesmo representando 48% da população no município, o percentual de pessoas negras abordadas pela polícia chega a 63%. E 17% delas já foram paradas mais de 10 vezes.
Confira a pesquisa na íntegra aqui.
A população negra também é a mais atingida pela violência do Estado. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que negros são 84,1% dos mortos em intervenções policiais.
Em 2023, A ONU denunciou novamente a disparidade da atitude das forças de segurança no Brasil com relação às populações negras e periféricas. Segundo o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, as chances de um negro ter um encontro fatal com a polícia aumentaram cerca de 6% em 2021. Entre os não negros, a tendência foi de queda de 31%.
Na quinta-feira (21/12), a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) do Rio de Janeiro enviou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) despacho em que reitera pedido de informações sobre o planejamento adotado pela pasta liderada por Flávio Dino para orientar agentes federais em atuação na capital fluminense, a fim de evitar abusos e impedir a apreensão de menores de idade sem mandado e sem flagrante na Operação Verão.
Leia +: 6 pontos sobre a violência contra crianças e adolescentes no Brasil
Para o Ministério Público, é fundamental que os policiais “cumpram de forma estrita seus deveres legais, observada a necessidade de atuação célere nos casos específicos de flagrância”, conforme já defendido pelo órgão em documento enviado ao Ministério da Justiça anteriormente.
De acordo com comunicado do MP, no despacho, o órgão “procura analisar brevemente o teor da decisão proferida no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com o fim de adotar, nos estritos limites da atribuição da PRDC, providências que impliquem o oferecimento de subsídios para a atuação de outros órgãos”.