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publicado dia 8 de agosto de 2024

Marcio Tascheto: “Uma Cidade Educadora é radicalmente democrática”

Reportagem:

Resumo: Em entrevista, Marcio Tascheto, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor na Universidade Franciscana (UFN), explica o que caracteriza uma cidade como educadora e como as universidades podem colaborar com a ideia de território educativo.

O que significa ser uma Cidade Educadora? O conceito, consolidado a partir da década de 1990, remete ao entendimento da cidade como um território educativo. Ou seja, uma cidade capaz de garantir acesso a direitos básicos, cujo potencial educativo precisa ser ativado e cultivado tanto pela comunidade quanto pelo poder público em prol da qualidade de vida da população.

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Seus princípios estão organizados na “Carta das Cidades Educadoras”, elaborada há 34 anos pela Associação Internacional de Cidades Educadoras (Aice). Resumidamente, o documento caracteriza o Direito à Cidade Educadora como uma extensão do Direito à Educação, com os habitantes usufruindo de liberdade e igualdade, além de oportunidades de formação e desenvolvimento pessoal oferecidos pelo território. 

Carta das Cidades Educadoras

Elencando 20 princípios básicos, o documento se baseou na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, além de outros dispositivos como a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Carta Mundial pelo Direito à Cidade (2005) e o Acordo de Paris sobre o Clima (2015).

Marcio Tascheto,  professor do Curso de História e do Mestrado em Humanidades e Linguagens da Universidade Franciscana (UFN) e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta, em entrevista ao Educação e Território, o que caracteriza um município como Cidade Educadora.

“A Cidade Educadora não pode ser um título, um rótulo, um marketing de prefeitura ou um troféu. Ela é uma ideia-força que faz uma aposta sobre a possibilidade de reimaginar as nossas cidades de um jeito radicalmente democrático. Uma Cidade Educadora é, essencialmente, uma cidade que mobiliza socialmente as pessoas a tomarem para si esse espaço como uma obra coletiva”, defende Tascheto, que também faz parte do Conselho Consultivo do programa Educação e Território da Associação Cidade Escola Aprendiz. 

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Em todo o mundo, 481 cidades de 28 países são associadas aos princípios da Associação Internacional de Cidades Educadoras. No Brasil até o momento são 40 municípios, entre eles as capitais Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). Na prática, isso significa que os governos se comprometeram a implementar políticas alinhadas aos princípios definidos pela carta, mas ainda existem desafios. 

Tascheto cita como um dos obstáculos a falta de consciência acerca dos territórios. A crise climática global também é outro desafio para as Cidades Educadoras. 

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“Isso mostra a importância de organizar territorialmente as nossas cidades para conseguir dar conta desse tipo de situação, que será cada vez mais recorrente na realidade brasileira e mundial. Nós tivemos a maior enchente da história do Rio Grande do Sul e isso levou a críticas sobre o modelo de gestão das nossas cidades e a forma como isso tem impactado na construção de alternativas para a contribuição dessa organização”, avalia Tascheto.

Marcio Tascheto: “Uma Cidade Educadora é radicalmente democrática”
O professor Marcio Tascheto durante palestra sobre extensão universitária no contexto dos territórios educativos no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFAR), localizado em Santa Maria (RS).

Confira a seguir a entrevista completa:

Educação e Território: Consolidado a partir da década de 1990, o conceito de Cidade Educadora vem ganhando força no Brasil. Neste ano, o país sediou o Congresso Internacional Cidades Educadoras, realizado em Curitiba (PR). O que uma cidade precisa garantir para ser considerada uma cidade educadora? 

Marcio Tascheto: A Cidade Educadora não pode ser um título, um rótulo, um marketing de prefeitura ou um troféu. A Cidade Educadora é uma ideia-força que faz uma aposta sobre a possibilidade de reimaginar as nossas cidades de um jeito radicalmente democrático. Uma cidade só é educadora se reconhecer  o processo necessário de desfazer a espetacularização da cidade, se as pessoas participam da cidade e os sujeitos se apropriam dela. Uma Cidade Educadora é, essencialmente, uma cidade que mobiliza socialmente as pessoas a tomarem para si esse espaço como uma obra coletiva, mas sua.

“A Cidade Educadora não pode ser um título, um rótulo, um marketing de prefeitura ou um troféu”

Precisamos criar essa consciência de medir de alguma forma a massa crítica de uma cidade que se constitui a partir de princípios democráticos. É isso que vai fazer com que a gente não trate como Cidade Educadora espaços de segregação urbana e que favoreçam, por exemplo, a especulação imobiliária. Em uma Cidade Educadora, as pessoas têm acesso à saúde, Educação de qualidade, espaços de lazer e de esporte e à descentralização da cultura em sua diversidade.

EdT: Atualmente, mais de 40 municípios brasileiros associam-se aos princípios da Carta das Cidades Educadoras. No Brasil, quais são os maiores obstáculos enfrentados pelas cidades para se constituírem como territórios ou cidades educadoras? 

Márcio: O primeiro obstáculo é a nossa falta de consciência ou ignorância acerca dos nossos territórios.  No caso da universidade, existe um distanciamento muito grande entre fazer ciência e o conhecimento das nossas realidades. Precisamos conhecer melhor as condições históricas e sociais em que estamos inseridos a partir da criação de mecanismos onde haja a compreensão de onde queremos chegar enquanto sociedade e o reconhecimento dos sujeitos constituintes da cidade. A cidade é um conjunto diverso dos lugares de fala e dos lugares que falam. Não é possível construirmos uma Cidade Educadora sem ouvir essas vozes.

EdT: O Congresso Internacional Cidades Educadoras aconteceu em Curitiba no final de maio, em meio à emergência climática que atingiu o Rio Grande do Sul. Como o conceito de cidades educadoras – ou dos territórios educativos – pode contribuir para a proteção das cidades e seus moradores diante da crise climática e dos eventos climáticos extremos? 

Marcio: O que percebemos é que a organização territorial de uma cidade é uma resposta muito qualificada para um problema que teve um impacto gigantesco. É preciso repensar nossos parâmetros de planejamento, [repensar] se continuamos a retificar as cidades ou se a replanejamos a partir de lições que a crise climática traz. Há uma fragilidade nas estruturas urbanas e isso ficou muito visível na situação do Rio Grande do Sul, com cidades que ficaram completamente sitiadas. 

Isso mostra a importância de organizar territorialmente as nossas cidades para conseguir dar conta desse tipo de situação que será cada vez mais recorrente na realidade brasileira e na realidade mundial. Nós tivemos a maior enchente da história do Rio Grande do Sul e isso levou a críticas sobre o modelo de gestão das nossas cidades e a forma como isso tem impactado na construção de alternativas para a contribuição dessa organização.

“Nós tivemos a maior enchente da história do Rio Grande do Sul e isso levou a críticas sobre o modelo de gestão das nossas cidades”

EdT: A Cátedra Unesco UniTwin – A Cidade que educa e transforma foi apresentada oficialmente em Brasília (DF) em 2023. O consórcio internacional reúne universidades do Brasil, além de instituições de Ensino Superior portuguesas e de Guiné-Bissau. Como as universidades podem contribuir para o fortalecimento da agenda das cidades educadoras? 

Marcio: Sem as universidades, não conseguimos avançar nessa agenda. Eu acredito que a universidade no Brasil precisa se reconhecer no que Darcy Ribeiro falava há 60 anos, que a universidade é necessária para o Brasil que queremos construir. Uma universidade que tenha uma maior consciência da sua inserção territorial e o papel que cumpre em uma sociedade com tantas demandas históricas é crucial.

Na construção das desigualdades, por exemplo, todo um território é mobilizado. As desigualdades são estruturais, então é preciso que a universidade tome cada vez mais consciência de que ela se propõe a se constituir a partir de uma perspectiva de pedagogia universitária, que reconheça que está marcada por contextos culturais e do território onde está inserida.

Os geógrafos Milton Santos e Maria Laura Silveira, no livro O Brasil: Território e Sociedade no Início do Século XXI (2001), falavam que é preciso construir uma teoria sobre o Brasil que passe pelos seus territórios. A Cátedra reconhece a necessidade de construir uma proposta pedagógica com essa premissa. Uma pedagogia universitária precisa reconhecer sua dimensão territorial. Essa é uma forma de reimaginar a universidade, muito na linha do que o último relatório da Unesco, chamado “Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação”, tem apontado. Precisamos reimaginar nossos territórios.

Nós temos trabalhado na discussão acerca de várias possibilidades que a própria estrutura institucional oferece. A universidade, resumidamente, está pautada em três pilares: pesquisa, ensino e extensão. No âmbito da extensão, a universidade se conecta com a sociedade. A última resolução que define as diretrizes da extensão universitária nacional estabelece que 10% dos currículos em cursos de graduação devem ser voltados a práticas extensionistas. Isso fornece um campo de organização dos processos de ensino e aprendizagem que passam pela expansão dos espaços de ensino. É necessário pensar em modelos de extensão que criem estratégias de diálogo sistemático com os territórios.

EdT: Ao longo da história brasileira, quais experiências, reflexões e políticas públicas dialogam com as propostas para uma cidade que educa?   

Marcio: A Educação Integral é uma política fundamental por pensar no papel da escola com o território. Ela faz a expansão da ideia da formação, ampliando os espaços de aprendizagem. A retomada da agenda da Educação Integral por parte do Ministério da Educação (MEC) em agosto de 2023 foi um ponto importante.

“As políticas afirmativas são fundamentais na construção de Cidades Educadoras”

As políticas afirmativas, de modo geral, também são fundamentais na construção de Cidades Educadoras, pois não é possível construir esses espaços sem uma experiência profunda de democracia e isso passa pelo reconhecimento dos diversos sujeitos e a forma como eles produzem seus lugares de fala. 

As políticas no âmbito da cultura, sobretudo os Pontos de Cultura são fundamentais dentro dessa discussão. Não é possível fazer uma Cidade Educadora numa cultura homogênea ou que menospreze os sentidos que emanam dos territórios. Não é possível também sem políticas ligadas à moradia e demais políticas que exercitam o direito à cidade como saneamento básico, espaços de lazer e cultura, mobilidade urbana.

Cidade Educadora

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