publicado dia 16 de março de 2022
Francis Kéré recebe o Prêmio Pritzker de Arquitetura 2022
Reportagem: Da Redação
publicado dia 16 de março de 2022
Reportagem: Da Redação
O vencedor do Prêmio Pritzker de Arquitetura 2022 é Diébédo Francis Kéré, mais conhecido apenas como Francis Kéré, arquiteto, educador, ativista social nascido em Burkina Faso, vencedor do Prêmio Aga Khan de Arquitetura em 2004 e autor do Pavilhão Serpentine de 2017. Reconhecido por “empoderar e transformar comunidades através do processo da arquitetura”, Kéré, o primeiro arquiteto negro a receber o prêmio, trabalha em regiões conhecidas por suas adversidades, utilizando materiais locais e construindo obras contemporâneas cujo valor ultrapassa a própria estrutura, servindo ao futuro de comunidades inteiras.
“Através de edifícios que demonstram beleza, modéstia, ousadia e invenção, e pela integridade de sua arquitetura e gesto, Kéré defende graciosamente a missão deste Prêmio”, diz o comunicado oficial do Prêmio Pritzker de Arquitetura. Anunciado hoje por Tom Pritzker, presidente da The Hyatt Foundation, Francis Kéré é o 51º vencedor do prêmio criado em 1979, sucedendo Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal. Elogiado por ir além dos limites do campo disciplinar, o arquiteto atua simultaneamente em Burkina Faso e na Alemanha.
Espero mudar o paradigma, levar as pessoas a sonhar e arriscar. Não é porque você é rico que você deve desperdiçar material. Não é porque você é pobre que você não deve tentar criar algo de qualidade, […] Todo mundo merece qualidade, todo mundo merece luxo e todo mundo merece conforto. Estamos interligados e as preocupações com o clima, a democracia e a escassez são preocupações de todos nós. – Francis Kéré, vencedor do Prêmio Pritzker de Arquitetura 2022.
Nascido em Gando, Burkina Faso, em 1965 e radicado em Berlim, na Alemanha, Francis Kéré trabalha para “melhorar as vidas e experiências de inúmeros cidadãos em uma região do mundo que por vezes é esquecida”, diz o comunicado do Pritzker. Filho mais velho do chefe da aldeia e o primeiro da comunidade a frequentar a escola, as primeiras experiências de arquitetura de que se lembra estão ligadas à sua sala de aula de infância, que não tinha ventilação nem luz natural, e ao espaço pouco iluminado, mas seguro, onde sua avó lhe contava histórias. Em 1985, mudou-se para Berlim com uma bolsa de estudos de carpintaria, aprendendo a fazer telhados e móveis durante o dia, enquanto frequentava aulas à noite. Recebeu uma bolsa de estudos para frequentar a Technische Universität Berlin (Berlim, Alemanha) em 1995, graduando-se em 2004.
Quando ainda estava na faculdade, em 1998, criou a Fundação Kéré para arrecadar fundos e defender o direito de uma criança a uma sala de aula confortável. Seu primeiro edifício, a Escola Primária Gando, de 2001, foi erguido por e para os moradores locais, que construíram cada parte da edificação à mão, guiados pelas “formas inventivas que mesclam materiais vernaculares e engenharia moderna” do arquiteto. Este projeto lhe rendeu o Prêmio Aga Khan de Arquitetura em 2004 e o levou a abrir seu próprio escritório, Kéré Architecture, em Berlim no ano seguinte. Após esse projeto, outras obras de ensino e saúde foram encomendadas em Burkina Faso, Quênia, Moçambique e Uganda.
“Uma expressão poética de luz é consistente em toda a obra de Kéré. Os raios de sol se infiltram em edifícios, pátios e espaços intermediários, superando as duras condições do meio-dia para oferecer locais de serenidade ou encontro”, diz o comunicado oficial do Prêmio Pritzker. Além de escolas e instalações médicas, o trabalho de Kéré na África inclui dois edifícios históricos de parlamento, a Assembleia Nacional de Burkina Faso (Ouagadougou, Burkina Faso) e a Assembleia Nacional do Benin (Porto-Novo, República do Benin), bem como o TStartup Lions Campus (2021, Turkana, Quênia), um campus de tecnologias de informação e comunicação, e o Instituto de Tecnologia de Burkina (Fase I, 2020, Koudougou, Burkina Faso).
Com uma expressão arquitetônica profundamente enraizada em sua formação e experiências em Gando, Kéré comunicou ao mundo a tradição da África Ocidental, especialmente a prática de “comungar sob uma árvore sagrada para trocar ideias, narrar histórias, celebrar e reunir”. Com efeito, para o Pavilhão Serpentine 2017 o arquiteto imaginou uma estrutura que assume a forma de uma árvore, com a cobertura destacada e paredes curvas formadas por módulos triangulares na cor índigo, que representa a força em sua cultura. Dentro do pavilhão, a água da chuva era canalizada para o centro, conotando a escassez de água em muitas partes do mundo. Além de construir na África, Kéré tem obras na Dinamarca, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Alguns de seus trabalhos mais significativos são o Xylem no Tippet Rise Art Center (2019, Montana, Estados Unidos), a Léo Doctors’ Housing (2019, Léo, Burkina Faso), Lycée Schorge Secondary School (2016, Koudougou, Burkina Faso), o Parque Nacional do Mali (2010, Bamako, Mali) e a Opera Village (Fase I, 2010, Laongo, Burkina Faso).
Professor visitante da Harvard University Graduate School of Design (Massachusetts, Estados Unidos), Yale School of Architecture (Connecticut, Estados Unidos), Francis Kéré ocupa a cadeira inaugural de Projeto de Arquitetura e Participação na Technische Universität München (Munique, Alemanha) desde 2017. É membro honorário do Royal Architectural Institute of Canada (2018) e do American Institute of Architects (2012) e membro oficial do Royal Institute of British Architects (2009). Outros prêmios concedidos ao longo dos anos incluem o Prêmio Global de Arquitetura Sustentável da Cité de l’Architecture et du Patrimoine (2009), o Prêmio BSI Swiss Architectural (2010); o Global Holcim Awards Gold (2012, Zurique, Suíça), Schelling Architecture Award (2014); Prêmio Memorial Arnold W Brunner em Arquitetura da Academia Americana de Artes e Letras (2017); e a Medalha da Fundação Thomas Jefferson em Arquitetura (2021).
A cerimônia do 44º Prêmio Pritzker em homenagem a Diébédo Francis Kéré será realizada no recém-inaugurado Marshall Building (Londres, Reino Unido), projetado por Grafton Architects, de Farrel e McNamara.
Qual é o papel da arquitetura em contextos de extrema escassez? Qual é a abordagem correta para a prática ao trabalhar contra todas as probabilidades? Devemos ser modesto e arriscar sucumbir às circunstâncias adversas? Ou a modéstia é a única maneira de ser pertinente e alcançar resultados? Devemos ser ambicioso para inspirar mudanças? Ou a ambição corre o risco de ficar fora de lugar e resultar em uma arquitetura de mera ilusão?
Francis Kéré encontrou maneiras brilhantes, inspiradoras e revolucionárias de responder a essas perguntas nas últimas décadas. Sua sensibilidade cultural não só fomenta justiça social e ambiental, mas orienta todo o seu processo, na consciência de que este é o caminho para a legitimidade de um edifício em uma comunidade. Ele sabe que a arquitetura não trata do objeto, mas do objetivo; não do produto, mas do processo. Toda obra de Francis Kéré nos mostra o poder da materialidade enraizada no lugar. Seus edifícios, para e com comunidades, são frutos diretos dessas comunidades – em sua construção, seus materiais, seus programas e seus personagens únicos. Eles estão conectados ao solo sobre o qual se assentam e às pessoas que dentro deles se assentam. Eles têm presença sem fingimento e um impacto moldado pela graça.
Nascido em Burkina Faso, filho de pais que insistiram que seu filho fosse educado, Francis Kéré estudou arquitetura em Berlim. Repetidas vezes, retornou às suas raízes. Sua prática mescla sua formação e trabalho na Europa com as tradições, necessidades e costumes de seu país. Dedicou-se a trazer recursos em educação de uma das maiores universidades técnicas do mundo de volta à sua terra natal e fazer com que esses recursos elevassem o conhecimento, a cultura e a sociedade de sua região.
Tem continuamente perseguido essa tarefa de maneira ao mesmo tempo altamente respeitosa com o lugar e a tradição e ainda assim transformadora em relação ao que pode ser oferecido, como na Escola Primária em Gando, que serviu de exemplo para muitos além das fronteiras de Burkina Faso, e para a qual mais tarde acrescentou um alojamento de professores e uma biblioteca. Lá, Kéré entendeu que um objetivo aparentemente simples — possibilitar que as crianças frequentassem a escola com conforto — deveria estar no centro de seu projeto arquitetônico. A sustentabilidade para a grande maioria do mundo não é tanto prevenir a perda de energia, mas os ganhos indesejáveis de energia. Para muitas pessoas em países em desenvolvimento, o problema é o calor extremo, e não o frio.
Em resposta, desenvolveu um vocabulário arquitetônico altamente expressivo: telhados duplos, massa térmica, torres eólicas, iluminação indireta, ventilação cruzada e câmaras de sombra (em vez de janelas, portas e colunas convencionais) não se tornaram apenas suas estratégias centrais, mas adquiriram um status de dignidade construída. Desde que completou a escola em sua aldeia natal, Kéré seguiu o ethos e o método de trabalhar com artesanato e habilidades locais para elevar não apenas a vida social de pequenas aldeias, mas também as deliberações nacionais em edifícios legislativos. É o caso dos seus dois projetos em curso para a Assembleia Nacional do Benin, em construção avançada, e para a Assembleia Nacional de Burkina Faso, temporariamente paralisada pela atual situação política do país.
A obra de Francis Kéré é, pela sua essência e presença, fruto das suas circunstâncias. Em um mundo onde arquitetos estão construindo projetos nos mais diversos contextos – não sem controvérsias – Kéré contribui para o debate ao incorporar dimensões locais, nacionais, regionais e globais em um equilíbrio muito pessoal de experiência vivida, qualidade acadêmica, técnicas vernaculares, alta tecnologia e multiculturalismo sofisticado. No Pavilhão Serpentine, por exemplo, traduziu com sucesso para uma linguagem universal um símbolo essencial há muito tempo esquecido na arquitetura: a árvore.
Ele desenvolveu uma abordagem sensível, de baixo para cima, ao adotar a participação da comunidade. Ao mesmo tempo, não tem nenhum problema em incorporar processos de cima para baixo em projetos altamente avançados. Sua perspectiva simultaneamente local e global vai muito além da estética e das boas intenções, permitindo-lhe integrar o tradicional ao contemporâneo.
O trabalho de Francis Kéré também nos lembra da luta necessária para mudar padrões insustentáveis de produção e consumo, enquanto nos esforçamos para oferecer edifícios e infraestrutura adequados para bilhões de pessoas. Levanta questões fundamentais sobre o significado de permanência e durabilidade da construção em um contexto de constantes mudanças tecnológicas e reuso de estruturas. Ao mesmo tempo, seu humanismo contemporâneo mescla um profundo respeito pela história, tradição, precisão e regras escritas e não escritas.
Francis Kéré nos mostra como a arquitetura hoje pode refletir e atender às necessidades, incluindo as necessidades estéticas, de pessoas de todo o mundo. Ele tem nos mostrado como a localidade se torna uma possibilidade universal. Num mundo em crise, entre valores e gerações em mudança, recorda-nos o que foi e continuará a ser, sem dúvida, uma pedra angular da prática arquitetónica: um sentido de comunidade e qualidade narrativa, que ele próprio sabe contar com compaixão e orgulho. Nisso, oferece uma narrativa em que a arquitetura pode se tornar uma fonte de felicidade e alegria contínuas e duradouras.
Pelas dádivas que criou através de seu trabalho, dádivas que vão além do domínio da disciplina de arquitetura, Francis Kéré é o vencedor do Prêmio Pritzker 2022.
Matéria publicada no site Archdaily Brasil. A autoria é de Christele Harrouk e tradução por Romullo Baratto.