publicado dia 17 de novembro de 2015
Em São Paulo, ocupações de escolas se fortalecem com o apoio da comunidade
Reportagem: Redação
publicado dia 17 de novembro de 2015
Reportagem: Redação
por Danilo Mekari e Caio Zinet, do Centro de Referências em Educação Integral.
O número de ocupações de escolas em São Paulo saltou exponencialmente nos últimos dias. No dia 9/11, estudantes da EE Fernão Dias Paes e da EE Diadema deram o pontapé inicial para o processo. O movimento cresceu e ultrapassou as fronteiras da Grande São Paulo. Até a tarde da terça-feira (17/11) 38 escolas estavam ocupadas pelos estudantes – contrários à reforma do ensino proposta pelo governo do estado – espalhadas pelas cidades de Campinas, Bauru, Ribeirão Pires e Santa Cruz das Palmeiras, além de Osasco, Santo André, Mauá, Embu das Artes, Diadema e São Paulo. Uma página no Facebook, O Mal Educado, mantém atualizada uma lista de colégios ocupados.
Um dos motivos desse crescimento ocorreu com a decisão judicial que suspendeu todas as reintegrações de posse de escolas na capital. As ocupações que já existiam se consolidaram e as outras tiveram espaço para acontecer. Apesar disso, as ameaças de repressão continuam presentes e a participação da comunidade, dos pais e dos movimentos sociais têm sido fundamental nessa guerra de baixa intensidade que está sendo travada pelo governo estadual.
Na EE José Lins do Rego, na zona sul de São Paulo, talvez tenha acontecido o episódio mais violento do final de semana. Um professor foi espancado na porta quando, junto com outros docentes, tentava impedir a entrada da Polícia Militar na ocupação. A PM, segundo relatam os ocupantes em diversas escolas, tem buscado cansar os estudantes, criando pequenos incidentes para ameaçar as ocupações.
Em muitos casos, conta com a anuência das diretorias. Na EE Antonio Manoel Alves de Lima, também na zona sul da capital paulista, a diretora chamou a polícia para tentar impedir a ocupação. A PM só saiu depois de uma negociação entre as partes. “De tempos em tempos a polícia cria alguma forma de tensão. Uma hora quer impedir alguém de entrar, outra hora diz que vai entrar se o volume da música aumentar. Ficam inventando fatos para nos deixar tensos”, conta a militante Victoria Alves.
A forma de resistência encontrada pelos estudantes da Manoel foi chamar a comunidade, os pais e movimentos sociais para dentro das escola. Saraus, debates, rodas de samba e outras atividades ocupam o dia a dia dos estudantes. Eles também decidem o passo a passo da ocupação por meio de assembleias, que ocorrem muitas vezes ao dia. Nelas, socializam informações e levantam as necessidades da ocupação como comida, água e materiais.
Nesse ponto, novamente a comunidade entra como ator essencial ao auxiliar a luta dos estudantes. Os pais e moradores próximos ajudam a trazer aquilo que os alunos ocupados precisam. Os estudantes também passam de casa em casa, pelo bairro, pedindo solidariedade.
Na EE Salvador Allende, além de organizarem as atividades cotidianas da ocupação, os estudantes decidiram resolver problemas antigos da escola que eram ignorados pela direção. Os canos quebrados foram consertados, a grama que crescia junto com o lixo acumulado ao lado da escola foi carpida e abrigará uma horta. A pintura da escola precisava ser refeita e os estudantes decidiram pintar muros e grafitar paredes. Em suma, transformaram o espaço deles naquilo que eles mesmos queriam.
A advogada e militante da ocupação, Carolina Freitas, conta que a repressão diminuiu nos últimos dias, mas a pressão inicial foi forte. Os estudantes da terceira escola a ser ocupada no estado foram recebidos por cabos armados com fuzis pouco depois da ocupação.
No momento, a relação com a PM está mais tranquila, conta Carolina. Isso ocorre porque a maioria dos policiais militares é da região e conhece os estudantes que estão ocupando o colégio. Outro elemento essencial é o da comunidade ter encampado luta dos estudantes.
“O sentimento na comunidade é de que a escola é um patrimônio da região” conta. A Salvador Allende teve seu ensino noturno e o EJA (Educação de Jovens e Adultos) encerrados em 2014 e é uma das previstas para serem fechadas nesse processo de reorganização.
Para buscarem apoio ao movimento, os estudantes panfletam na estação José Bonifácio da CPTM e na Avenida Virgínia Ferni. O objetivo é conquistar o apoio das pessoas da região e explicar os motivos da ocupação.
A maioria das pessoas não consegue apoiar no cotidiano da ocupação, mas doa comida e materiais de limpeza, elementos essenciais para a manutenção das ocupações. Além da panfletagem e das atividades de manutenção da escola, os estudantes também organizaram cinemas, saraus, oficina de teatros e de rap. “Recebemos muitas ligações de pessoas se oferecendo para fazer atividades na escola”, conta Carolina.
A ocupação da EE Dona Ana Rosa de Araújo, na zona oeste paulistana, é uma das mais agitadas culturalmente. Lá, já ocorreram saraus, apresentação teatral do grupo Madeirite Rosa, exibição do filme “Uma história de amor e fúria” e aula aberta sobre movimentos autônomos e burocracias.
Quem também recebeu atividades culturais nesta segunda-feira (16/11) foi a EE João Kopke. Localizada no coração de São Paulo, a poucas quadras da Estação Júlio Prestes, a escola foi ocupada pelos alunos na manhã da própria segunda. Já à noite, a ocupação recebeu uma apresentação da peça “A Revolução das Galochas”, encenada pelo Coletivo de Galochas.
A escola, que abriga Ensino Fundamental II e Médio, corre o risco de perder o segundo, além da educação noturna e do EJA. Muitos estudantes presentes na ocupação acreditam que a intenção verdadeira do governo é fechar as portas da instituição, já que está situada em uma área cobiçada pela Porto Seguro. Segundo o professor Odair Paulo Tognon, a seguradora já comprou diversos imóveis na região e teria manifestado interesse pelo prédio da João Kopke.
A jovem Sara Letícia, 16, estuda na escola desde a quinta série e afirma que não gostaria de terminar o colegial em outra instituição – provavelmente a EE Fidelino Figueiredo, na Santa Cecília. “Participei de todas as manifestações contra o fechamento da minha escola. Agora, vou ficar até o fim”.
Em seu primeiro dia, a ocupação pôde sentir os efeitos que despertou na comunidade. Além da apresentação teatral, que injetou ânimo extra nos já enérgicos jovens, estudantes da Etesp (Escola Técnica Estadual de São Paulo), localizada há 1,5 km dali, caminharam até a João Kopke para prestar apoio. Sara Letícia convoca outros coletivos culturais para participar do levante. “O que adianta ficar aqui sem fazer nada? Queremos continuar produzindo!”
Integrante do Coletivo de Galochas, Rafael Presto convocou outros movimentos culturais da cidade a estarem presentes nas diversas escolas ocupadas. “Essa mobilização tem um caráter formativo muito profundo e está proporcionando uma vivência política intensa para os jovens. Os grupos podem ter certeza de que serão bem recebidos.”
A ocupação também conta com o apoio de alguns professores da João Kopke. Nesta primeira noite, três docentes permaneceram do lado de fora da escola, atentos à movimentação dos alunos e da PM. Enquanto os jovens tentavam garantir a ocupação, perto das 7h, Odair proferiu uma aula pública sobre os direitos sociais em um país democrático.
Odair acredita que, mesmo em um momento turbulento como esse, o professor deve prosseguir com seu papel de mediador da construção do conhecimento. “Eles são protagonistas e estão construindo a sua própria história.”
Professor de Filosofia, Odair observa que a João Kopke é a única escola da região que recebe filhos de nordestinos, imigrantes sul-americanos (38% dos alunos, segundo o docente) e jovens moradores de ocupações da região central. “A escola é uma referência para a comunidade. Sua interferência no olhar do aluno é grande.”
Ele aprova a realização de atividades culturais na ocupação. “A arte vai dar a energia para que os jovens continuem sonhando, na direção contrária do que quer o Estado. Também os ajuda a perceber que não estão sozinhos, é um desejo comum a muitas outras escolas”, ressalta.
Janaína, 16, também participa da mobilização que ocupou a João Kopke. Para ela, a divisão da educação em ciclos escolares não faz o menor sentido, já que é prejudicial à aprendizagem. “Aqui mesmo temos projetos que juntam os alunos do Fundamental e do Médio e proporcionam a troca de conhecimento entre eles.”
Os alunos ocupados também estão montando uma exposição que aborda diversos temas transversais à educação, como o racismo, a repressão a movimentos políticos, a violência policias e o papel da mídia na sociedade. Janaína afirma que, assim que ficar pronta, a iniciativa será aberta à visitação da comunidade.
“Isso serve para a gente aprender e para os detratores verem que não estamos aqui à toa”, observa. “Estou aqui lutando por uma causa que é minha, mas também por todos os alunos.”
A maioria das fotos que ilustram essa matéria foram retiradas das páginas O Mal Educado e Não Fechem a Minha Escola.
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